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O teto e os juros

O primeiro Relatório de Inflação sob a tutela de Ilan Godlfajn acaba de ser divulgado, trazendo algumas novidades, sobretudo nos cenários que são minuciosamente esmiuçados pelos analistas. As projeções feitas pela equipe do BC mostram uma rápida queda da inflação a partir do quarto trimestre desse ano, levando ao Santo Graal dos 4,5% até o […]

ILAN GOLDFAJN, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL: o “complexo de Wiedman” do Banco Central brasileiro é o que está retardando o aparecimento do ciclo de recuperação / Marcelo Camargo/ Agência Brasil
ILAN GOLDFAJN, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL: o “complexo de Wiedman” do Banco Central brasileiro é o que está retardando o aparecimento do ciclo de recuperação / Marcelo Camargo/ Agência Brasil
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Monica de Bolle

Publicado em 30 de setembro de 2016 às, 09h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h26.

O primeiro Relatório de Inflação sob a tutela de Ilan Godlfajn acaba de ser divulgado, trazendo algumas novidades, sobretudo nos cenários que são minuciosamente esmiuçados pelos analistas. As projeções feitas pela equipe do BC mostram uma rápida queda da inflação a partir do quarto trimestre desse ano, levando ao Santo Graal dos 4,5% até o fim do ano que vem. Destaca o documento: “As projeções aqui apresentadas dependem ainda de considerações sobre a evolução da política fiscal. Na conjuntura atual, os principais efeitos desta política estão associados ao processo de ajuste da economia, que envolve o encaminhamento de importantes reformas propostas pelo governo para apreciação pelo Congresso Nacional. Esses efeitos podem ser capturados pelos modelos utilizados para produzir as projeções na medida em que influenciem preços de ativos e expectativas de inflação (…) Além desses efeitos, a política fiscal influencia as projeções condicionais de inflação por meio de impactos decorrentes de medidas de curto prazo sobre a demanda”.

Traduzindo: supondo que o teto dos gastos e, quiçá, a reforma da previdência – o relatório não deixou claro se referia-se a ambas quando menciona “reformas” – sejam aprovados pelo Congresso, a inflação cairá rápido. Cairá pois ajudará as expectativas a convergirem para 4,5%. Cairá pois, no curto prazo, as reformas tiram dinheiro do bolso do consumidor, deixando o consumo ainda mais fragilizado – no médio prazo, espera-se que as reformas resolvam a insustentabilidade das contas públicas que hoje se apresenta.

Esquartejar essa linha de argumentação é exercício necessário. Como salientei acima, o trecho do Relatório de Inflação não deixou claro a que conjunto de reformas se refere. Se for ao binômio teto-previdência, o mais provável é que os juros não comecem a cair tão cedo, visto que a reforma da previdência é imbróglio para lá de embrulhado. Caso o relatório tenha deixado a dúvida porque os dirigentes do Banco Central pretendem manter a subjetividade que lhes confere discricionariedade – nas palavras de um diretor, trata-se não da subjetividade “per se”, mas da subjetividade intencional – os juros poderiam cair após a consideração pelo Congresso da PEC 241, a proposta de emenda constitucional que institui o Novo Regime Fiscal (NRF). O NRF ficou carinhosamente conhecido como o Teto.

Há diversas análises sobre a eficácia “per se” do Teto. Formou-se consenso de que o Teto sem a reforma da previdência seria teto furado – não apenas teto com goteiras. A razão é que sem a reforma da previdência, parte relevante dos gastos continuaria a ser reajustada pelos mecanismos pré-existentes, aqueles que permitem que as despesas com benefícios, pensões, e outros itens continuem a aumentar como se não houvesse amanhã.

A eficácia “per se” do Teto também é posta em xeque caso não cubra as despesas com pessoal – item que tem aumentado de forma galopante nos últimos anos, em todas as esferas do governo. Feitas essas observações, conclui-se que sozinha e sem levar em conta de forma explícita os gastos com pessoal, a PEC 241 não trará os efeitos que o Banco Central espera em seus cenários. Caso decida prosseguir com a redução dos juros ainda que o teto seja aprovado sem a salvaguarda dos gastos com pessoal, e sem clareza sequer sobre a reforma da previdência, a pergunta que naturalmente surgirá é: porque o Banco Central não começou a dimuir os juros antes?

Tenho defendido nesse e em outros espaços que esperar a aprovação das medidas fiscais para iniciar o processo de diminuição de nossas taxas estratosféricas seria o ideal, mas o ideal tende a ser ilusório. Sobretudo em se tratando de nosso ambiente político atual, onde reformas tendem a ser diluídas, ou talvez sequer discutidas – temo que a reforma da previdência sofra esse destino. As circunstâncias inéditas atuais – a depressão econômica que atravessamos, as perspectivas de alta continuada do desemprego e de queda da renda – sugerem que qualquer movimento mais audacioso do Banco Central não traria as consequências inflacionárias que imaginamos em contextos de maior normalidade. Além disso, as famílias brasileiras dificilmente veriam numa queda dos juros motivo para voltar a se endividar. Afinal, segundo os dados da Confederação Nacional do Comércio, o porcentual de famílias com contas ou dívidas em atraso continua a aumentar. Cerca de 10% das famílias endividadas disseram não ter como pagar suas dívidas de cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, prestação para carro e seguro.

Caso venha Teto com grave defeito de fabricação, urge considerar a hipótese de reduzir os juros “per se”.

MONICA-DE-BOLLE