O canto do cisne grisalho nos EUA
“The silver swan, who living had no Note, When Death approached, unlocked her silent throat. Leaning her breast against the reedy shore, Thus sang her first and last, and sang no more: “Farewell, all joys! O Death, come close mine eyes! More Geese than Swans now live, more Fools than Wise.”” Orlando Gibbons, The Silver […]
Publicado em 10 de novembro de 2016 às, 15h12.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h36.
“The silver swan, who living had no Note,
When Death approached, unlocked her silent throat.
Leaning her breast against the reedy shore,
Thus sang her first and last, and sang no more:
“Farewell, all joys! O Death, come close mine eyes!
More Geese than Swans now live, more Fools than Wise.””
Orlando Gibbons, The Silver Swan
Diz-se da concretização de evento inesperado, evento considerado impossível, que quando sobre nós abate-se, de Cisne Negro trata-se. Assim caracterizou o estatístico-trader-filósofo Nassim Taleb em seu “Cisne Negro” a ocorrência do inimaginável. A eleição de Donald Trump não era, exatamente, inimaginável, embora para alguns fosse impensável. Tampouco pode ser caracterizada como a aparição de um Cisne Negro, na acepção de Taleb. Afinal, quem o elegeu foram os cisnes grisalhos, cisnes desiludidos e frustrados, cisnes cujo canto foi a eleição de um inaceitável que a maioria da população americana nele não votou, e, com o resto do mundo, terá de engolir.
Quem são os cisnes grisalhos que entoam canto derradeiro? A composição demográfica dos eleitores de Trump deixa pouca dúvida de que trata-se, preponderantemente, de homens brancos com mais de 50 anos, com baixa escolaridade e que moram no chamado “rust belt”, os estados que viram desaparecer os empregos da indústria tradicional nas últimas décadas. É claro que o corte demográfico dos eleitores de Trump tem gente que não se encaixa nesses quesitos. Mas, os cisnes grisalhos aqui descritos foram, sem dúvida, aqueles que atenderam com maior fervor ao chamado Trumpista. Por que?
Em artigo escrito para o jornal O Estado de São Paulo em junho desse ano (ver “Os Paradoxos da Globalização”) discorri sobre o “Gráfico do Elefante” elaborado pelo renomado economista Branko Milanovic. O gráfico é um retrato da evolução da distribuição global de renda nas últimas duas décadas. O que nele se constata é o seguinte: a globalização trouxe ganhos extraordinários para a população que retém entre 30% e 50% da renda global – o crescimento acumulado da renda dessas pessoas superou os 70% em vinte anos – assim como o fez para o 1% mais rico do planeta – o ganho acumulado desses indivíduos chegou a 65%. As pessoas cuja renda representa algo entre 30% e 50% da renda global total são, em sua vasta maioria, habitantes de países emergentes e em desenvolvimento, em especial, os chineses.
Chineses, mas também mexicanos, indianos, brasileiros, e por aí vai. As pessoas que retêm 99% da renda global, a estratosfera endinheirada, vive, sobretudo, nas economias maduras. Portanto, a globalização trouxe grandes benefícios para países de renda média e para os indivíduos muito ricos. Para trás ficou a classe média baixa dos países avançados: os 20% mais ricos do planeta, que constituem precisamente essa classe média, e que viram estagnação sem precedentes nos seus ganhos médios durante os últimos vinte anos. São essas as pessoas que sentem-se excluídas, sobretudo quando olham à volta e enxergam o sucesso de países como a China, o enriquecimento crescente dos donos de Wall Street e Silicon Valley.
Esses são os cisnes grisalhos que o avanço da tecnologia, mas também da globalização, deixaram para trás. As promessas de Donald Trump os atenderá?
Consideremos dois cenários. No primeiro, Trump é o homem que cumpre as promessas de campanha, fecha o comércio, deporta imigrantes em massa, solapa parceiros comerciais com tarifas proibitivas. Nesse cenário, os pobres cisnes grisalhos mais pobres haverão de ficar. Afinal, tal estratégia é destruidora de empregos, não criadora, como mostrou estudo feito pelo instituto onde trabalho e que já citei nesse espaço em diversas ocasiões. Trump, entretanto, sabe disso – ele tem negócios fora dos EUA, já empregou mão-de-obra imigrante, vive entre empresários. É difícil imaginar que pessoa assim, além de ser pessoa sem convicções claras sobre o que quer que seja, de fato faça tudo o que prometeu.
Hoje, o mais provável é que Trump decida aplacar a base Republicana atendendo outras promessas de campanha, como o repúdio ao Obamacare, alguma política de deportação de imigrantes ilegais, e uma significativa redução de impostos sobre os mais ricos, abraçando a bandeira do supply-side economics turbinado. Trump também terá o opoio no Congresso para aprovar aumentos de gastos, sobretudo para a infraestrutura, o que traria impactos econômicos positivos, embora não necessariamente os empregos pelos quais anseiam seus cisnes. O que parece que teremos, portanto, é um governo menos cauteloso com as contas públicas, mais protecionista ma non troppo, e que não promoverá uma reforma da imigração.
O problema maior para Trump é que tanto sua versão moderada, quanto sua versão de campanha, dificilmente atenderão as promessas feitas aos seus eleitores mais fervorosos. Ficará um gostinho de estelionato eleitoral – sentem-no? Juntando isso com o fato incoveniente de que ele não contou com a maioria do voto popular, é possível que os EUA atravessem os próximos quatro anos sob intensa tensão social, o que não é bom para a economia.
Ao fim e ao cabo, os cisnes grisalhos que o elegeram provavelmente chegarão ao fim desse mandato mais grisalhos, mais desiludidos, mais empobrecidos. Mais gansos do que cisnes, infelizmente.