O Brasil pode se tornar uma Grécia?
O afã de ter acabado de sediar com sucesso os Jogos Olímpicos originados na Grécia, junto com a gravíssima crise cujos sinais de abrandamento exigem dose considerável de boa vontade para se enxergar, fizeram com que o atual ministro do Planejamento desse declaração bombástica. Ao insistir que o Brasil não pode prescindir das reformas propostas […]
Publicado em 26 de agosto de 2016 às, 11h38.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h05.
O afã de ter acabado de sediar com sucesso os Jogos Olímpicos originados na Grécia, junto com a gravíssima crise cujos sinais de abrandamento exigem dose considerável de boa vontade para se enxergar, fizeram com que o atual ministro do Planejamento desse declaração bombástica. Ao insistir que o Brasil não pode prescindir das reformas propostas pelo governo quase não mais interino de Michel Temer, disse o ministro que caso não se leve a cabo os principais itens do ajuste fiscal, o Brasil pode se tornar uma Grécia. Pode?
A Grécia mergulhou em crise profunda em 2010, quando déficits fiscais elevados e uma dívida do setor público superior a 100% do PIB levaram investidores a questionar se o país deveria ou não permanecer na zona do euro. Os problemas da Grécia não sobrevieram da crise financeira de 2008, tampouco de seus efeitos indiretos mundo afora. A crise grega foi resultado de anos e mais anos de imprudência fiscal. O país, que passou a integrar a união monetária em 2001, jamais cumpriu os critérios estabelecidos pelo Tratado de Maastricht, jamais reduziu o déficit aos 3% do PIB, jamais adequou sua dívida aos 60% do PIB. Tampouco sofreu qualquer tipo de penalidade por isso. Embora houvesse mecanismos para forçar países a sanar suas contas públicas de modo a convergir para os parâmetros de Maastricht – multas, suspensões de transferências da União Europeia, e outras formas de manter países aprumados –, tais mecanismos foram ignorados, ou mesmo afrouxados quando a Alemanha e a França deixaram de cumprir as metas fiscais em meados dos anos 2000.
A Grécia, portanto, passou anos vivendo acima do que era capaz de arrecadar, endividando-se de modo crescente até que, belo dia, a conta chegou. Os problemas fiscais do país mediterrâneo foram criados por ele próprio. Ao se analisar o caso grego com alguma superficialidade, é fácil aceitar a declaração do ministro do Planejamento. Os problemas brasileiros foram gestados aqui mesmo, com a péssima condução da política econômica que marcou, sobretudo, os anos do governo de Dilma Rousseff — governo do qual Michel Temer participou durante toda a sua existência. Contudo, as semelhanças terminam aí. A Grécia pertence a uma zona monetária, o que significa que não pode se valer da política monetária para auxiliar qualquer esforço de ajuste. Além disso, a dívida grega está inteiramente denominada em euros, moeda que o país não é capaz de emitir, visto que a autoridade monetária reside em Frankfurt e atende a todos os países integrantes da zona do euro.
A dívida brasileira, em contrapartida, é majoritariamente denominada em reais. Além disso, o Brasil tem moeda própria e um banco central com capacidade de fazer política monetária sem depender de qualquer decisão centralizada e dirigida por outras lideranças que não as brasileiras. É verdade que se o ajuste das contas públicas de que o Brasil precisa não for feito, se o governo não tiver capacidade de achar formas para que a dívida pública pare de crescer, para que os déficits parem de aumentar, enfrentaremos dúvidas sobre a solvência do país que remetem à situação grega. Para a Grécia, pacotes sucessivos de ajuda financeira foram negociados pois a implosão do país ameaçava o projeto de unificação europeia. Não foi fácil – continua difícil – mas o temido calote acabou não ocorrendo.
No Brasil, caso dê tudo errado, haverá desconfiança em relação ao futuro do país. Contudo, a desconfiança levará não à temida moratória, mas aos cenários que já vimos em outras épocas. Há muito venho dizendo que, sendo o problema brasileiro de natureza fiscal, tendo o Brasil dívida denominada em reais, podendo o Banco Central emitir moeda, a “solução” para uma situação fiscal fora de controle é a inflação. Quanto mais tempo demorarmos para corrigir os rumos das contas públicas, mais seremos assombrados por essa “solução”, apesar da terrível crise que deveria estar levando a uma queda mais acentuada dos preços do que a que temos testemunhado.
A pergunta, portanto, é menos se o Brasil pode virar uma Grécia, e mais se o Brasil pode virar ele próprio – aquele de 30 anos atrás.