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Impeachment de coalizão

Impeachment de coalizão, ou, como disse Merval Pereira, pedalada constitucional. O que vimos transcorrer no desmembramento da votação de 31 de agosto foi a provável violação do Artigo 52 da Constituição brasileira. Não sou jurista, mas não é preciso sê-lo para entender a linguagem cristalina que lá está, o vínculo inequívoco entre a condenação por […]

MICHEL TEMER: como fará um presidente fraco para enfrentar o Congresso sedento por regalias e proteções contra a Lava-Jato para garantir a aprovação de reformas impopulares? / Igo Estrela / Getty Images
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Da Redação

Publicado em 2 de setembro de 2016 às 11h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.

Impeachment de coalizão, ou, como disse Merval Pereira, pedalada constitucional. O que vimos transcorrer no desmembramento da votação de 31 de agosto foi a provável violação do Artigo 52 da Constituição brasileira. Não sou jurista, mas não é preciso sê-lo para entender a linguagem cristalina que lá está, o vínculo inequívoco entre a condenação por crime de responsabilidade e a punição que deve acompanhar tal veredito. Dilma, porém, escapou ilesa da cassação de seu mandato. Escapou ilesa por um conluio entre Renan Calheiros, Ricardo Lewandowski, a bancada do PT, Lula, a própria Dilma, e, dizem, Michel Temer. Afora o fato gravíssimo de uma violação constitucional dessa envergadura, há implicações igualmente severas para as perspectivas econômicas daqui para a frente.

Governo que nasce torto nunca se endireita, sobretudo se tem apenas pouco mais de 24 meses de mandato pela frente. Havia grande esperança de que Temer, uma vez confirmado no cargo de presidente da República, seria capaz de comandar o Congresso, com destaque para a aprovação das reformas da Previdência e demais medidas. Havia, também, a expectativa de que a remoção de Dilma varreria as incertezas que paralisaram o país desde a reeleição. Soubemos no derradeiro dia do impeachment que o PIB do segundo trimestre caiu 3,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. Também soubemos que o consumo das famílias brasileiras, que responde por mais de 60% da atividade medida pelo lado da demanda, encolheu pelo sexto trimestre consecutivo. Já temos alguma convicção de que o quadro para o consumo é sombrio: a taxa de desemprego alcançou, em julho, 11,6%, somando 11,8 milhões de desempregados. A renda no ano encerrado em julho caiu 3%, descontada a inflação. Ante a expectativa de que os números do mercado de trabalho continuem a revelar o desastre da política econômica dilmista nos próximos meses, não há alento.

Se as perspectivas para o consumo jamais deixaram de ser desalentadoras, havia esperança de que a redução das incertezas ajudasse o investimento. Apostando nisso, os preços dos ativos brasileiros se recuperaram e o governo anunciou a formulação de um plano de privatizações para aproveitar o apetite dos investidores locais e estrangeiros. Tal plano deve ser desvelado em meados de setembro.

Eis que, entretanto, os desdobramentos inesperados do julgamento do impeachment jogaram pá de cal no otimismo cauteloso que parecia ganhar fôlego entre os economistas e analistas. Alguns talvez ainda não tenham se dado conta de suas implicações funestas. Consideremo-as, pois. Caso Temer não tenha de fato sabido das articulações para livrar Dilma da punição prevista pela Constituição, é fato que parte considerável de seu próprio partido passou-lhe a perna. Por outro lado, caso tenha tido conhecimento das artimanhas e as tenha abençoado, Temer revela sua própria fraqueza, a falta de pulso que em evidência esteve na negociação das dívidas estaduais e na aceitação dos reajustes para o funcionalismo público. Tanto em um caso, quanto em outro, o que fica à mostra é a dificuldade que esse governo terá para emplacar as reformas que tanto promete fazer. Como fará um presidente fraco para enfrentar o Congresso sedento por regalias e proteções contra a Lava-Jato para garantir a aprovação de reformas sumariamente impopulares? Como Temer driblará sua base parlamentar inequivocamente fraturada ante manobra nefanda que alguns aliados aparentemente desconheciam – o DEM, o PSDB? Sem reformas, como contar a história da volta da confiança? Terá sido o impeachment de coalizão o primeiro passo para o presidencialismo de descoalizão sob Michel Temer? E o investidor estrangeiro, como reagirá à gambiarra de última hora no processo de impeachment? Dar-se-á conta da insegurança jurídica que tal ato representa?

Partidos acuados temem recorrer ao STF por medo de que o tribunal anule a votação de 31 de agosto de 2016. A única conclusão possível de tudo isso? Agosto é mesmo mês do desgosto. E que desgosto.

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Governo que nasce torto nunca se endireita, sobretudo se tem apenas pouco mais de 24 meses de mandato pela frente. Havia grande esperança de que Temer, uma vez confirmado no cargo de presidente da República, seria capaz de comandar o Congresso, com destaque para a aprovação das reformas da Previdência e demais medidas. Havia, também, a expectativa de que a remoção de Dilma varreria as incertezas que paralisaram o país desde a reeleição. Soubemos no derradeiro dia do impeachment que o PIB do segundo trimestre caiu 3,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. Também soubemos que o consumo das famílias brasileiras, que responde por mais de 60% da atividade medida pelo lado da demanda, encolheu pelo sexto trimestre consecutivo. Já temos alguma convicção de que o quadro para o consumo é sombrio: a taxa de desemprego alcançou, em julho, 11,6%, somando 11,8 milhões de desempregados. A renda no ano encerrado em julho caiu 3%, descontada a inflação. Ante a expectativa de que os números do mercado de trabalho continuem a revelar o desastre da política econômica dilmista nos próximos meses, não há alento.

Se as perspectivas para o consumo jamais deixaram de ser desalentadoras, havia esperança de que a redução das incertezas ajudasse o investimento. Apostando nisso, os preços dos ativos brasileiros se recuperaram e o governo anunciou a formulação de um plano de privatizações para aproveitar o apetite dos investidores locais e estrangeiros. Tal plano deve ser desvelado em meados de setembro.

Eis que, entretanto, os desdobramentos inesperados do julgamento do impeachment jogaram pá de cal no otimismo cauteloso que parecia ganhar fôlego entre os economistas e analistas. Alguns talvez ainda não tenham se dado conta de suas implicações funestas. Consideremo-as, pois. Caso Temer não tenha de fato sabido das articulações para livrar Dilma da punição prevista pela Constituição, é fato que parte considerável de seu próprio partido passou-lhe a perna. Por outro lado, caso tenha tido conhecimento das artimanhas e as tenha abençoado, Temer revela sua própria fraqueza, a falta de pulso que em evidência esteve na negociação das dívidas estaduais e na aceitação dos reajustes para o funcionalismo público. Tanto em um caso, quanto em outro, o que fica à mostra é a dificuldade que esse governo terá para emplacar as reformas que tanto promete fazer. Como fará um presidente fraco para enfrentar o Congresso sedento por regalias e proteções contra a Lava-Jato para garantir a aprovação de reformas sumariamente impopulares? Como Temer driblará sua base parlamentar inequivocamente fraturada ante manobra nefanda que alguns aliados aparentemente desconheciam – o DEM, o PSDB? Sem reformas, como contar a história da volta da confiança? Terá sido o impeachment de coalizão o primeiro passo para o presidencialismo de descoalizão sob Michel Temer? E o investidor estrangeiro, como reagirá à gambiarra de última hora no processo de impeachment? Dar-se-á conta da insegurança jurídica que tal ato representa?

Partidos acuados temem recorrer ao STF por medo de que o tribunal anule a votação de 31 de agosto de 2016. A única conclusão possível de tudo isso? Agosto é mesmo mês do desgosto. E que desgosto.

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