“Globalismo”
Poucas coisas são mais enfadonhas do que a deturpação de termos e seu uso indiscriminado para espalhar a indignação imbecilizante que reina nas redes sociais. Se 2016 foi o ano em que as “narrativas” foram abusadas, também foi o ano em que o “globalismo” virou o algoz da “esquerda” e da “direita”. A lavagem cerebral […]
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2016 às 07h53.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.
Poucas coisas são mais enfadonhas do que a deturpação de termos e seu uso indiscriminado para espalhar a indignação imbecilizante que reina nas redes sociais. Se 2016 foi o ano em que as “narrativas” foram abusadas, também foi o ano em que o “globalismo” virou o algoz da “esquerda” e da “direita”. A lavagem cerebral disseminou-se a tal ponto que o termo virou palavrão até entre aqueles que até pouco tempo defendiam a abertura dos mercados e a livre concorrência como virtudes, o intervencionismo estatal e o isolacionismo como coisa de “esquerdopatas”. Foi guinada e tanto, sobretudo no Brasil desmiolado que importa as imbecilidades dos outros sem parar um segundo para refletir.
O que é, afinal, “globalismo”? Segundo o professor de Harvard e cientista político Joseph Nye, “globalismo” é termo que descreve “as interligações intercontinentais que caracterizam as relações globais. Trata-se de tentativa de compreender todas as interconexões do mundo moderno e de salientar os padrões que as fundamentam e explicam. Em contrapartida, a globalização se refere ao aumento ou ao declínio do grau de globalismo. A globalização enfoca a força, o dinamismo, ou a velocidade dessas mudanças.
Em suma, deve-se considerar o globalismo como a rede fundamental de interrelações globais, enquanto a globalização se refere ao encurtamento das distâncias em larga escala”. Dito de modo mais simples, o globalismo descrito por Nye é a formação de redes e relações mundo afora – comerciais, produtivas, financeiras, políticas – enquanto a globalização é o adensamento dessas redes. Globalismo é substantivo, globalização é processo. Não há globalização sem globalismo – globalismo é condição necessária para a globalização.
Quem conhece o trabalho e a pesquisa de Angus Deaton, renomado economista britânico, vencedor do Nobel de Economia em 2015, sabe de seus argumentos favoráveis à globalização. Em artigo de junho desse ano para o Project Syndicate, Deaton delineou com clareza porque a globalização e o crescimento econômico foram os grandes responsáveis pela redução da pobreza mundial, sobretudo aquela concentrada nos países mais miseráveis do planeta.
Ou seja, não foram as instituições multilaterais apenas, ou as diversas agências internacionais de ajuda financeira e humanitária, que melhoraram o padrão de vida nesses cantos destituídos do mundo. Foi a globalização, aquela que não existiria sem o tal do globalismo. Angus Deaton não é o único a defender a tese fundamentada em dados e estudos empíricos – a vasta literatura sobre a redução da desigualdade no mundo chega a conclusões muito semelhantes.
Contudo, em 2016 vimos as bases científicas dos benefícios da globalização serem transformadas em teorias conspiratórias que acusam “as elites corruptas”, as grandes empresas multinacionais, o multilateralismo nascido do pós-guerra, de serem responsáveis pela tal “extinção de fronteiras”, pela “perda do controle soberano”, argumentos propalados pelos defensores do Brexit, por Donald Trump, pelos movimentos nacionalistas que espalham-se mundo afora.
O curioso de tudo isso é que o discurso “anti-globalista” moderno lembra muito o discurso “anti-imperialista”, “anti-americano”, “anti-liberal” da esquerda dos anos 50, 60, 70, 80, 90, 2000 na América Latina. Ou seja, os brasileiros que vociferam contra o “globalismo” e, simultaneamente, contra “a esquerda”, o “PT”, estão refazendo, precisamente, o arco de pensamento daqueles que dizem abominar. O primitivismo do argumento “anti-globalista”, sobretudo no Brasil isolado do resto do mundo há décadas, é cômico, trágico, patético.
Nicolas Maduro acredita no “anti-globalismo”, aquele que impede a entrada de ajuda humanitária de que tanto necessita a população Venezuelana. Mas, não há sentimento “anti-globalista” na Índia, o país emergente que mais cresce hoje. Não há sentimento “anti-globalista” na China que tanto amedronta Donald Trump. Não há sentimento “anti-globalista” no México, no Chile, no Peru, na Colômbia. Não há sentimento “anti-globalista” no Uruguai – na Argentina ele parece estar com os dias contados. O mundo emergente sabe que a globalização trouxe ganhos importantes para os países que dele fazem parte. Ao contrário dos “Trump wannabes” brazucas, bem sabem eles que esse papo “anti-globalista” é bolha de sabão, engana-trouxa.
O mundo desenvolvido, hoje, está cheio de trouxas. Será mesmo que vamos querer imitá-los?
Poucas coisas são mais enfadonhas do que a deturpação de termos e seu uso indiscriminado para espalhar a indignação imbecilizante que reina nas redes sociais. Se 2016 foi o ano em que as “narrativas” foram abusadas, também foi o ano em que o “globalismo” virou o algoz da “esquerda” e da “direita”. A lavagem cerebral disseminou-se a tal ponto que o termo virou palavrão até entre aqueles que até pouco tempo defendiam a abertura dos mercados e a livre concorrência como virtudes, o intervencionismo estatal e o isolacionismo como coisa de “esquerdopatas”. Foi guinada e tanto, sobretudo no Brasil desmiolado que importa as imbecilidades dos outros sem parar um segundo para refletir.
O que é, afinal, “globalismo”? Segundo o professor de Harvard e cientista político Joseph Nye, “globalismo” é termo que descreve “as interligações intercontinentais que caracterizam as relações globais. Trata-se de tentativa de compreender todas as interconexões do mundo moderno e de salientar os padrões que as fundamentam e explicam. Em contrapartida, a globalização se refere ao aumento ou ao declínio do grau de globalismo. A globalização enfoca a força, o dinamismo, ou a velocidade dessas mudanças.
Em suma, deve-se considerar o globalismo como a rede fundamental de interrelações globais, enquanto a globalização se refere ao encurtamento das distâncias em larga escala”. Dito de modo mais simples, o globalismo descrito por Nye é a formação de redes e relações mundo afora – comerciais, produtivas, financeiras, políticas – enquanto a globalização é o adensamento dessas redes. Globalismo é substantivo, globalização é processo. Não há globalização sem globalismo – globalismo é condição necessária para a globalização.
Quem conhece o trabalho e a pesquisa de Angus Deaton, renomado economista britânico, vencedor do Nobel de Economia em 2015, sabe de seus argumentos favoráveis à globalização. Em artigo de junho desse ano para o Project Syndicate, Deaton delineou com clareza porque a globalização e o crescimento econômico foram os grandes responsáveis pela redução da pobreza mundial, sobretudo aquela concentrada nos países mais miseráveis do planeta.
Ou seja, não foram as instituições multilaterais apenas, ou as diversas agências internacionais de ajuda financeira e humanitária, que melhoraram o padrão de vida nesses cantos destituídos do mundo. Foi a globalização, aquela que não existiria sem o tal do globalismo. Angus Deaton não é o único a defender a tese fundamentada em dados e estudos empíricos – a vasta literatura sobre a redução da desigualdade no mundo chega a conclusões muito semelhantes.
Contudo, em 2016 vimos as bases científicas dos benefícios da globalização serem transformadas em teorias conspiratórias que acusam “as elites corruptas”, as grandes empresas multinacionais, o multilateralismo nascido do pós-guerra, de serem responsáveis pela tal “extinção de fronteiras”, pela “perda do controle soberano”, argumentos propalados pelos defensores do Brexit, por Donald Trump, pelos movimentos nacionalistas que espalham-se mundo afora.
O curioso de tudo isso é que o discurso “anti-globalista” moderno lembra muito o discurso “anti-imperialista”, “anti-americano”, “anti-liberal” da esquerda dos anos 50, 60, 70, 80, 90, 2000 na América Latina. Ou seja, os brasileiros que vociferam contra o “globalismo” e, simultaneamente, contra “a esquerda”, o “PT”, estão refazendo, precisamente, o arco de pensamento daqueles que dizem abominar. O primitivismo do argumento “anti-globalista”, sobretudo no Brasil isolado do resto do mundo há décadas, é cômico, trágico, patético.
Nicolas Maduro acredita no “anti-globalismo”, aquele que impede a entrada de ajuda humanitária de que tanto necessita a população Venezuelana. Mas, não há sentimento “anti-globalista” na Índia, o país emergente que mais cresce hoje. Não há sentimento “anti-globalista” na China que tanto amedronta Donald Trump. Não há sentimento “anti-globalista” no México, no Chile, no Peru, na Colômbia. Não há sentimento “anti-globalista” no Uruguai – na Argentina ele parece estar com os dias contados. O mundo emergente sabe que a globalização trouxe ganhos importantes para os países que dele fazem parte. Ao contrário dos “Trump wannabes” brazucas, bem sabem eles que esse papo “anti-globalista” é bolha de sabão, engana-trouxa.
O mundo desenvolvido, hoje, está cheio de trouxas. Será mesmo que vamos querer imitá-los?