É hora de considerar reduzir os juros
Como funciona, realmente, a economia? A pergunta não é trivial, embora pareça. Para os que estão acostumados com os modelos aprendidos nos bancos da faculdade, relações de causa e efeito são diretas: se os juros subirem, a inflação deveria cair, tudo mais constante. Se os juros caírem, a inflação deveria subir, tudo mais constante. Os […]
Da Redação
Publicado em 16 de setembro de 2016 às 15h25.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h43.
Como funciona, realmente, a economia? A pergunta não é trivial, embora pareça. Para os que estão acostumados com os modelos aprendidos nos bancos da faculdade, relações de causa e efeito são diretas: se os juros subirem, a inflação deveria cair, tudo mais constante. Se os juros caírem, a inflação deveria subir, tudo mais constante. Os mais sofisticados entrarão nos detalhes desse mecanismo de transmissão: falarão dos efeitos sobre as expectativas e a credibilidade da autoridade monetária, discutirão os efeitos sobre a taxa de câmbio nominal, sobre o crédito, sobre os fluxos de liquidez na presença de assimetrias de informação, abordarão os efeitos das mudanças não-antecipadas da política monetária, detalharão o impacto sobre o balanço das famílias e das empresas, os valores dos ativos e passivos, proveniente de uma alteração nas taxas de juros. Tudo muito bem arrumado, tudo muito bem pensado, tudo um tanto complicado para quem não tem muita familiaridade com a literatura acadêmica. Haverão todos de esquecer-se, entretanto, que tudo isso funciona muito bem em condições normais de temperatura e pressão e em economias onde não existem distorções significativas.
O Brasil não está em condições normais de temperatura e pressão. No Brasil, há distorções significativas que impedem o bom funcionamento da política monetária – hoje em dia, principalmente. A principal distorção é o estoque exorbitante de crédito direcionado que circula na economia brasileira. O crédito direcionado – grande parte originada dos bancos públicos – constitui hoje a metade do crédito total da economia, de acordo com os dados do Banco Central.
Há cinco anos, mais precisamente em julho de 2011, véspera da queda dos juros promovida pela autoridade monetária em ambiente inflacionário que tanta exasperação causou, o crédito direcionado equivalia a 38% do crédito total. Em 2013, havia saltado para cerca de 45% do crédito total ante as políticas anticíclicas – isto é, de empurrar o crescimento a qualquer preço – promovidas pelo governo da ex-presidente Dilma, lançando mão dos bancos públicos. O custo médio do crédito direcionado entre 2011 e 2015 foi de 8,5%, comparado aos 37% de juros para o crédito livre. Hoje, para tomar crédito direcionado, pagam-se taxas de 11,5%. Caso não se tenha acesso às janelas do crédito camarada, paga-se em média 52,7% de juros.
O estoque maciço de crédito direcionado distorce o sistema financeiro brasileiro de diversas maneiras, forçando o tomador de crédito dito livre a pagar taxas salgadíssimas. A distorção mais evidente é a que os economistas chamam de seleção adversa: se há crédito barato em abundância sendo provido por bancos públicos para grandes empresas de melhor perfil de risco, sobrará para o restante do mercado empresas e famílias de perfil de risco mais elevado – os prêmios de risco e de termo cobrados serão, portanto, naturalmente maiores.
Por essas razões, o regime de metas de inflação brasileiro está há tempos capenga. Já não funciona do mesmo modo que funcionava quando da época de sua criação, época em que a economia brasileira ainda sofria muitos abalos externos, porém era capaz de reverter os efeitos inflacionários por meio dos canais descritos nos modelos e nos livros-texto de economia. A expansão do crédito público e do crédito direcionado desde 2011 tornou o nosso regime monetário cada vez mais inoperante – o experimento de reduzir os juros em 2011 falhou não apenas porque desestabilizou as expectativas, golpeando a credibilidade do Banco Central, mas também porque havia cabo de guerra entre o Banco Central e o BNDES. Enquanto um tentava diminuir os juros, o outro criava pressões inflacionárias ao conceder crédito em profusão a taxas subsidiadas.
Os desarranjos somados levaram a essa situação em que hoje há recessão, excesso de dívidas nos balanços das empresas, das famílias, do governo, e canais monetários entupidos por crédito subsidiado e crédito direcionado. Embora reduzir os juros quando a inflação não está perto da meta e quando o ajuste fiscal está longe de garantido não seja questão trivial, creio que chegou a hora de considerá-la. A inflação está em queda, ainda que lenta, e em queda continuará devido à redução dos salários que hoje se observa. Por outro lado, os setores sobreendividados da economia brasileira forçados a pagar custo altíssimo pelas dívidas que carregam – custo proveniente de distorções que se agravaram ao longo dos anos – não têm capacidade de reação. Para esses, a fada da confiança, aquela que supostamente aparece quando as reformas são implantadas, não virá. Tirar o País de crise aguda sem qualquer dose de ousadia arrisca deixar as famílias e as empresas brasileiras que não se beneficiaram dos programas de crédito camarada a ver navios.
Urge maior senso de realidade na formulação da política econômica brasileira, ainda que seja necessário tomar riscos que não seriam recomendáveis em situações de normalidade.
Como funciona, realmente, a economia? A pergunta não é trivial, embora pareça. Para os que estão acostumados com os modelos aprendidos nos bancos da faculdade, relações de causa e efeito são diretas: se os juros subirem, a inflação deveria cair, tudo mais constante. Se os juros caírem, a inflação deveria subir, tudo mais constante. Os mais sofisticados entrarão nos detalhes desse mecanismo de transmissão: falarão dos efeitos sobre as expectativas e a credibilidade da autoridade monetária, discutirão os efeitos sobre a taxa de câmbio nominal, sobre o crédito, sobre os fluxos de liquidez na presença de assimetrias de informação, abordarão os efeitos das mudanças não-antecipadas da política monetária, detalharão o impacto sobre o balanço das famílias e das empresas, os valores dos ativos e passivos, proveniente de uma alteração nas taxas de juros. Tudo muito bem arrumado, tudo muito bem pensado, tudo um tanto complicado para quem não tem muita familiaridade com a literatura acadêmica. Haverão todos de esquecer-se, entretanto, que tudo isso funciona muito bem em condições normais de temperatura e pressão e em economias onde não existem distorções significativas.
O Brasil não está em condições normais de temperatura e pressão. No Brasil, há distorções significativas que impedem o bom funcionamento da política monetária – hoje em dia, principalmente. A principal distorção é o estoque exorbitante de crédito direcionado que circula na economia brasileira. O crédito direcionado – grande parte originada dos bancos públicos – constitui hoje a metade do crédito total da economia, de acordo com os dados do Banco Central.
Há cinco anos, mais precisamente em julho de 2011, véspera da queda dos juros promovida pela autoridade monetária em ambiente inflacionário que tanta exasperação causou, o crédito direcionado equivalia a 38% do crédito total. Em 2013, havia saltado para cerca de 45% do crédito total ante as políticas anticíclicas – isto é, de empurrar o crescimento a qualquer preço – promovidas pelo governo da ex-presidente Dilma, lançando mão dos bancos públicos. O custo médio do crédito direcionado entre 2011 e 2015 foi de 8,5%, comparado aos 37% de juros para o crédito livre. Hoje, para tomar crédito direcionado, pagam-se taxas de 11,5%. Caso não se tenha acesso às janelas do crédito camarada, paga-se em média 52,7% de juros.
O estoque maciço de crédito direcionado distorce o sistema financeiro brasileiro de diversas maneiras, forçando o tomador de crédito dito livre a pagar taxas salgadíssimas. A distorção mais evidente é a que os economistas chamam de seleção adversa: se há crédito barato em abundância sendo provido por bancos públicos para grandes empresas de melhor perfil de risco, sobrará para o restante do mercado empresas e famílias de perfil de risco mais elevado – os prêmios de risco e de termo cobrados serão, portanto, naturalmente maiores.
Por essas razões, o regime de metas de inflação brasileiro está há tempos capenga. Já não funciona do mesmo modo que funcionava quando da época de sua criação, época em que a economia brasileira ainda sofria muitos abalos externos, porém era capaz de reverter os efeitos inflacionários por meio dos canais descritos nos modelos e nos livros-texto de economia. A expansão do crédito público e do crédito direcionado desde 2011 tornou o nosso regime monetário cada vez mais inoperante – o experimento de reduzir os juros em 2011 falhou não apenas porque desestabilizou as expectativas, golpeando a credibilidade do Banco Central, mas também porque havia cabo de guerra entre o Banco Central e o BNDES. Enquanto um tentava diminuir os juros, o outro criava pressões inflacionárias ao conceder crédito em profusão a taxas subsidiadas.
Os desarranjos somados levaram a essa situação em que hoje há recessão, excesso de dívidas nos balanços das empresas, das famílias, do governo, e canais monetários entupidos por crédito subsidiado e crédito direcionado. Embora reduzir os juros quando a inflação não está perto da meta e quando o ajuste fiscal está longe de garantido não seja questão trivial, creio que chegou a hora de considerá-la. A inflação está em queda, ainda que lenta, e em queda continuará devido à redução dos salários que hoje se observa. Por outro lado, os setores sobreendividados da economia brasileira forçados a pagar custo altíssimo pelas dívidas que carregam – custo proveniente de distorções que se agravaram ao longo dos anos – não têm capacidade de reação. Para esses, a fada da confiança, aquela que supostamente aparece quando as reformas são implantadas, não virá. Tirar o País de crise aguda sem qualquer dose de ousadia arrisca deixar as famílias e as empresas brasileiras que não se beneficiaram dos programas de crédito camarada a ver navios.
Urge maior senso de realidade na formulação da política econômica brasileira, ainda que seja necessário tomar riscos que não seriam recomendáveis em situações de normalidade.