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Do sono uma ponte?

“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”. […]

UM ANO DO GOVERNO TEMER: a recuperação econômica prevista para o fim de 2016 foi adiada, e os déficits públicos continuaram a aumentar / Ueslei Marcelino/ Reuters
DR

Da Redação

Publicado em 12 de maio de 2017 às 13h04.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.

“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”. Assim escreveu Fernando Sabino em O Encontro Marcado.

Da suspensão do governo de Dilma Rousseff em 12 de maio de 2016 à ascensão definitiva de Michel Temer em agosto de 2016 à marca do primeiro ano de seu governo, de tudo isso, ficaram três certezas: o começo não acabou, a continuação não é certa, a interrupção é inevitável. Primeiramente, o começo. O começo tem sido conturbado, ainda que o governo Temer tenha conseguido estancar a hemorragia que marcou o fim do governo Dilma, história contada em meu livro Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma. Lá atrás, bem no começo do começo, o governo Temer atiçou a imaginação dos mercados com a esperança de que a economia brasileira fosse capaz de dar sinais de recuperação até o fim de 2016, de que as contas públicas fossem se ajeitando ao longo de 2016 e de 2017, de que o desemprego parasse de subir até o início de 2017, de que a inflação retrocedesse. De todos esses anseios, o único que de fato vingou foi a esperança inflacionária – afinal, a recessão não cedeu como o esperado, fazendo com que a força da gravidade se impusesse de modo contundente. A recuperação antevista para o fim de 2016 foi adiada, os déficits públicos continuaram a aumentar, chegando ao pior resultado registrado nos primeiros meses de 2017, metas fiscais foram revisadas pois fundamentadas estavam em previsões de crescimento equivocadas. O desemprego, o medo transformado não em escada, mas em montanha praticamente impossível de se escalar.

O começo inacabado do governo Temer pecou pela falta de ambição e audácia no curto prazo, e pelo excesso de ambição e audácia de médio prazo. Gastou-se tempo, capital político, e recursos públicos para garantir o apoio parlamentar às reformas que fariam da pinguela a suposta ponte para o futuro, sem que a atenção devida fosse dedicada aos problemas mais imediatos. As perversas desonerações instituídas por Dilma em 2012 e 2013 não foram revertidas de imediato – até hoje, apenas parcela pequena dessas medidas foi desfeita sob o pretexto de alcançar a meta fiscal de 2017 – impedindo a concretização do ajuste de curto prazo, ajuste comprometido pelas várias tentativas de aplacar grupos de interesse com aumentos de gastos ante a conturbação política e a necessidade de sustentar a prometida ponte. Tivesse o governo optado por uma política fiscal mais dura no curto prazo, com a reversão completa das desonerações desastrosas, teria sido possível lançar mão de um corte de juros mais agressivo para dar suporte à economia de imediato. Afinal, a queda inflacionária era inexorável diante do tamanho da recessão, e o cheque em branco de credibilidade entregue à equipe econômica pelo mercado mais do que justificava a suposta ousadia. Quando lancei esses argumentos em artigos escritos ao longo dos primeiros meses do governo Temer, houve quem achasse que tais opiniões expressavam inequívoco viés inflacionário. Coube ao tempo – e à recessão – corrigir tamanho equívoco.

O começo inacabado desenhou reformas para encarar o imenso desafio da sustentabilidade fiscal brasileira, reformas de mérito incontestável, mas cujo foco exclusivo nas contas públicas ignora preocupações relevantes da sociedade. Terão os próximos governos capacidade de proteger os gastos com saúde e educação ante a pressão voraz dos grupos de interesse no Congresso? A reforma da Previdência, diluída por demandas diversas, terá sustentação caso aprovada seja? Tais perguntas, além de inúmeras outras, não foram adequadamente respondidas pelo governo, cujo forte não é a comunicação direta com as pessoas. Comunicação truncada, falta de popularidade das reformas e do próprio Temer, Lava-Jato a todo vapor, desgastando ainda mais a imagem de um governo cujo cordão umbilical com o anterior está à mostra, basta querer olhar – nada disso condiz com a continuidade das reformas, com a visão de que seguirão intactas e ininterruptas após as eleições de 2018. Aliás, incrível é o sono com que analistas brasileiros diversos tratam a política tendo o mundo revelado nesse último ano que é ela a força que prevalece sobre qualquer pretensão econômica. Os riscos de que as reformas de Temer sejam amplamente rechaçadas nas urnas em outubro de 2018 são ignorados com a malemolência cívica que nos é tão característica.

Sem dúvida, da queda fez-se um passo de dança no BNDES, que deixa pouco a pouco de ser o indutor das distorções no mercado de crédito. Da procura, possível foi encontrar um caminho racional para o setor de óleo e gás, bem como para as intenções em relação ao comércio exterior. Contudo, de tudo isso sobra uma quarta e derradeira certeza: O Brasil tem encontro marcado consigo não em 12 de maio de 2017, mas em outubro de 2018. Oxalá seja possível vislumbrar, então, a tal da ponte.

MONICA-DE-BOLLE

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“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”. Assim escreveu Fernando Sabino em O Encontro Marcado.

Da suspensão do governo de Dilma Rousseff em 12 de maio de 2016 à ascensão definitiva de Michel Temer em agosto de 2016 à marca do primeiro ano de seu governo, de tudo isso, ficaram três certezas: o começo não acabou, a continuação não é certa, a interrupção é inevitável. Primeiramente, o começo. O começo tem sido conturbado, ainda que o governo Temer tenha conseguido estancar a hemorragia que marcou o fim do governo Dilma, história contada em meu livro Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma. Lá atrás, bem no começo do começo, o governo Temer atiçou a imaginação dos mercados com a esperança de que a economia brasileira fosse capaz de dar sinais de recuperação até o fim de 2016, de que as contas públicas fossem se ajeitando ao longo de 2016 e de 2017, de que o desemprego parasse de subir até o início de 2017, de que a inflação retrocedesse. De todos esses anseios, o único que de fato vingou foi a esperança inflacionária – afinal, a recessão não cedeu como o esperado, fazendo com que a força da gravidade se impusesse de modo contundente. A recuperação antevista para o fim de 2016 foi adiada, os déficits públicos continuaram a aumentar, chegando ao pior resultado registrado nos primeiros meses de 2017, metas fiscais foram revisadas pois fundamentadas estavam em previsões de crescimento equivocadas. O desemprego, o medo transformado não em escada, mas em montanha praticamente impossível de se escalar.

O começo inacabado do governo Temer pecou pela falta de ambição e audácia no curto prazo, e pelo excesso de ambição e audácia de médio prazo. Gastou-se tempo, capital político, e recursos públicos para garantir o apoio parlamentar às reformas que fariam da pinguela a suposta ponte para o futuro, sem que a atenção devida fosse dedicada aos problemas mais imediatos. As perversas desonerações instituídas por Dilma em 2012 e 2013 não foram revertidas de imediato – até hoje, apenas parcela pequena dessas medidas foi desfeita sob o pretexto de alcançar a meta fiscal de 2017 – impedindo a concretização do ajuste de curto prazo, ajuste comprometido pelas várias tentativas de aplacar grupos de interesse com aumentos de gastos ante a conturbação política e a necessidade de sustentar a prometida ponte. Tivesse o governo optado por uma política fiscal mais dura no curto prazo, com a reversão completa das desonerações desastrosas, teria sido possível lançar mão de um corte de juros mais agressivo para dar suporte à economia de imediato. Afinal, a queda inflacionária era inexorável diante do tamanho da recessão, e o cheque em branco de credibilidade entregue à equipe econômica pelo mercado mais do que justificava a suposta ousadia. Quando lancei esses argumentos em artigos escritos ao longo dos primeiros meses do governo Temer, houve quem achasse que tais opiniões expressavam inequívoco viés inflacionário. Coube ao tempo – e à recessão – corrigir tamanho equívoco.

O começo inacabado desenhou reformas para encarar o imenso desafio da sustentabilidade fiscal brasileira, reformas de mérito incontestável, mas cujo foco exclusivo nas contas públicas ignora preocupações relevantes da sociedade. Terão os próximos governos capacidade de proteger os gastos com saúde e educação ante a pressão voraz dos grupos de interesse no Congresso? A reforma da Previdência, diluída por demandas diversas, terá sustentação caso aprovada seja? Tais perguntas, além de inúmeras outras, não foram adequadamente respondidas pelo governo, cujo forte não é a comunicação direta com as pessoas. Comunicação truncada, falta de popularidade das reformas e do próprio Temer, Lava-Jato a todo vapor, desgastando ainda mais a imagem de um governo cujo cordão umbilical com o anterior está à mostra, basta querer olhar – nada disso condiz com a continuidade das reformas, com a visão de que seguirão intactas e ininterruptas após as eleições de 2018. Aliás, incrível é o sono com que analistas brasileiros diversos tratam a política tendo o mundo revelado nesse último ano que é ela a força que prevalece sobre qualquer pretensão econômica. Os riscos de que as reformas de Temer sejam amplamente rechaçadas nas urnas em outubro de 2018 são ignorados com a malemolência cívica que nos é tão característica.

Sem dúvida, da queda fez-se um passo de dança no BNDES, que deixa pouco a pouco de ser o indutor das distorções no mercado de crédito. Da procura, possível foi encontrar um caminho racional para o setor de óleo e gás, bem como para as intenções em relação ao comércio exterior. Contudo, de tudo isso sobra uma quarta e derradeira certeza: O Brasil tem encontro marcado consigo não em 12 de maio de 2017, mas em outubro de 2018. Oxalá seja possível vislumbrar, então, a tal da ponte.

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