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Dilma e Trump: a arte do papo furado

Falta menos de um mês para o principal acontecimento de 2017, a posse de Donald Trump como o 45º presidente americano. Desde o resultado supreendente – será mesmo que foi surpreendente? – de 8 de novembro, temos presenciado o espetaculoso processo de transição, marcado por tweets em profusão, gafes diplomáticas, indicações duvidosas para equipe majoritariamente […]

DILMA: ela teria sido ativo extraordinário na equipe de Trump, se ao menos fosse americana e soubesse falar Dilmês em inglês / Adriano Machado/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 08h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h44.

Falta menos de um mês para o principal acontecimento de 2017, a posse de Donald Trump como o 45º presidente americano. Desde o resultado supreendente – será mesmo que foi surpreendente? – de 8 de novembro, temos presenciado o espetaculoso processo de transição, marcado por tweets em profusão, gafes diplomáticas, indicações duvidosas para equipe majoritariamente formada por generais aposentados e bilionários de Wall Street, da indústria de produção de aço, do setor de óleo e gás.

Vimos também que a versão americana da João Santana de saias, a pitoresca Kellyanne Conway, aquela que não pestaneja quando diz uma mentira ou distorce um fato, será uma das principais conselheiras de Trump na Casa Branca. Até aqui, o presidente eleito derrubou ações da Boeing pelo twitter, proclamou vitória nas negociações com a fabricante de aparelhos de ar condicionado Carrier para que não levasse empregos para o México, foi desmentido por um líder sindicalista e funcionário da mesma Carrier, e, furioso, tratou o sindicalista da mesma forma que bombardeou a ex-Miss Alicia Machado – lembram-se dela?

Estripulias, estripulias. Entre tantas estripulias, eis que Trump anunciou mais uma, espécie de presente de grego natalino para a indústria manufatureira americana, a indústria tradicional. Criou o novo “National Trade Council” (NTC), um quê de Conselhão norte-americano, e lá colocou o estridente economista anti-China Peter Navarro para chefiá-lo. Diante da escalada das tensões entre EUA e China vista nas últimas semanas, coisa boa daí não sai.

Após o anúncio sobre o NTC, resolvi reler o White Paper redigido por Navarro em setembro, documento que relaciona os principais pontos do plano econômico de Trump. São quatro os seus pilares: reformular a política comercial americana, reconhecendo abertamente que a China é a principal responsável pelo déficit externo do País e pela sangria de empregos do setor industrial tradicional; remover todas as regulações que hoje “prejudicam” a indústria tradicional; reformular as políticas energéticas, favorecendo o setor de óleo e gás e o carvoeiro; reduzir drasticamente os impostos corporativos. O documento se vale de argumentos extraídos de relatórios e comentários de especialistas para sustentar suas teses, alguns absolutamente fora de contexto. Mas, o que importa? Afinal, a tal da pós-verdade nós a conhecemos bem. Foi João Santana quem a inaugurou no Brasil, aperfeiçoando-a como verdadeira arte na campanha que reelegeu Dilma em 2014.

Diz trecho do documento: “a indústria é o setor da economia mais poderoso, o que tem a maior capacidade de propelir o crescimento e aumentar a renda. Esses ganhos de renda, por sua vez, beneficiam mais do que proporcionalmente o trabalhador americano.” Disse Dilma: “O governo dedica atenção especial à competitividade da indústria brasileira (…) estamos anunciando novas medidas para estimular o investimento, fortalecer a produção e a geração de empregos no Brasil. Como temos um grande mercado consumidor, os outros países querem exportar para o Brasil, muitas vezes competindo de forma desleal com os produtos brasileiros”. Dilma teria sido ativo extraordinário na equipe de Trump, se ao menos fosse americana e soubesse falar Dilmês em inglês.

Juntando todas as peças, não surpreende que elas não se encaixem, da mesma maneira que os planos mirabolantes de Dilma também não se encaixavam. Os americanos querem reduzir seu déficit externo, mas ao mesmo tempo querem promover imensa expansão fiscal. Antevendo os efeitos da expansão na economia, os mercados vêm precificando uma valorização do dólar, o que por certo torna as exportações menos competitivas e contribui para um aumento, não uma redução, do déficit externo.

Medidas protecionistas, como sabemos da experiência brasileira, tampouco são eficazes no combate aos déficits: elas tendem a pressionar a inflação, já que dificultam a compra de produtos mais baratos do exterior, o que gera apreciação do câmbio real e dimimui a competitividade das exportações, sobretudo a de produtos manufaturados que, em tese, já sofrem com a relativa falta de competitividade. Diminuir regulações para salvar a indústria tampouco parece ser o Santo Graal que restaurará o trabalhador de chão de fábrica à glória de outrora.

Em resumo, muito papo furado para pouquíssima substância. Soa bem familiar.

MONICA-DE-BOLLE

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Falta menos de um mês para o principal acontecimento de 2017, a posse de Donald Trump como o 45º presidente americano. Desde o resultado supreendente – será mesmo que foi surpreendente? – de 8 de novembro, temos presenciado o espetaculoso processo de transição, marcado por tweets em profusão, gafes diplomáticas, indicações duvidosas para equipe majoritariamente formada por generais aposentados e bilionários de Wall Street, da indústria de produção de aço, do setor de óleo e gás.

Vimos também que a versão americana da João Santana de saias, a pitoresca Kellyanne Conway, aquela que não pestaneja quando diz uma mentira ou distorce um fato, será uma das principais conselheiras de Trump na Casa Branca. Até aqui, o presidente eleito derrubou ações da Boeing pelo twitter, proclamou vitória nas negociações com a fabricante de aparelhos de ar condicionado Carrier para que não levasse empregos para o México, foi desmentido por um líder sindicalista e funcionário da mesma Carrier, e, furioso, tratou o sindicalista da mesma forma que bombardeou a ex-Miss Alicia Machado – lembram-se dela?

Estripulias, estripulias. Entre tantas estripulias, eis que Trump anunciou mais uma, espécie de presente de grego natalino para a indústria manufatureira americana, a indústria tradicional. Criou o novo “National Trade Council” (NTC), um quê de Conselhão norte-americano, e lá colocou o estridente economista anti-China Peter Navarro para chefiá-lo. Diante da escalada das tensões entre EUA e China vista nas últimas semanas, coisa boa daí não sai.

Após o anúncio sobre o NTC, resolvi reler o White Paper redigido por Navarro em setembro, documento que relaciona os principais pontos do plano econômico de Trump. São quatro os seus pilares: reformular a política comercial americana, reconhecendo abertamente que a China é a principal responsável pelo déficit externo do País e pela sangria de empregos do setor industrial tradicional; remover todas as regulações que hoje “prejudicam” a indústria tradicional; reformular as políticas energéticas, favorecendo o setor de óleo e gás e o carvoeiro; reduzir drasticamente os impostos corporativos. O documento se vale de argumentos extraídos de relatórios e comentários de especialistas para sustentar suas teses, alguns absolutamente fora de contexto. Mas, o que importa? Afinal, a tal da pós-verdade nós a conhecemos bem. Foi João Santana quem a inaugurou no Brasil, aperfeiçoando-a como verdadeira arte na campanha que reelegeu Dilma em 2014.

Diz trecho do documento: “a indústria é o setor da economia mais poderoso, o que tem a maior capacidade de propelir o crescimento e aumentar a renda. Esses ganhos de renda, por sua vez, beneficiam mais do que proporcionalmente o trabalhador americano.” Disse Dilma: “O governo dedica atenção especial à competitividade da indústria brasileira (…) estamos anunciando novas medidas para estimular o investimento, fortalecer a produção e a geração de empregos no Brasil. Como temos um grande mercado consumidor, os outros países querem exportar para o Brasil, muitas vezes competindo de forma desleal com os produtos brasileiros”. Dilma teria sido ativo extraordinário na equipe de Trump, se ao menos fosse americana e soubesse falar Dilmês em inglês.

Juntando todas as peças, não surpreende que elas não se encaixem, da mesma maneira que os planos mirabolantes de Dilma também não se encaixavam. Os americanos querem reduzir seu déficit externo, mas ao mesmo tempo querem promover imensa expansão fiscal. Antevendo os efeitos da expansão na economia, os mercados vêm precificando uma valorização do dólar, o que por certo torna as exportações menos competitivas e contribui para um aumento, não uma redução, do déficit externo.

Medidas protecionistas, como sabemos da experiência brasileira, tampouco são eficazes no combate aos déficits: elas tendem a pressionar a inflação, já que dificultam a compra de produtos mais baratos do exterior, o que gera apreciação do câmbio real e dimimui a competitividade das exportações, sobretudo a de produtos manufaturados que, em tese, já sofrem com a relativa falta de competitividade. Diminuir regulações para salvar a indústria tampouco parece ser o Santo Graal que restaurará o trabalhador de chão de fábrica à glória de outrora.

Em resumo, muito papo furado para pouquíssima substância. Soa bem familiar.

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