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Bos Venit ad Puteum

É impossível acompanhar o Brasil e não lembrar de Millôr Fernandes. Ao assistir as recentes deliberações do STF sobre o destino de Renan Calheiros, imeadiatamente pensei em “The Cow went to the Swamp”. E, é claro, traduzi a expressão para o Latim. Deve ter sido o Fumus boni juris, ou a tal da fumaça do […]

TEMER: Marcelo Odebrecht confirma que Temer lhe pediu dinheiro / Ueslei Marcelino/ Reuters
DR

Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 10h08.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.

É impossível acompanhar o Brasil e não lembrar de Millôr Fernandes. Ao assistir as recentes deliberações do STF sobre o destino de Renan Calheiros, imeadiatamente pensei em “The Cow went to the Swamp”. E, é claro, traduzi a expressão para o Latim. Deve ter sido o Fumus boni juris, ou a tal da fumaça do bom direito.

O fato é que, no Brasil, não est modus in rebus, ou, não há limite para as coisas. Estamos em verdadeiro “modo rebu”, em que tudo o que pode piorar, piora. As percepções otimistas dos mercados em relação ao governo Temer reverteram-se de súbito. As virtudes das reformas fiscais, concentradas no médio prazo para não abalar ainda mais o curto, hoje são vistas com crescente desconfiança. O Banco Central, como já alertara em diversos artigos publicados nesse espaço, está sob pressão por excesso de zelo.

A reforma da Previdência recém-anunciada pelo governo foi sumariamente ignorada em meio ao rebuliço entre o Senado e o STF que culminou na decisão de manter na Presidência da casa o réu Renan, indiciado por desvio de dinheiro público, mas que ainda assim, dizem, é o único que pode entregar a controvertida PEC do Teto – a PEC da prudência com os recursos públicos.

O Teto, ao que tudo indica, passará no tempo previsto – isto é, na semana que vem. Para tanto, formou-se acordo para lá de esquisito entre o STF o poder Executivo, e o Senado, abalando a credibilidade do Supremo Tribunal, ainda que juristas degladiem-se ante a constitucionalidade da decisão. Certa ou errada, o fato é que a sensação de que Renan foi poupado para aprovar reforma polêmica a toque de caixa não ajuda a popularidade de Temer. Nem um pouco.

Passando a PEC do Teto, as atenções estarão voltadas – em algum momento – para a reforma da Previdência. A reforma que, por ora, poupou os militares – responsáveis por parte relevante do déficit previdenciário – e outras categorias com salários e pensões para lá de generosos. Terá o governo de explicar para a população porque terão de contribuir mais tempo, trabalhar mais tempo, para receber benefício menor, enquanto outros são deixados de fora da reforma para a qual, dizem, todos contribuirão. Terá o governo também de dizer, de modo simples, sem gráficos de barras ou séries temporais, porque a reforma tornou-se tão urgente.

Será de grande valia se puder apontar como a reforma haverá de beneficiar o trabalhador mais à frente, já que da forma como foi anunciada parece que só há sacrifícios sem qualquer recompensa. Nenhuma reforma, por melhor e mais necessária que seja, consegue aceitação sem que o povo entenda o quid pro quo. Se o governo for capaz de cruzar esse Rubicão de comunicação e convencimento, alea jacta est. Caso contrário, veremos a vaca, o brejo.

É difícil exagerar o tamanho da encruzilhada atual. O governo parece não ter nada a oferecer no curto prazo para aliviar a dor – fato que já havia destacado como sumário freio à ambição que se apresentava quando da ascensão de Temer. O Banco Central, meio perdido, sinaliza queda mais acentuada dos juros, mas parece não compreender a dimensão da destruição de balanços ocorrida na economia brasileira.

Comparadas às empresas do Chile, México, Peru, e Colômbia, as brasileiras mais frágeis estão cerca de duas vezes mais alavancadas, com lucratividade em queda – nos outros países, as empresas apresentam levíssima alta da lucratividade, mas um aumento ainda assim. As dívidas das famílias consomem 45% da renda disponível, enquanto o desemprego sobe, os salários caem, e pede-se da população maiores sacrifícios com o apoio às reformas. Os estados decretam, um a um, a “calamidade financeira”. A calamidade financeira de Minas Gerais, aliás, também foi ignorada ante o ruído de Renan.

Abyssus abyssum invocat, ou um abismo chama outro abismo. Há periculum in mora, ou perigo na demora, na letargia de um governo assoberbado por suas crises em profusão. A sensação é de que Sentio aliquos togatos contra me conspirare, ou de que “pessoas vestidas de toga conspiram contra mim”. E agora, Temer?

MONICA-DE-BOLLE

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É impossível acompanhar o Brasil e não lembrar de Millôr Fernandes. Ao assistir as recentes deliberações do STF sobre o destino de Renan Calheiros, imeadiatamente pensei em “The Cow went to the Swamp”. E, é claro, traduzi a expressão para o Latim. Deve ter sido o Fumus boni juris, ou a tal da fumaça do bom direito.

O fato é que, no Brasil, não est modus in rebus, ou, não há limite para as coisas. Estamos em verdadeiro “modo rebu”, em que tudo o que pode piorar, piora. As percepções otimistas dos mercados em relação ao governo Temer reverteram-se de súbito. As virtudes das reformas fiscais, concentradas no médio prazo para não abalar ainda mais o curto, hoje são vistas com crescente desconfiança. O Banco Central, como já alertara em diversos artigos publicados nesse espaço, está sob pressão por excesso de zelo.

A reforma da Previdência recém-anunciada pelo governo foi sumariamente ignorada em meio ao rebuliço entre o Senado e o STF que culminou na decisão de manter na Presidência da casa o réu Renan, indiciado por desvio de dinheiro público, mas que ainda assim, dizem, é o único que pode entregar a controvertida PEC do Teto – a PEC da prudência com os recursos públicos.

O Teto, ao que tudo indica, passará no tempo previsto – isto é, na semana que vem. Para tanto, formou-se acordo para lá de esquisito entre o STF o poder Executivo, e o Senado, abalando a credibilidade do Supremo Tribunal, ainda que juristas degladiem-se ante a constitucionalidade da decisão. Certa ou errada, o fato é que a sensação de que Renan foi poupado para aprovar reforma polêmica a toque de caixa não ajuda a popularidade de Temer. Nem um pouco.

Passando a PEC do Teto, as atenções estarão voltadas – em algum momento – para a reforma da Previdência. A reforma que, por ora, poupou os militares – responsáveis por parte relevante do déficit previdenciário – e outras categorias com salários e pensões para lá de generosos. Terá o governo de explicar para a população porque terão de contribuir mais tempo, trabalhar mais tempo, para receber benefício menor, enquanto outros são deixados de fora da reforma para a qual, dizem, todos contribuirão. Terá o governo também de dizer, de modo simples, sem gráficos de barras ou séries temporais, porque a reforma tornou-se tão urgente.

Será de grande valia se puder apontar como a reforma haverá de beneficiar o trabalhador mais à frente, já que da forma como foi anunciada parece que só há sacrifícios sem qualquer recompensa. Nenhuma reforma, por melhor e mais necessária que seja, consegue aceitação sem que o povo entenda o quid pro quo. Se o governo for capaz de cruzar esse Rubicão de comunicação e convencimento, alea jacta est. Caso contrário, veremos a vaca, o brejo.

É difícil exagerar o tamanho da encruzilhada atual. O governo parece não ter nada a oferecer no curto prazo para aliviar a dor – fato que já havia destacado como sumário freio à ambição que se apresentava quando da ascensão de Temer. O Banco Central, meio perdido, sinaliza queda mais acentuada dos juros, mas parece não compreender a dimensão da destruição de balanços ocorrida na economia brasileira.

Comparadas às empresas do Chile, México, Peru, e Colômbia, as brasileiras mais frágeis estão cerca de duas vezes mais alavancadas, com lucratividade em queda – nos outros países, as empresas apresentam levíssima alta da lucratividade, mas um aumento ainda assim. As dívidas das famílias consomem 45% da renda disponível, enquanto o desemprego sobe, os salários caem, e pede-se da população maiores sacrifícios com o apoio às reformas. Os estados decretam, um a um, a “calamidade financeira”. A calamidade financeira de Minas Gerais, aliás, também foi ignorada ante o ruído de Renan.

Abyssus abyssum invocat, ou um abismo chama outro abismo. Há periculum in mora, ou perigo na demora, na letargia de um governo assoberbado por suas crises em profusão. A sensação é de que Sentio aliquos togatos contra me conspirare, ou de que “pessoas vestidas de toga conspiram contra mim”. E agora, Temer?

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