A panela de pressão do debate econômico
“Garrafada de serpente Despacho de cachoeira Quanto mais o fogo sobe Mais a panelada cheira Olho na pressão, tá fervendo” Lenine, “Na pressão” Panela de pressão, o Brasil é panela de pressão, onde o fogo sobe e a panelada cheira – nem sempre bem. Anda difícil arejar o debate econômico brasileiro. Atualmente, não há espaço […]
Da Redação
Publicado em 27 de janeiro de 2017 às 11h18.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h11.
“Garrafada de serpente
Despacho de cachoeira
Quanto mais o fogo sobe
Mais a panelada cheira
Olho na pressão, tá fervendo”
Lenine, “Na pressão”
Panela de pressão, o Brasil é panela de pressão, onde o fogo sobe e a panelada cheira – nem sempre bem. Anda difícil arejar o debate econômico brasileiro. Atualmente, não há espaço para o pensamento, apenas para a repetição de mantras, tentativa desintelectualizada de reduzir a pressão.
“Está tudo dando certo”. “Está tudo dando certo”. “Está tudo dando certo”. Quem se arrisca a interromper o mantra com reflexões corre o risco de tomar garrafada de serpente na cabeça – a serpente é quem se arrisca, na garrafada, o antídoto. O antídoto? O antídoto é despachar o interlocutor com cachoeira de acusações, tentativas de desqualificá-lo para o suposto debate inexistente. Não vale expôr ideias ou críticas construtivas sobre o cenário. Vale apenas aplaudir junto à claque de plantão, sempre de plantão, na pressão.
Antes de mais nada, um reconhecimento: o Brasil avançou. Está caminhando o País lentamente do terrível para o muito ruim, ainda que para boa parte da população brasileira, sobretudo os doze milhões de desempregados, isso possa causar certa ofensa. Contudo, é preciso dizer que o governo avançou em áreas importantes, como as mudanças no setor de óleo e gás, a reetruturação da Petrobras, a redução do crédito subsidiado, as reformulações das linhas de crédito do BNDES, a intenção de repensar o método de cálculo da TJLP, alinhando-a às taxas de mercado na medida do possível.
Dito isso, as políticas de curto prazo deixam a desejar ante o descalabro que se vê no País. Ainda bem que o Banco Central, ao menos, saiu da morosidade para a ação – resta esperar que o mundo, e Donald Trump em particular, permitam que continue a fazer o que já deveria ter iniciado há mais tempo.
Mas, voltando à panela de pressão brasileira, enquanto fica o País engessado nas suas supostas certezas, há intensos questionamentos ocorrendo mundo afora. Para que valem os modelos econômicos ensinados nos bancos das faculdades de economia? Quais teorias aplicadas ao entendimento da política econômica perderam relevância ante as evidências contraditórias, legado da crise de 2008? Para que serve a economia acadêmica, aquela que ainda ignora sumariamente o cenário político à sua volta? Por que mesmo ouvir economistas se todas as crenças que defendem a profissão estão sendo postas em xeque pelo neopopulismo de rede social, cujo representante mais emblemático é o novo presidente dos EUA?
“Fatos alternativos” substituem com facilidade a realidade, Ministérios da Verdade se alastram nas redes onde todos sentem-se empoderados a opinar, ainda que poucos saibam sobre os assuntos a respeito do qual tecem comentários, vitupérios, e, cada vez mais frequentemente, mal-criações. Hoje, o “debate” não está confinado às páginas dos jornais, às colunas de opinião. Hoje, o “debate” corre solto no Facebook, repleto de peritos surdos, pois não lhes interessa nada além de cliques e brigas sem sentido. No Brasil, o problema é endêmico.
Mas, o que isso tem a ver com a economia, com os rumos do País? Estamos em meio à pior crise que o País já enfrentou, em planeta radicalmente alterado por rupturas políticas e ameaças à ordem liberal que ajudou parte do mundo emergente a emergir. Contudo, pouco se pensa e nada se diz sobre em que medida essas mudanças podem afetar o Brasil.
O Brasil do umbigo fica preso na necessidade de dar justificativas para as frequentes revisões pessimistas do PIB – quem esperava crescimento de 1,5% para esse ano há um mês já mudou de ideia, mas precisa explicar a revisão de forma asséptica, para não ferir egos, ou causar ressentimentos. Os críticos de outrora tornaram-se a plateia do momento, pronta para aplaudir sem questionar. Pronta para dizer que nada há de novo em qualquer debate enquanto o País afunda em dívidas. Pronta para defender o microcosmo prestes a ser abalado pelas paneladas de Trump. A pressão deve mesmo ser muito grande.
Curioso que aqui nos EUA, onde a pressão é enorme, há debates por toda parte. No Peterson Institute for International Economics, onde trabalho, há intensas discussões sobre Trumponomics, sobre os efeitos de expansionismo fiscal com protecionismo. Há quem ache que as políticas fiscais ajudarão os EUA a crescer, há quem acredite que a combinação de lassidão fiscal com protecionismo possa ser estagflacionária, e destrutiva. A intensidade das possíveis guerras comerciais é discutida diariamente. Há concordâncias e discordâncias em ambiente de extrema ansiedade. No entanto, tudo se passa com civilidade, educação, respeito pela opinião do outro. A regra implícita é que não vale desqualificar o interlocutor apenas porque ele ou ela tem opinião – fundamentada – diferente.
Ainda há redutos no Brasil onde esse tipo de debate é possível. Minha antiga casa, a Casa das Garças no Rio de Janeiro, é um deles. Em breve, faremos discussão das mais interessantes sobre juros, moeda, e fisco.
Mas o resto…o resto está fervendo. O resto é mistura de saliva da besta-fera.
“Garrafada de serpente
Despacho de cachoeira
Quanto mais o fogo sobe
Mais a panelada cheira
Olho na pressão, tá fervendo”
Lenine, “Na pressão”
Panela de pressão, o Brasil é panela de pressão, onde o fogo sobe e a panelada cheira – nem sempre bem. Anda difícil arejar o debate econômico brasileiro. Atualmente, não há espaço para o pensamento, apenas para a repetição de mantras, tentativa desintelectualizada de reduzir a pressão.
“Está tudo dando certo”. “Está tudo dando certo”. “Está tudo dando certo”. Quem se arrisca a interromper o mantra com reflexões corre o risco de tomar garrafada de serpente na cabeça – a serpente é quem se arrisca, na garrafada, o antídoto. O antídoto? O antídoto é despachar o interlocutor com cachoeira de acusações, tentativas de desqualificá-lo para o suposto debate inexistente. Não vale expôr ideias ou críticas construtivas sobre o cenário. Vale apenas aplaudir junto à claque de plantão, sempre de plantão, na pressão.
Antes de mais nada, um reconhecimento: o Brasil avançou. Está caminhando o País lentamente do terrível para o muito ruim, ainda que para boa parte da população brasileira, sobretudo os doze milhões de desempregados, isso possa causar certa ofensa. Contudo, é preciso dizer que o governo avançou em áreas importantes, como as mudanças no setor de óleo e gás, a reetruturação da Petrobras, a redução do crédito subsidiado, as reformulações das linhas de crédito do BNDES, a intenção de repensar o método de cálculo da TJLP, alinhando-a às taxas de mercado na medida do possível.
Dito isso, as políticas de curto prazo deixam a desejar ante o descalabro que se vê no País. Ainda bem que o Banco Central, ao menos, saiu da morosidade para a ação – resta esperar que o mundo, e Donald Trump em particular, permitam que continue a fazer o que já deveria ter iniciado há mais tempo.
Mas, voltando à panela de pressão brasileira, enquanto fica o País engessado nas suas supostas certezas, há intensos questionamentos ocorrendo mundo afora. Para que valem os modelos econômicos ensinados nos bancos das faculdades de economia? Quais teorias aplicadas ao entendimento da política econômica perderam relevância ante as evidências contraditórias, legado da crise de 2008? Para que serve a economia acadêmica, aquela que ainda ignora sumariamente o cenário político à sua volta? Por que mesmo ouvir economistas se todas as crenças que defendem a profissão estão sendo postas em xeque pelo neopopulismo de rede social, cujo representante mais emblemático é o novo presidente dos EUA?
“Fatos alternativos” substituem com facilidade a realidade, Ministérios da Verdade se alastram nas redes onde todos sentem-se empoderados a opinar, ainda que poucos saibam sobre os assuntos a respeito do qual tecem comentários, vitupérios, e, cada vez mais frequentemente, mal-criações. Hoje, o “debate” não está confinado às páginas dos jornais, às colunas de opinião. Hoje, o “debate” corre solto no Facebook, repleto de peritos surdos, pois não lhes interessa nada além de cliques e brigas sem sentido. No Brasil, o problema é endêmico.
Mas, o que isso tem a ver com a economia, com os rumos do País? Estamos em meio à pior crise que o País já enfrentou, em planeta radicalmente alterado por rupturas políticas e ameaças à ordem liberal que ajudou parte do mundo emergente a emergir. Contudo, pouco se pensa e nada se diz sobre em que medida essas mudanças podem afetar o Brasil.
O Brasil do umbigo fica preso na necessidade de dar justificativas para as frequentes revisões pessimistas do PIB – quem esperava crescimento de 1,5% para esse ano há um mês já mudou de ideia, mas precisa explicar a revisão de forma asséptica, para não ferir egos, ou causar ressentimentos. Os críticos de outrora tornaram-se a plateia do momento, pronta para aplaudir sem questionar. Pronta para dizer que nada há de novo em qualquer debate enquanto o País afunda em dívidas. Pronta para defender o microcosmo prestes a ser abalado pelas paneladas de Trump. A pressão deve mesmo ser muito grande.
Curioso que aqui nos EUA, onde a pressão é enorme, há debates por toda parte. No Peterson Institute for International Economics, onde trabalho, há intensas discussões sobre Trumponomics, sobre os efeitos de expansionismo fiscal com protecionismo. Há quem ache que as políticas fiscais ajudarão os EUA a crescer, há quem acredite que a combinação de lassidão fiscal com protecionismo possa ser estagflacionária, e destrutiva. A intensidade das possíveis guerras comerciais é discutida diariamente. Há concordâncias e discordâncias em ambiente de extrema ansiedade. No entanto, tudo se passa com civilidade, educação, respeito pela opinião do outro. A regra implícita é que não vale desqualificar o interlocutor apenas porque ele ou ela tem opinião – fundamentada – diferente.
Ainda há redutos no Brasil onde esse tipo de debate é possível. Minha antiga casa, a Casa das Garças no Rio de Janeiro, é um deles. Em breve, faremos discussão das mais interessantes sobre juros, moeda, e fisco.
Mas o resto…o resto está fervendo. O resto é mistura de saliva da besta-fera.