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Você levaria uma arma ao seu escritório?

Ao precisar exibir uma arma enquanto fala com subordinados e fornecedores, Frias passa claramente a mensagem de que não admite contestações

Mário Frias, secretário de Cultura (Redes Sociais/Reprodução)
DR

Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2021 às 10h20.

Aluizio Falcão Filho

Provavelmente 99,9% das pessoas responderiam “não” à pergunta estampada acima.

Utilizar uma arma no trabalho, para algumas atividades, não é opcional. Estamos falando de militares, policiais e vigilantes. Estes são profissionais que precisam estar armados para exercer seus ofícios. Mas o que dizer de um ator que ocupa cargo de segundo escalão no governo federal ? Esse indivíduo correria risco suficiente para ter de ir trabalhar armado?

Pois Mario Frias (foto), secretário especial de Cultura , acha que sim. Ele faz questão de desfilar pelo escritório da repartição onde dá expediente portando uma pistola Taurus de 9 milímetros colocada acintosamente na cintura.

O secretário assim justificou o pedido de porte de armas junto às autoridades (trata-se de texto, é bom esclarecer, que não foi editado): “Considerando minha condição de Secretário Especial da Cultura, especialmente em um momento político com políticos ataques, ameaças e manifestações violentas contra autoridades que compõem a administração pública federal e, tendo em vista que, na condição de secretário Especial da Cultura, participo de eventos e reuniões em todo Brasil, muitas vezes em meio a protestos e manifestações violentos, faz-se extremamente necessário o porte de arma, ainda mais que frequentemente sou abordado por diversas pessoas para tratativas de vários assuntos, alguns sensíveis e complexos e, às vezes algumas dessas pessoas se constituem de pessoas estranhas a mim e à minha equipe”.

Teoricamente, Frias se sente inseguro em eventos fora de seu ambiente de trabalho e a Taurus poderia reduzir essa sensação de insegurança. Por que, então, o secretário utiliza a arma dentro do escritório?

A resposta mais óbvia talvez seja desagradável: é grande a chance de o secretário mostrar sua arma para intimidar quem vá falar com ele. Você conhece alguém que discorde de um sujeito armado? Eu não – aliás, eu seria o primeiro a concordar com tudo o que o secretário falar diante de mim. Prezo muito a minha vida e não tenho intenção de ser baleado por conta de uma discussão sem importância.

O uso de armas pela população é alvo de uma discussão interminável. Uns argumentam que sua utilização por civis diminui a violência. Outros apontam que, sem treino, um cidadão pode ser facilmente desarmado e sua pistola passar para a mão de criminosos (isso ocorreu com o presidente Jair Bolsonaro em 1995, quando era deputado. Na ocasião, Bolsonaro declarou: “Mesmo armado me senti indefeso”). Mas a discussão, aqui, não é sobre liberar ou controlar armas – mas se é razoável carregar um revólver dentro de um escritório, em um ambiente de acesso monitorado e no qual os riscos são bastante reduzidos.

Ao precisar exibir uma arma enquanto fala com subordinados e fornecedores, Frias passa claramente a mensagem de que não admite contestações e a pistola, em si, é mais do que uma mensagem subliminar. Pelo contrário. É um aviso explícito de que sua palavra será final.

Desta atitude, tiramos duas conclusões. A primeira é a de que o ator não confia muito em seu intelecto para ganhar as discussões e precisa de uma ajuda extra. A segunda? Talvez ele queira repassar a sua sensação de insegurança para terceiros. Em uma reunião, por exemplo, o cidadão armado se sentirá plenamente protegido. O desarmado, no entanto, estará no campo oposto, sentindo-se vulnerável. Neste caso, o secretário parece ser partidário da tese de seu colega de ofício, o ator Clint Eastwood: “Eu tenho uma política muito restrita sobre o controle de armas: se há algum revólver por perto, eu quero estar no controle dele”.

Frias preenche uma posição que já teve status de ministério e cuja cadeira foi ocupada por intelectuais como José Aparecido de Oliveira e Antonio Houaiss. Em vez de atuar como alguém de fato preocupado com a cultura, age de forma intimidatória como se fosse um jagunço. Essa situação toda me lembra um episódio da série britânica de TV “Doctor Who”, na qual o personagem principal diz a um interlocutor: “Você quer armas. Nós estamos em uma livraria. Os livros são as melhores armas do mundo. Esse cômodo tem o maior arsenal que você poderia possuir”.

Mário Frias, no entanto, não se sensibilizaria com essa frase. Entre algum exemplar da editora Simon & Schuster e um revólver da linha Smith & Wesson, ele ficaria com a segunda opção. Sem pensar.

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Aluizio Falcão Filho

Provavelmente 99,9% das pessoas responderiam “não” à pergunta estampada acima.

Utilizar uma arma no trabalho, para algumas atividades, não é opcional. Estamos falando de militares, policiais e vigilantes. Estes são profissionais que precisam estar armados para exercer seus ofícios. Mas o que dizer de um ator que ocupa cargo de segundo escalão no governo federal ? Esse indivíduo correria risco suficiente para ter de ir trabalhar armado?

Pois Mario Frias (foto), secretário especial de Cultura , acha que sim. Ele faz questão de desfilar pelo escritório da repartição onde dá expediente portando uma pistola Taurus de 9 milímetros colocada acintosamente na cintura.

O secretário assim justificou o pedido de porte de armas junto às autoridades (trata-se de texto, é bom esclarecer, que não foi editado): “Considerando minha condição de Secretário Especial da Cultura, especialmente em um momento político com políticos ataques, ameaças e manifestações violentas contra autoridades que compõem a administração pública federal e, tendo em vista que, na condição de secretário Especial da Cultura, participo de eventos e reuniões em todo Brasil, muitas vezes em meio a protestos e manifestações violentos, faz-se extremamente necessário o porte de arma, ainda mais que frequentemente sou abordado por diversas pessoas para tratativas de vários assuntos, alguns sensíveis e complexos e, às vezes algumas dessas pessoas se constituem de pessoas estranhas a mim e à minha equipe”.

Teoricamente, Frias se sente inseguro em eventos fora de seu ambiente de trabalho e a Taurus poderia reduzir essa sensação de insegurança. Por que, então, o secretário utiliza a arma dentro do escritório?

A resposta mais óbvia talvez seja desagradável: é grande a chance de o secretário mostrar sua arma para intimidar quem vá falar com ele. Você conhece alguém que discorde de um sujeito armado? Eu não – aliás, eu seria o primeiro a concordar com tudo o que o secretário falar diante de mim. Prezo muito a minha vida e não tenho intenção de ser baleado por conta de uma discussão sem importância.

O uso de armas pela população é alvo de uma discussão interminável. Uns argumentam que sua utilização por civis diminui a violência. Outros apontam que, sem treino, um cidadão pode ser facilmente desarmado e sua pistola passar para a mão de criminosos (isso ocorreu com o presidente Jair Bolsonaro em 1995, quando era deputado. Na ocasião, Bolsonaro declarou: “Mesmo armado me senti indefeso”). Mas a discussão, aqui, não é sobre liberar ou controlar armas – mas se é razoável carregar um revólver dentro de um escritório, em um ambiente de acesso monitorado e no qual os riscos são bastante reduzidos.

Ao precisar exibir uma arma enquanto fala com subordinados e fornecedores, Frias passa claramente a mensagem de que não admite contestações e a pistola, em si, é mais do que uma mensagem subliminar. Pelo contrário. É um aviso explícito de que sua palavra será final.

Desta atitude, tiramos duas conclusões. A primeira é a de que o ator não confia muito em seu intelecto para ganhar as discussões e precisa de uma ajuda extra. A segunda? Talvez ele queira repassar a sua sensação de insegurança para terceiros. Em uma reunião, por exemplo, o cidadão armado se sentirá plenamente protegido. O desarmado, no entanto, estará no campo oposto, sentindo-se vulnerável. Neste caso, o secretário parece ser partidário da tese de seu colega de ofício, o ator Clint Eastwood: “Eu tenho uma política muito restrita sobre o controle de armas: se há algum revólver por perto, eu quero estar no controle dele”.

Frias preenche uma posição que já teve status de ministério e cuja cadeira foi ocupada por intelectuais como José Aparecido de Oliveira e Antonio Houaiss. Em vez de atuar como alguém de fato preocupado com a cultura, age de forma intimidatória como se fosse um jagunço. Essa situação toda me lembra um episódio da série britânica de TV “Doctor Who”, na qual o personagem principal diz a um interlocutor: “Você quer armas. Nós estamos em uma livraria. Os livros são as melhores armas do mundo. Esse cômodo tem o maior arsenal que você poderia possuir”.

Mário Frias, no entanto, não se sensibilizaria com essa frase. Entre algum exemplar da editora Simon & Schuster e um revólver da linha Smith & Wesson, ele ficaria com a segunda opção. Sem pensar.

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