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Vamos comparar as entrevistas de Bolsonaro e Lula no JN

A diferença de tratamento é bastante perceptível

Os entrevistadores foram muito mais suaves com Lula do que com o presidente (G1/Marcos Serra Lima/TV Globo/Divulgação)
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Da Redação

Publicado em 26 de agosto de 2022 às 13h50.

Ontem, o Jornal Nacional realizou uma entrevista com Luiz Inácio Lula da Silva – e é inevitável compará-la com a de Jair Bolsonaro, produzida na última segunda-feira. A diferença de tratamento é bastante perceptível.

Os entrevistadores foram muito mais suaves com Lula do que com o presidente. E há razões muito simples que explicam a diferença de tratamento. A primeira é que Bolsonaro está às turras com a TV Globo desde a campanha de 2018, num jogo de cutucadas e provocações. Neste ambiente, seria evidente esperar que a emissora fosse pautar uma abordagem agressiva ao titular do Planalto.

Isso, porém, pode ser caracterizado como imparcialidade jornalística? Trata-se de uma discussão longa. Mas o desejável é que o tratamento aos dois principais candidatos fosse semelhante. E isso não aconteceu. Some-se a essa questão o fato de que Lula sabe evitar conflitos durante entrevistas e tem grande capacidade de criar empatia com os entrevistadores.

Já entrevistei o ex-presidente duas vezes e posso atestar sua capacidade de encantar serpentes. Lula tem o poder de entender rapidamente qual é a linha de raciocínio do jornalista e adapta-se rapidamente a este estilo, tornando sua resposta palatável a quem o sabatina, mesmo quando o tema é indigesto, como a corrupção na Petrobras, tema da primeira pergunta.

Não houve sorrisos irônicos nem uma quantidade exagerada de interrupções durante o colóquio com o petista. Lula não respondeu duas questões sobre como iria lidar com as contas públicas e ficou por isso mesmo. O ex-presidente ouvia as perguntas com um sorriso no rosto, como se tivesse antecipado em seu treinamento o roteiro utilizado pelos jornalistas da Globo.

De maneira geral, se saiu bem – com direito até a admitir que houve corrupção durante o governo do PT (explicando que os desvios foram descobertos por conta da independência dada aos órgãos federais de fiscalização). Em outro momento, reconheceu equívocos do governo Dilma Rousseff, como a política de preços de combustíveis e de desoneração fiscal.

À vontade, chegou a mencionar o jogo do Flamengo na quarta-feira. Como Ciro Gomes, disse que iria renegociar a dívida das famílias. Derrapou, no entanto, em dois momentos. A primeira: quando quis traçar um paralelo entre o Mensalão (mesada aos deputados com dinheiro originado de corrupção) e o Orçamento Secreto (emendas nas quais os deputados que liberam as verbas são mantidos no anonimato).

Por mais que o Orçamento Secreto seja algo moralmente questionável, está dentro da lei, ao contrário do Mensalão. A segunda: quando o assunto foi o agronegócio, se atrapalhou com a resposta e deve ter desagradado a vários empresários do setor. Voltando ao tom agressivo adotado na entrevista de segunda-feira. Para compreender melhor essa dinâmica, é preciso entender algo sobre a prática do jornalismo. O profissional de comunicação, geralmente, começa como repórter ou redator. E vai galgando os degraus da hierarquia em uma redação, cujo topo é a diretoria de jornalismo ou o cargo de editor-chefe.

Nesta trajetória, o jornalista é testado em várias habilidades. Escrever bem é um pré-requisito para a profissão – mas nem todos os jornalistas preenchem essa condição, temos de admitir. Um outro talento necessário é saber o ofício de repórter, trazer furos para o veículo no qual trabalha. Outra é a capacidade de entrevistar.

Editar o texto de outros profissionais e saber dar títulos instigantes às matérias: esse é o trabalho dos editores. Por fim, quando se chega ao topo, é preciso ter outras habilidades: pautar e identificar sugestões de pauta interessantes, motivando a equipe, além de garantir que a identidade do meio de comunicação seja preservada.

São pouquíssimos profissionais que chegam ao cume da profissão com todas essas aptidões. E, de todos os talentos necessários para se chegar até a chefia, os mais difíceis são manter o espírito de repórter e dominar a arte de entrevistar. Fiquemos, agora, neste quesito em especial: a entrevista. Como conduzir uma boa conversa e torná-la interessante para o público? É preciso preparação e pesquisa. Mas também é necessária uma grande capacidade de entendimento do raciocínio do entrevistado (é como uma das características de Lula, só que invertida).

Com isso, entra-se em uma sintonia na qual pode-se fazer perguntas difíceis sem irritar os sabatinados. Para dominar a condução de uma entrevista, também, é preciso expertise. Lembram-se da teoria das 10 000 horas de experiência, defendida no livro Outliers – Fora de Série, de Malcolm Gladwell? O livro conta a tese de Anders Ericsson, da Universidade Estadual de Flórida, segunda a qual um expert ou um virtuoso em qualquer área de atuação tem, em média, 10 000 horas de experiência. Essa regra vale para futebolistas, músicos e pilotos – mas poderia valer também para entrevistadores.

A experiência como entrevistador dá o sangue frio necessário para esperar a melhor hora para alfinetar quem está do outro lado – se esse for o caso. Também ensina o ofício de não reagir com expressões faciais em resposta ao que diz o outro lado (nesta categoria, Jô Soares conseguia se manter impassível como ninguém ao escutar opiniões que confrontavam suas convicções pessoais).

Além disso, esse traquejo possibilita criar empatia com o entrevistado e arrancar declarações inesperadas, que podem virar manchetes. Sem a experiência necessária, o resultado de um pingue-pongue jornalístico pode ficar truncado. Optar por uma abordagem excessivamente agressiva, como vimos na segunda-feira, é fazer do entrevistado um inimigo e colocá-lo em uma retranca ferrenha. No caso de Bolsonaro, porém, há um problema em entrevistá-lo com sangue nos olhos: o presidente se sente em sua zona de conforto dentro deste tipo de sabatina. Bolsonaro sacou informações erradas da algibeira e se perdeu em determinados momentos.

Mas se manteve calmo durante a maior parte do tempo. Ele esperava uma entrevista dura. Porém, o calibre da bala foi bem mais alto do que suas previsões. O presidente talvez ficasse mais exposto se fosse perguntado seguidamente sobre planos de governo e detalhes específicos de sua gestão. Mas o JN preferiu a lacração e produziu uma sabatina cheia de chutões para o alto e rebatidas. No final, as redes sociais produziram reações totalmente adversas.

Para a esquerda e boa parte do centro, Bolsonaro foi derrotado e as alfinetadas dos entrevistadores foram comemoradas. Do outro lado do espectro ideológico, porém, o quadro era oposto: houve críticas contra a dupla de entrevistadores e Bolsonaro foi proclamado vencedor do conflito. Com Lula, ocorreu algo parecido: foi elogiado pelos seguidores e apupado pelos adversários.

Quem se saiu melhor? Bolsonaro, apesar de toda a pancadaria verbal, ganhou pontos por ter se mantido sob controle. Mas Lula, ajudado por um tom bem mais ameno durante as perguntas, conseguiu vender melhor seu peixe, embora tenha se enrolado em certos pontos.

Os dois conseguiram convencer os indecisos ou aqueles que cogitavam praticar o voto útil já no Primeiro Turno? Dificilmente. Talvez, para esses indefinidos, a resposta só venha no Segundo Turno – quando se esperam debates nos quais os candidatos possam duelar entre si. Até lá, ficaremos na briga das torcidas e na lacração diária das redes sociais. Um verdadeiro martírio para quem ainda não se decidiu qual número apertar na cabine eleitoral.

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Ontem, o Jornal Nacional realizou uma entrevista com Luiz Inácio Lula da Silva – e é inevitável compará-la com a de Jair Bolsonaro, produzida na última segunda-feira. A diferença de tratamento é bastante perceptível.

Os entrevistadores foram muito mais suaves com Lula do que com o presidente. E há razões muito simples que explicam a diferença de tratamento. A primeira é que Bolsonaro está às turras com a TV Globo desde a campanha de 2018, num jogo de cutucadas e provocações. Neste ambiente, seria evidente esperar que a emissora fosse pautar uma abordagem agressiva ao titular do Planalto.

Isso, porém, pode ser caracterizado como imparcialidade jornalística? Trata-se de uma discussão longa. Mas o desejável é que o tratamento aos dois principais candidatos fosse semelhante. E isso não aconteceu. Some-se a essa questão o fato de que Lula sabe evitar conflitos durante entrevistas e tem grande capacidade de criar empatia com os entrevistadores.

Já entrevistei o ex-presidente duas vezes e posso atestar sua capacidade de encantar serpentes. Lula tem o poder de entender rapidamente qual é a linha de raciocínio do jornalista e adapta-se rapidamente a este estilo, tornando sua resposta palatável a quem o sabatina, mesmo quando o tema é indigesto, como a corrupção na Petrobras, tema da primeira pergunta.

Não houve sorrisos irônicos nem uma quantidade exagerada de interrupções durante o colóquio com o petista. Lula não respondeu duas questões sobre como iria lidar com as contas públicas e ficou por isso mesmo. O ex-presidente ouvia as perguntas com um sorriso no rosto, como se tivesse antecipado em seu treinamento o roteiro utilizado pelos jornalistas da Globo.

De maneira geral, se saiu bem – com direito até a admitir que houve corrupção durante o governo do PT (explicando que os desvios foram descobertos por conta da independência dada aos órgãos federais de fiscalização). Em outro momento, reconheceu equívocos do governo Dilma Rousseff, como a política de preços de combustíveis e de desoneração fiscal.

À vontade, chegou a mencionar o jogo do Flamengo na quarta-feira. Como Ciro Gomes, disse que iria renegociar a dívida das famílias. Derrapou, no entanto, em dois momentos. A primeira: quando quis traçar um paralelo entre o Mensalão (mesada aos deputados com dinheiro originado de corrupção) e o Orçamento Secreto (emendas nas quais os deputados que liberam as verbas são mantidos no anonimato).

Por mais que o Orçamento Secreto seja algo moralmente questionável, está dentro da lei, ao contrário do Mensalão. A segunda: quando o assunto foi o agronegócio, se atrapalhou com a resposta e deve ter desagradado a vários empresários do setor. Voltando ao tom agressivo adotado na entrevista de segunda-feira. Para compreender melhor essa dinâmica, é preciso entender algo sobre a prática do jornalismo. O profissional de comunicação, geralmente, começa como repórter ou redator. E vai galgando os degraus da hierarquia em uma redação, cujo topo é a diretoria de jornalismo ou o cargo de editor-chefe.

Nesta trajetória, o jornalista é testado em várias habilidades. Escrever bem é um pré-requisito para a profissão – mas nem todos os jornalistas preenchem essa condição, temos de admitir. Um outro talento necessário é saber o ofício de repórter, trazer furos para o veículo no qual trabalha. Outra é a capacidade de entrevistar.

Editar o texto de outros profissionais e saber dar títulos instigantes às matérias: esse é o trabalho dos editores. Por fim, quando se chega ao topo, é preciso ter outras habilidades: pautar e identificar sugestões de pauta interessantes, motivando a equipe, além de garantir que a identidade do meio de comunicação seja preservada.

São pouquíssimos profissionais que chegam ao cume da profissão com todas essas aptidões. E, de todos os talentos necessários para se chegar até a chefia, os mais difíceis são manter o espírito de repórter e dominar a arte de entrevistar. Fiquemos, agora, neste quesito em especial: a entrevista. Como conduzir uma boa conversa e torná-la interessante para o público? É preciso preparação e pesquisa. Mas também é necessária uma grande capacidade de entendimento do raciocínio do entrevistado (é como uma das características de Lula, só que invertida).

Com isso, entra-se em uma sintonia na qual pode-se fazer perguntas difíceis sem irritar os sabatinados. Para dominar a condução de uma entrevista, também, é preciso expertise. Lembram-se da teoria das 10 000 horas de experiência, defendida no livro Outliers – Fora de Série, de Malcolm Gladwell? O livro conta a tese de Anders Ericsson, da Universidade Estadual de Flórida, segunda a qual um expert ou um virtuoso em qualquer área de atuação tem, em média, 10 000 horas de experiência. Essa regra vale para futebolistas, músicos e pilotos – mas poderia valer também para entrevistadores.

A experiência como entrevistador dá o sangue frio necessário para esperar a melhor hora para alfinetar quem está do outro lado – se esse for o caso. Também ensina o ofício de não reagir com expressões faciais em resposta ao que diz o outro lado (nesta categoria, Jô Soares conseguia se manter impassível como ninguém ao escutar opiniões que confrontavam suas convicções pessoais).

Além disso, esse traquejo possibilita criar empatia com o entrevistado e arrancar declarações inesperadas, que podem virar manchetes. Sem a experiência necessária, o resultado de um pingue-pongue jornalístico pode ficar truncado. Optar por uma abordagem excessivamente agressiva, como vimos na segunda-feira, é fazer do entrevistado um inimigo e colocá-lo em uma retranca ferrenha. No caso de Bolsonaro, porém, há um problema em entrevistá-lo com sangue nos olhos: o presidente se sente em sua zona de conforto dentro deste tipo de sabatina. Bolsonaro sacou informações erradas da algibeira e se perdeu em determinados momentos.

Mas se manteve calmo durante a maior parte do tempo. Ele esperava uma entrevista dura. Porém, o calibre da bala foi bem mais alto do que suas previsões. O presidente talvez ficasse mais exposto se fosse perguntado seguidamente sobre planos de governo e detalhes específicos de sua gestão. Mas o JN preferiu a lacração e produziu uma sabatina cheia de chutões para o alto e rebatidas. No final, as redes sociais produziram reações totalmente adversas.

Para a esquerda e boa parte do centro, Bolsonaro foi derrotado e as alfinetadas dos entrevistadores foram comemoradas. Do outro lado do espectro ideológico, porém, o quadro era oposto: houve críticas contra a dupla de entrevistadores e Bolsonaro foi proclamado vencedor do conflito. Com Lula, ocorreu algo parecido: foi elogiado pelos seguidores e apupado pelos adversários.

Quem se saiu melhor? Bolsonaro, apesar de toda a pancadaria verbal, ganhou pontos por ter se mantido sob controle. Mas Lula, ajudado por um tom bem mais ameno durante as perguntas, conseguiu vender melhor seu peixe, embora tenha se enrolado em certos pontos.

Os dois conseguiram convencer os indecisos ou aqueles que cogitavam praticar o voto útil já no Primeiro Turno? Dificilmente. Talvez, para esses indefinidos, a resposta só venha no Segundo Turno – quando se esperam debates nos quais os candidatos possam duelar entre si. Até lá, ficaremos na briga das torcidas e na lacração diária das redes sociais. Um verdadeiro martírio para quem ainda não se decidiu qual número apertar na cabine eleitoral.

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