Um breve comentário sobre o termo “moeda corrente nacional”
O próprio presidente Bolsonaro aumentou a octanagem do caso ao perguntar qual seria o problema de usar dinheiro vivo na compra de imóveis
Da Redação
Publicado em 2 de setembro de 2022 às 14h08.
Aluizio Falcão Filho
Antes de mais nada, um aviso: esse breve texto é apenas uma constatação sem emoções e não busca defender ou atacar ninguém.
Nesta semana, o portal UOL divulgou uma reportagem segundo a qual a família do presidente Jair Bolsonaro adquiriu 107 imóveis, dos quais 51 deles, segundo os registros dos cartórios, foram quitados total ou parcialmente em “moeda corrente nacional”. Segundo o portal, “a reportagem confirmou com oficiais de cartórios a padronização da ‘compra em moeda corrente’ para se referir a vendas realizadas em espécie, mencionadas de forma distinta às vendas realizadas por meio de cheque ou transferência bancária que aparecem especificadas em várias outras compras”.
Diante disso, fui olhar duas escrituras de imóveis que tenho aqui em casa, ambas emitidas respectivamente em 2003 e 2006. A primeira refere-se a um imóvel que foi adquirido com um cheque administrativo de banco, a pedido do corretor que intermediou a transação. Nesses casos, se transfere o dinheiro ao banco e se paga uma taxa. A instituição, então, emite um cheque no qual garante a quitação se seu valor de face. Já a segunda certidão refere-se a uma propriedade que foi paga com a permuta de um imóvel e mais duas transferências bancárias.
Em nenhum dos casos, portanto, foi utilizado dinheiro vivo. Mas está escrito nos dois documentos que as transações foram feitas em “moeda corrente nacional”. Talvez a prática mude de cartório para cartório. Ou talvez o meu caso não represente a prática corrente no mercado.
Um advogado consultado por MONEY REPORT pondera que, há alguns anos, diante da ampliação dos meios de pagamento e da utilização da informática pelos tabelionatos, a regra, para garantir maior segurança jurídica aos negócios e às atividades notariais, é registrar na escritura o método de pagamento utilizado.
Mas essa orientação pode não ser rigorosamente seguida por todos os tabeliães. Um dos imóveis listados, de qualquer forma, tem em sua escritura mencionado pagamento em “moeda corrente contada e achada certa”. Isso, na prática, é declaração de pagamento em cash, ao contrário da expressão isolada “moeda corrente nacional” que se refere ao pagamento em reais, ainda que não integralmente em espécie.
O próprio presidente Bolsonaro aumentou a octanagem do caso ao perguntar qual seria o problema de usar dinheiro vivo na compra de imóveis. De fato, não é ilegal. Mas trata-se de usar numerário em quantias altas, o que provoca suspeitas. No caso divulgado pelo UOL, seriam R$ 13,5 milhões, o equivalente a R$ 25 milhões em dinheiro de hoje.
Paira uma dúvida sobre este episódio. Muitos defensores do presidente dizem que esse termo é corriqueiro e utilizado com frequência, entre dinheiro vivo ou não no negócio. Mas, se utilizar a expressão “moeda corrente nacional” servisse para qualquer tipo de compra e venda imobiliária, por que ela só é utilizada em 51 imóveis e não na totalidade das 107 escrituras levantadas?
Para resolver essa questão sem nenhum tipo de dúvida, só existe um caminho – o do COAF. Esta é a única forma segura e consistente de cruzar os valores mencionados nos documentos dos cartórios e compará-los com os extratos das contas bancárias dos envolvidos nas operações imobiliárias. Mas este órgão de fiscalização só pode atuar quando verifica uma movimentação fora dos padrões ou é requisitado pelas autoridades.
Para o bem da verdade, o COAF precisa entrar em campo e tirar qualquer tipo de dúvida que venha a pairar sobre este caso.
Aluizio Falcão Filho
Antes de mais nada, um aviso: esse breve texto é apenas uma constatação sem emoções e não busca defender ou atacar ninguém.
Nesta semana, o portal UOL divulgou uma reportagem segundo a qual a família do presidente Jair Bolsonaro adquiriu 107 imóveis, dos quais 51 deles, segundo os registros dos cartórios, foram quitados total ou parcialmente em “moeda corrente nacional”. Segundo o portal, “a reportagem confirmou com oficiais de cartórios a padronização da ‘compra em moeda corrente’ para se referir a vendas realizadas em espécie, mencionadas de forma distinta às vendas realizadas por meio de cheque ou transferência bancária que aparecem especificadas em várias outras compras”.
Diante disso, fui olhar duas escrituras de imóveis que tenho aqui em casa, ambas emitidas respectivamente em 2003 e 2006. A primeira refere-se a um imóvel que foi adquirido com um cheque administrativo de banco, a pedido do corretor que intermediou a transação. Nesses casos, se transfere o dinheiro ao banco e se paga uma taxa. A instituição, então, emite um cheque no qual garante a quitação se seu valor de face. Já a segunda certidão refere-se a uma propriedade que foi paga com a permuta de um imóvel e mais duas transferências bancárias.
Em nenhum dos casos, portanto, foi utilizado dinheiro vivo. Mas está escrito nos dois documentos que as transações foram feitas em “moeda corrente nacional”. Talvez a prática mude de cartório para cartório. Ou talvez o meu caso não represente a prática corrente no mercado.
Um advogado consultado por MONEY REPORT pondera que, há alguns anos, diante da ampliação dos meios de pagamento e da utilização da informática pelos tabelionatos, a regra, para garantir maior segurança jurídica aos negócios e às atividades notariais, é registrar na escritura o método de pagamento utilizado.
Mas essa orientação pode não ser rigorosamente seguida por todos os tabeliães. Um dos imóveis listados, de qualquer forma, tem em sua escritura mencionado pagamento em “moeda corrente contada e achada certa”. Isso, na prática, é declaração de pagamento em cash, ao contrário da expressão isolada “moeda corrente nacional” que se refere ao pagamento em reais, ainda que não integralmente em espécie.
O próprio presidente Bolsonaro aumentou a octanagem do caso ao perguntar qual seria o problema de usar dinheiro vivo na compra de imóveis. De fato, não é ilegal. Mas trata-se de usar numerário em quantias altas, o que provoca suspeitas. No caso divulgado pelo UOL, seriam R$ 13,5 milhões, o equivalente a R$ 25 milhões em dinheiro de hoje.
Paira uma dúvida sobre este episódio. Muitos defensores do presidente dizem que esse termo é corriqueiro e utilizado com frequência, entre dinheiro vivo ou não no negócio. Mas, se utilizar a expressão “moeda corrente nacional” servisse para qualquer tipo de compra e venda imobiliária, por que ela só é utilizada em 51 imóveis e não na totalidade das 107 escrituras levantadas?
Para resolver essa questão sem nenhum tipo de dúvida, só existe um caminho – o do COAF. Esta é a única forma segura e consistente de cruzar os valores mencionados nos documentos dos cartórios e compará-los com os extratos das contas bancárias dos envolvidos nas operações imobiliárias. Mas este órgão de fiscalização só pode atuar quando verifica uma movimentação fora dos padrões ou é requisitado pelas autoridades.
Para o bem da verdade, o COAF precisa entrar em campo e tirar qualquer tipo de dúvida que venha a pairar sobre este caso.