Trump perdeu para ele mesmo; depois, foi derrotado por Biden
Biden entendeu a oportunidade e traçou uma estratégia que o mostrasse como uma antítese ao presidente, com uma ressalva: sem radicalismos
Bibiana Guaraldi
Publicado em 9 de novembro de 2020 às 08h09.
Uma eleição é uma guerra de narrativas.
Joe Biden conseguiu ser o condutor da história contada em 2020 e se colocou como o mocinho do enredo, deixando a Donald Trump o papel de vilão. Não importa que o vencedor tenha também suas páginas coladas. O que passará à história é o discurso de quem triunfou e não o do derrotado – e, neste caso, haverá quatro anos pela frente nos quais os democratas terão a primazia de conduzir um roteiro como os protagonistas.
A pandemia exerceu papel importante nessa eleição, pois desmantelou a economia americana, que ia bem até fevereiro, e deu espaço para que Trump se manifestasse de forma inconveniente inúmeras vezes.
Biden entendeu a oportunidade que se descortinava em sua frente e traçou uma estratégia que o mostrasse como uma antítese ao presidente, com uma ressalva: sem radicalismos no discurso e uma distância quilométrica de Bernie Sanders, o socialista de plantão no Partido Democrata.
Para ressaltar como era o oposto de Trump em vários aspectos, Biden resolveu que teria uma mulher como vice, descartando nomes masculinos que também tinham capacidade para compor sua chapa. Entre as postulantes, escolheu justamente Kamala Harris , que é filha de imigrantes e negra. Ao ter Harris ao seu lado, Biden, logo de início, passou a mensagem de que estava alinhado com os anseios das mulheres, negros e descendentes de imigrantes – grupos que tinham suas ressalvas em relação à dupla Donald Trump e Mike Pence. Os debates eleitorais serviram para acentuar essa diferença. O discurso agressivo de Donald Trump foi rebatido por Biden e o mesmo ocorreu no embate entre Harris e Pence.
A pandemia também mexeu com o estado emocional dos eleitores. Conforme viam o comportamento errático e agressivo de Trump nas coletivas de imprensa, a rejeição ao ocupante da Casa Branca passou a aumentar. Foi talvez aqui que Joe Biden começou a ganhar a eleição. O mesmo comportamento que levou o republicano à Casa Branca, quatro anos atrás, foi responsável por sua derrota em 2020. O eleitorado americano deu um voto de confiança ao ex-apresentador de “O Aprendiz” no pleito passado. Mas, depois de quatro anos de bravatas, o eleitorado preferiu esquecer a boa performance da economia entre 2019 e o início de 2020 e partir para outra solução.
Por isso, pode-se dizer que, em primeiro lugar, Trump perdeu para ele mesmo; depois, foi derrotado pelo oponente.
A alta temperatura da última semana das eleições americanas deve continuar por muito tempo, até pela disposição do presidente americano em não aceitar a derrota e tentar emplacar um discurso de fraude eleitoral por parte dos democratas. O ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, foi seu principal porta-voz e já fez uma série de acusações (até agora, sem apresentar uma só prova concreta) no último final de semana.
O duelo ganhou as redes sociais e provocou brigas homéricas, inclusive no Brasil. Vários posts começaram a circular, vindos do front republicano, mostrando o que poderia ser uma manipulação das urnas.
Uma postagem em especial chama a atenção – aquela que afirma haver 21 000 mortos na lista de eleitores na Pensilvânia. Essa informação vem da Public Interest Legal Foundation, entidade presidida por J. Christian Adams. Ocorre que Adams é ligado a Donald Trump (foi o presidente americano que indicou Adams para a Comissão de Direitos Civis do governo americano) e isso coloca a acusação desta entidade sob suspeição.
Além disso, os democratas tinham em mente que essa eleição seria disputada e eventualmente judicializada. Num cenário como esse, os partidários de Joe Biden iriam perpetrar uma fraude desta proporção, facilmente questionável? Parece algo impossível. Outra pergunta que surge: como essa fundação conseguiu uma lista enorme de eleitores (mesmo que falecidos) apenas 24 horas após o fechamento das urnas? Igualmente improvável.
Mas vamos dizer que houve fraude – e das bravas – no estado da Pensilvânia. Isso muda o resultado final? Não. Apenas com o resultado em Nevada, Biden já tinha os votos necessários para ganhar no Colégio Eleitoral.
Mas Trump age como um mau perdedor e insiste no discurso de que ganhou o pleito, brandindo denúncias (sem comprovação) que repercutem apenas junto a seus apoiadores. Em algum momento, porém, terá de reconhecer a derrota e deverá sair da Casa Branca no dia 20 de janeiro.
Uma derrota na corrida presidencial americana geralmente enterra pretensões políticas de quem perdeu. Mas Trump parece fazer barulho para ficar em evidência e tentar retornar à Casa Branca em 2024. A lei permite isso. A emenda 22 da Constituição dos EUA, promulgada em 1947 e ratificada três anos depois, afirma que um cidadão pode ocupar a Casa Branca apenas por dois mandatos. A Trump, assim, restaria a possibilidade de concorrer por mais um termo. Como muitos apostam na sobrevivência do trumpismo mesmo com fracasso em 2020, o futuro ex-presidente pode pleitear a candidatura daqui a quatro anos.
Se isso ocorrer, quem será seu adversário? Biden, que terá 81 anos em 2024, ou Kamala Harris? Ninguém ainda pode afirmar com certeza quem será o “frontrunner” azul daqui a quatro anos. Uma coisa, porém, é certa: a economia e questões sanitárias terão papel preponderante no próximo pleito. É por isso que os democratas, de um lado, elaboram um plano de combate à Covid e já pensam em pacotes legislativos para turbinar a economia. Em relação a eventuais anabolizantes econômicos, trata-se de uma aposta arriscada. Soluções heterodoxas até criam resultados imediatos, mas enfraquecem os fundamentos econômicos e podem ser uma bomba de efeito retardado a explodir justamente nas vésperas de 2024.
Uma eleição é uma guerra de narrativas.
Joe Biden conseguiu ser o condutor da história contada em 2020 e se colocou como o mocinho do enredo, deixando a Donald Trump o papel de vilão. Não importa que o vencedor tenha também suas páginas coladas. O que passará à história é o discurso de quem triunfou e não o do derrotado – e, neste caso, haverá quatro anos pela frente nos quais os democratas terão a primazia de conduzir um roteiro como os protagonistas.
A pandemia exerceu papel importante nessa eleição, pois desmantelou a economia americana, que ia bem até fevereiro, e deu espaço para que Trump se manifestasse de forma inconveniente inúmeras vezes.
Biden entendeu a oportunidade que se descortinava em sua frente e traçou uma estratégia que o mostrasse como uma antítese ao presidente, com uma ressalva: sem radicalismos no discurso e uma distância quilométrica de Bernie Sanders, o socialista de plantão no Partido Democrata.
Para ressaltar como era o oposto de Trump em vários aspectos, Biden resolveu que teria uma mulher como vice, descartando nomes masculinos que também tinham capacidade para compor sua chapa. Entre as postulantes, escolheu justamente Kamala Harris , que é filha de imigrantes e negra. Ao ter Harris ao seu lado, Biden, logo de início, passou a mensagem de que estava alinhado com os anseios das mulheres, negros e descendentes de imigrantes – grupos que tinham suas ressalvas em relação à dupla Donald Trump e Mike Pence. Os debates eleitorais serviram para acentuar essa diferença. O discurso agressivo de Donald Trump foi rebatido por Biden e o mesmo ocorreu no embate entre Harris e Pence.
A pandemia também mexeu com o estado emocional dos eleitores. Conforme viam o comportamento errático e agressivo de Trump nas coletivas de imprensa, a rejeição ao ocupante da Casa Branca passou a aumentar. Foi talvez aqui que Joe Biden começou a ganhar a eleição. O mesmo comportamento que levou o republicano à Casa Branca, quatro anos atrás, foi responsável por sua derrota em 2020. O eleitorado americano deu um voto de confiança ao ex-apresentador de “O Aprendiz” no pleito passado. Mas, depois de quatro anos de bravatas, o eleitorado preferiu esquecer a boa performance da economia entre 2019 e o início de 2020 e partir para outra solução.
Por isso, pode-se dizer que, em primeiro lugar, Trump perdeu para ele mesmo; depois, foi derrotado pelo oponente.
A alta temperatura da última semana das eleições americanas deve continuar por muito tempo, até pela disposição do presidente americano em não aceitar a derrota e tentar emplacar um discurso de fraude eleitoral por parte dos democratas. O ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, foi seu principal porta-voz e já fez uma série de acusações (até agora, sem apresentar uma só prova concreta) no último final de semana.
O duelo ganhou as redes sociais e provocou brigas homéricas, inclusive no Brasil. Vários posts começaram a circular, vindos do front republicano, mostrando o que poderia ser uma manipulação das urnas.
Uma postagem em especial chama a atenção – aquela que afirma haver 21 000 mortos na lista de eleitores na Pensilvânia. Essa informação vem da Public Interest Legal Foundation, entidade presidida por J. Christian Adams. Ocorre que Adams é ligado a Donald Trump (foi o presidente americano que indicou Adams para a Comissão de Direitos Civis do governo americano) e isso coloca a acusação desta entidade sob suspeição.
Além disso, os democratas tinham em mente que essa eleição seria disputada e eventualmente judicializada. Num cenário como esse, os partidários de Joe Biden iriam perpetrar uma fraude desta proporção, facilmente questionável? Parece algo impossível. Outra pergunta que surge: como essa fundação conseguiu uma lista enorme de eleitores (mesmo que falecidos) apenas 24 horas após o fechamento das urnas? Igualmente improvável.
Mas vamos dizer que houve fraude – e das bravas – no estado da Pensilvânia. Isso muda o resultado final? Não. Apenas com o resultado em Nevada, Biden já tinha os votos necessários para ganhar no Colégio Eleitoral.
Mas Trump age como um mau perdedor e insiste no discurso de que ganhou o pleito, brandindo denúncias (sem comprovação) que repercutem apenas junto a seus apoiadores. Em algum momento, porém, terá de reconhecer a derrota e deverá sair da Casa Branca no dia 20 de janeiro.
Uma derrota na corrida presidencial americana geralmente enterra pretensões políticas de quem perdeu. Mas Trump parece fazer barulho para ficar em evidência e tentar retornar à Casa Branca em 2024. A lei permite isso. A emenda 22 da Constituição dos EUA, promulgada em 1947 e ratificada três anos depois, afirma que um cidadão pode ocupar a Casa Branca apenas por dois mandatos. A Trump, assim, restaria a possibilidade de concorrer por mais um termo. Como muitos apostam na sobrevivência do trumpismo mesmo com fracasso em 2020, o futuro ex-presidente pode pleitear a candidatura daqui a quatro anos.
Se isso ocorrer, quem será seu adversário? Biden, que terá 81 anos em 2024, ou Kamala Harris? Ninguém ainda pode afirmar com certeza quem será o “frontrunner” azul daqui a quatro anos. Uma coisa, porém, é certa: a economia e questões sanitárias terão papel preponderante no próximo pleito. É por isso que os democratas, de um lado, elaboram um plano de combate à Covid e já pensam em pacotes legislativos para turbinar a economia. Em relação a eventuais anabolizantes econômicos, trata-se de uma aposta arriscada. Soluções heterodoxas até criam resultados imediatos, mas enfraquecem os fundamentos econômicos e podem ser uma bomba de efeito retardado a explodir justamente nas vésperas de 2024.