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“The Sound of Silence”: o dilema de quem não quer mais discutir política

Chegamos ao ano de 2022 e as redes continuam a mostrar combates digitais. Mas a discussão arrefeceu um pouco. Qual seria a razão?

(Fotos: Charles Platiau/Reuters e Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Da Redação

Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 08h24.

Desde 2018, entramos no perigoso terreno da polarização dos debates. Nesse embate de argumentações emocionadas e até raivosas, amizades longevas foram abaladas, relações familiares esgarçadas e colegas de trabalho se afastaram permanentemente. Deixamos para trás o debate de ideias e nos colocamos no campo do ataque e da defesa. Em vez de conversar, passamos a atacar a posição dos outros e defender a nossa.

O pior é que, no fundo, sabemos que esse é um jogo inútil. Dificilmente os outros irão abandonar suas convicções por conta de uma conversa acalorada — mas partimos para o confronto assim mesmo.

Chegamos ao ano de 2022 e as redes continuam a mostrar combates digitais. Mas a discussão arrefeceu um pouco. Qual seria a razão?

Aparentemente, há dois motivos. Um deles é a natural depuração que existe em sites de mídia social ou grupos de discussão. Os iguais vão se unindo, expurgando quem pensa diferente. O debate, então, vira uma conserva de comadres, que ficam pregando para convertidos.

Existe, no entanto, uma outra razão para este fenômeno. Uma boa parte dos eleitores simplesmente cansou de discutir. A quantidade de participantes passivos em um debate aberto elevou-se fortemente. Muitos não querem dar a cara para bater e preferem submergir, numa espécie de voyerismo das ideias.

A agressividade, que foi muita na última eleição presidencial, cresceu substancialmente nos dois primeiros anos do governo Jair Bolsonaro. Mas, ao final do ano passado, depois de tanta pancadaria, as pessoas (de ambos os lados do tabuleiro) começaram a se cansar. Dessa forma, nem abriam uma discussão. Como aquela máxima que ouvi certa vez de uma tia, diante de uma barbaridade dita por um parente: “Fique quieto. O médico dele mandou não contrariar”.

Um exemplo desse arrefecimento está na adesão do ex-governador Geraldo Alckmin à chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Houve certa comoção assim que a notícia vazou. Mas isso geraria pano para manga alguns anos atrás, numa discussão muito mais agressiva. Apesar dos ataques mútuos que os separaram no passado, Lula e Alckmin selaram um acordo e estão mudos, esperando que suas equipes acertem os últimos detalhes do acerto. Esse silêncio, aliás, pode ser outra explicação para a letargia em parte dos debates políticos.

Lula, aqui e ali, dá alguns pitacos, mas permanece calado na maior parte do tempo. Suas declarações, por enquanto, servem para agradar o eleitorado de esquerda, que ficou ao seu lado no momento mais duro de sua vida – quando foi encarcerado em Curitiba e acusado de corrupção.

O ex-presidente adota uma estratégia de comedimento verbal se comparado a Bolsonaro, que está falante como nunca. Nesta semana que passou, o presidente se referiu ao nordestino de maneira geral como “pau de arara” (ontem, em Pernambuco, porém, falou em “meu Nordeste”). Eduardo Bolsonaro aproveitou o eventual marasmo para sacudir o cenário político: ele postou um vídeo em suas redes sociais que apontava engenheiras mulheres como a causa da abertura da cratera do metrô paulistano na marginal Tietê.

Em uma eleição, todo o voto conta. Mas Bolsonaro tem números ruins no Nordeste e deixa a desejar junto ao eleitorado feminino. Diante dessa situação, faria mais sentido cortejar esses eleitores. Mas o que se vê é o contrário.

Esse quadro vai perdurar até a eleição?

Possivelmente. Aqueles que não querem Lula ou Bolsonaro parecem ter abdicado do direito de debater. E, se no segundo turno, não houver escolha fora dos extremos, a decisão será tomada silenciosamente – mesmo que seja a contragosto.

É como ouvimos em uma canção dos anos 1960 que voltou a ser comentada nesta semana: “The Sound of Silence”, da dupla Simon & Garfunkel. Começou a circular um post nos grupos de WhatsApp dizendo que a música foi composta em homenagem a Sandy Greenberg, um amigo de Art Garfunkel que ficou cego -- uma história tocante, mas que conflita com outra versão segundo a qual Paul Simon escreveu este sucesso após o assassinato do presidente John Kennedy.

A letra diz:

“And in the naked light I saw/ Ten thousand people, maybe more/ People talking without speaking/ People hearing without listening/ People writing songs that voices never share/ No one dared/ Disturb the sound of silence” (“E na luz fraca eu vi/ Dez mil pessoas, talvez mais/ Gente conversando sem falar/ Gente ouvindo sem escutar/ Pessoas escrevendo canções que jamais serão cantadas/ Ninguém ousa/ perturbar o som do silêncio”).

Desde 2018, entramos no perigoso terreno da polarização dos debates. Nesse embate de argumentações emocionadas e até raivosas, amizades longevas foram abaladas, relações familiares esgarçadas e colegas de trabalho se afastaram permanentemente. Deixamos para trás o debate de ideias e nos colocamos no campo do ataque e da defesa. Em vez de conversar, passamos a atacar a posição dos outros e defender a nossa.

O pior é que, no fundo, sabemos que esse é um jogo inútil. Dificilmente os outros irão abandonar suas convicções por conta de uma conversa acalorada — mas partimos para o confronto assim mesmo.

Chegamos ao ano de 2022 e as redes continuam a mostrar combates digitais. Mas a discussão arrefeceu um pouco. Qual seria a razão?

Aparentemente, há dois motivos. Um deles é a natural depuração que existe em sites de mídia social ou grupos de discussão. Os iguais vão se unindo, expurgando quem pensa diferente. O debate, então, vira uma conserva de comadres, que ficam pregando para convertidos.

Existe, no entanto, uma outra razão para este fenômeno. Uma boa parte dos eleitores simplesmente cansou de discutir. A quantidade de participantes passivos em um debate aberto elevou-se fortemente. Muitos não querem dar a cara para bater e preferem submergir, numa espécie de voyerismo das ideias.

A agressividade, que foi muita na última eleição presidencial, cresceu substancialmente nos dois primeiros anos do governo Jair Bolsonaro. Mas, ao final do ano passado, depois de tanta pancadaria, as pessoas (de ambos os lados do tabuleiro) começaram a se cansar. Dessa forma, nem abriam uma discussão. Como aquela máxima que ouvi certa vez de uma tia, diante de uma barbaridade dita por um parente: “Fique quieto. O médico dele mandou não contrariar”.

Um exemplo desse arrefecimento está na adesão do ex-governador Geraldo Alckmin à chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Houve certa comoção assim que a notícia vazou. Mas isso geraria pano para manga alguns anos atrás, numa discussão muito mais agressiva. Apesar dos ataques mútuos que os separaram no passado, Lula e Alckmin selaram um acordo e estão mudos, esperando que suas equipes acertem os últimos detalhes do acerto. Esse silêncio, aliás, pode ser outra explicação para a letargia em parte dos debates políticos.

Lula, aqui e ali, dá alguns pitacos, mas permanece calado na maior parte do tempo. Suas declarações, por enquanto, servem para agradar o eleitorado de esquerda, que ficou ao seu lado no momento mais duro de sua vida – quando foi encarcerado em Curitiba e acusado de corrupção.

O ex-presidente adota uma estratégia de comedimento verbal se comparado a Bolsonaro, que está falante como nunca. Nesta semana que passou, o presidente se referiu ao nordestino de maneira geral como “pau de arara” (ontem, em Pernambuco, porém, falou em “meu Nordeste”). Eduardo Bolsonaro aproveitou o eventual marasmo para sacudir o cenário político: ele postou um vídeo em suas redes sociais que apontava engenheiras mulheres como a causa da abertura da cratera do metrô paulistano na marginal Tietê.

Em uma eleição, todo o voto conta. Mas Bolsonaro tem números ruins no Nordeste e deixa a desejar junto ao eleitorado feminino. Diante dessa situação, faria mais sentido cortejar esses eleitores. Mas o que se vê é o contrário.

Esse quadro vai perdurar até a eleição?

Possivelmente. Aqueles que não querem Lula ou Bolsonaro parecem ter abdicado do direito de debater. E, se no segundo turno, não houver escolha fora dos extremos, a decisão será tomada silenciosamente – mesmo que seja a contragosto.

É como ouvimos em uma canção dos anos 1960 que voltou a ser comentada nesta semana: “The Sound of Silence”, da dupla Simon & Garfunkel. Começou a circular um post nos grupos de WhatsApp dizendo que a música foi composta em homenagem a Sandy Greenberg, um amigo de Art Garfunkel que ficou cego -- uma história tocante, mas que conflita com outra versão segundo a qual Paul Simon escreveu este sucesso após o assassinato do presidente John Kennedy.

A letra diz:

“And in the naked light I saw/ Ten thousand people, maybe more/ People talking without speaking/ People hearing without listening/ People writing songs that voices never share/ No one dared/ Disturb the sound of silence” (“E na luz fraca eu vi/ Dez mil pessoas, talvez mais/ Gente conversando sem falar/ Gente ouvindo sem escutar/ Pessoas escrevendo canções que jamais serão cantadas/ Ninguém ousa/ perturbar o som do silêncio”).

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