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Teremos desobediência civil durante o Lockdown?

Uma coisa é decretar a quarentena no início de uma pandemia, com a sociedade em estado de pânico absoluto. Outra é criar um toque de recolher com as pessoas com a paciência pela tampa. Vai dar certo?

Rua 25 de Março. (Eduardo Frazão/Exame)
Rua 25 de Março. (Eduardo Frazão/Exame)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 5 de março de 2021 às, 08h12.

Última atualização em 5 de março de 2021 às, 08h19.

A constatação é geral: ninguém aguenta mais a pandemia. As pessoas simplesmente resolveram assumir os riscos e agir como se estivessem em uma situação normal. O único sinal aparente da presença do coronavírus entre nós são as máscaras e o hábito de esfregar as mãos com álcool em gel. Nessa toada, há aglomerações, festas, confraternizações – enfim, tudo o que ajuda a propagar a Covid-19.

Estamos vivendo o rescaldo das festas clandestinas do Carnaval e das concentrações de pessoas que experimentamos no feriado que, em tese, não deveria ter existido. O resultado disso, em São Paulo, é o lockdown que vale a partir de sábado (6), que muitos estão chamando de “lockdoria”.

Uma coisa é decretar a quarentena no início de uma pandemia, com a sociedade em estado de pânico absoluto. Outra é criar um toque de recolher com as pessoas com a paciência pela tampa. Vai dar certo?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares.

Há um sério risco de não funcionar. Poderemos ter em São Paulo uma desobediência civil significativa – tanto em termos de comportamento social como na abertura de estabelecimentos comerciais à revelia da lei. É a união de pessoas que preferem arriscar a própria saúde (e a dos outros) e comerciantes que chegaram ao limite da exaustão financeira.

Essa combinação é explosiva: estamos falando de milhões de pessoas com o sentimento de que nada têm a perder. Não se trata aqui de atacar ou defender este comportamento, apenas de constatá-lo. Se ignorarmos essa eventual conduta social, corremos o risco de tomar decisões erradas.

Vamos supor que exista um grau considerável de desobediência civil. O que fará o governo estadual e a prefeitura?

Resposta: atuará aqui e ali, respondendo a denúncias. Mas, mesmo assim, de forma seletiva. Como se sabe, há pancadões e festas clandestinas rolando adoidado nas comunidades mais pobres de São Paulo. A polícia faz alguma coisa? Não.

Portanto, o lockdown já começa com problemas, uma vez que não valerá para cerca de 2 milhões de paulistanos que vivem nas favelas (de uma população total acima dos 12 milhões). Boa parte desses cidadãos sacudirá no transporte coletivo e interagindo com inúmeros de indivíduos no caminho para o trabalho (vamos esquecer essa farsa de que somente os setores considerados essenciais pelo governo é que vão abrir as portas – muitos escritórios funcionaram durante a primeira quarentena e vão fazê-lo novamente).

E por falar em sacudir em condução pública, a prefeitura deveria pensar duas vezes antes de reduzir a frota de coletivos como fez durante os meses de março e abril de 2020. Como se sabe, as autoridades municipais diminuíram o número de ônibus em circulação no início da pandemia e promoveram aglomerações desnecessárias no transporte público.

Dessa vez, o prefeito Bruno Covas cometerá o mesmo erro?

Vamos torcer para que o número de ônibus seja mantido.

Diante destes senões que a quarentena total levanta não seria a hora de começarmos a discutir uma solução baseada em passaportes de imunização?

Estudo conduzido pelo Imperial College de Londres e publicado em dezembro pela revista EXAME mostra que, naquele mês, 29 % da população paulistana tinham sido contaminados pelo coronavírus. Hoje, em março, não seria um absurdo acreditar que esse percentual esteja em pelo menos 35 % dos habitantes locais. Segundo o vacinômetro do governo de São Paulo, 855 000 pessoas já foram imunizadas no município – cerca de 7 % do total. Dessa forma, teríamos cerca de 42 % das pessoas da cidade teoricamente imunes à pandemia (existe a possibilidade haver alguma sobreposição nesse cálculo, pois alguém que pegou Covid pode ter tomado a Coronavac ou a Oxford).

Não seria o caso de liberarmos a circulação dessas pessoas pela cidade, utilizando a lógica do passaporte da imunização? Com isso, manteríamos em casa aqueles que têm ainda condições de ampliar a contaminação e ganharíamos tempo para que todos sejam vacinados. Essa medida poderia salvar o sistema de saúde do colapso e, ao mesmo tempo, evitar a paralisia econômica do comércio, que tanto vem sofrendo com a pandemia.

Precisamos de alternativas que contemplem os dois lados da equação – a saúde e a economia. Até agora, vivemos um momento “Escolha de Sofia” que tem trazido discussões e ânimos exaltados. Mesmo que o passaporte da imunização não seja uma boa opção, precisamos nos debruçar para então encontrar outro caminho que permita preservar hospitais do colapso e, ao mesmo tempo, não destrua os negócios de comerciantes e empresários de serviços que precisem da presença humana para funcionar.