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Talibã e feminismo: as contradições do mundo atual

Apesar de ser uma involução maligna para afegãs, o domínio talibanês pode gerar conscientização mundial sobre a importância da igualdade

(Getty Images/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2021 às 12h47.

Aluizio Falcão Filho

Nunca a causa feminina teve tantos avanços como nos dias de hoje. Ainda não temos uma plena igualdade entre homens e mulheres, é verdade, mas há uma consciência dominante que os dias de machismo desenfreado ficaram para trás e que o sexo feminino deve ocupar cada vez mais postos de chefia. Apesar disso, o mundo ocidental viu a tomada de poder do Afeganistão pelo Talibã com receio. O que vai acontecer com as mulheres, que no regime anterior levavam uma vida condizente com a qual nós, ocidentais, conhecemos?

Um representante do novo governo já declarou à imprensa que elas poderão estudar e trabalhar. O porta-voz Zabihullah Mujahid disse: “Elas serão muito ativas na sociedade, mas dentro dos moldes do Islã”. O problema está aqui: “dentro dos moldes do Islã”. O que exatamente isso quer dizer?

É muito possível que o Talibã esteja fazendo jogo de cena para angariar simpatias internacionais, usando expressões enigmáticas para que as pessoas interpretem as declarações de seus representantes do jeito que elas desejem. Assim, alguém otimista pode acreditar que tudo ficará como está. Por outro lado, os mais céticos acreditam que os direitos femininos serão severamente arrochados. O estudo, assim, seria permitido até um determinado nível escolar e o trabalho apenas em funções subalternas.

Infelizmente, os incrédulos devem estar mais próximos da realidade que os esperançosos.

A sensação de assombro diante da ascensão do Talibã e a ameaça direta aos direitos das mulheres pode ser traduzida em uma única questão: como isso pode acontecer em pleno século 21?

Este sentimento de estupor fica ainda pior quando lembramos que o retrocesso afegão, lamentavelmente, é a realidade vigente em vários países islâmicos – sem contar o machismo que campeia em praticamente todas as nações orientais. No ocidente, é preciso dizer que os direitos femininos são igualmente desrespeitados por uma minoria conservadora. Para estes indivíduos, as mulheres devem ser submissas e deixar as decisões para os homens.

Esta posição é reforçada por algumas religiões pentecostais, que seguem à risca o que a Bíblia diz, principalmente no Velho Testamento, apontando o homem como o chefe de família e recomendando a subserviência feminina. A ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse no início de seu mandato: “Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro da minha igreja, dentro da minha fé”. A ministra, no entanto, ponderou isso não significaria uma submissão total e que as mulheres não deveriam “abaixar a cabeça para o patrão, para o agressor e para os homens que estão aí”.

Ou seja, pela declaração de Damares, é possível perceber que as manifestações de machismo estão sendo diluídas aos poucos – mesmo entre os chamados evangélicos.

Apesar de ser uma involução maligna para as afegãs, o domínio talibanês sobre o Afeganistão pode gerar uma onda de conscientização mundial sobre a importância de se oferecer mesmos direitos e mesmas condições para homens e mulheres. Pode haver uma onda de solidariedade neste sentido – embora até ontem esse movimento ainda não tenha sido observado.

É bem verdade que os representantes dos gêneros masculino e feminino não são iguais. Há competências que surgem mais em um grupo que no outro, mas isso não é necessariamente uma regra. Um consenso que corre por aí, por exemplo, é sobre a maior aptidão dos homens nas chamadas ciências exatas, em especial no domínio da matemática e da física. Mas, como se pôde ver no filme “Estrelas Além de Seu Tempo”, não fosse a matemática Katherine G. Johnson, a Nasa dificilmente conseguiria finalizar os cálculos para a reentrada da cápsula espacial na atmosfera terrestre durante a primeira fase do programa americano de exploração do cosmos, no início dos anos 1960.

Ao diminuir as mulheres, os talibaneses acabam prisioneiros de seu primarismo e de sua crueldade. Se não aceitarem os sinais dos tempos modernos, viverão eternamente em uma era medieval particular, destilando preconceitos tacanhos e assistindo o desenvolvimento do resto do planeta – apesar de seus esforços terroristas em contrário.

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Aluizio Falcão Filho

Nunca a causa feminina teve tantos avanços como nos dias de hoje. Ainda não temos uma plena igualdade entre homens e mulheres, é verdade, mas há uma consciência dominante que os dias de machismo desenfreado ficaram para trás e que o sexo feminino deve ocupar cada vez mais postos de chefia. Apesar disso, o mundo ocidental viu a tomada de poder do Afeganistão pelo Talibã com receio. O que vai acontecer com as mulheres, que no regime anterior levavam uma vida condizente com a qual nós, ocidentais, conhecemos?

Um representante do novo governo já declarou à imprensa que elas poderão estudar e trabalhar. O porta-voz Zabihullah Mujahid disse: “Elas serão muito ativas na sociedade, mas dentro dos moldes do Islã”. O problema está aqui: “dentro dos moldes do Islã”. O que exatamente isso quer dizer?

É muito possível que o Talibã esteja fazendo jogo de cena para angariar simpatias internacionais, usando expressões enigmáticas para que as pessoas interpretem as declarações de seus representantes do jeito que elas desejem. Assim, alguém otimista pode acreditar que tudo ficará como está. Por outro lado, os mais céticos acreditam que os direitos femininos serão severamente arrochados. O estudo, assim, seria permitido até um determinado nível escolar e o trabalho apenas em funções subalternas.

Infelizmente, os incrédulos devem estar mais próximos da realidade que os esperançosos.

A sensação de assombro diante da ascensão do Talibã e a ameaça direta aos direitos das mulheres pode ser traduzida em uma única questão: como isso pode acontecer em pleno século 21?

Este sentimento de estupor fica ainda pior quando lembramos que o retrocesso afegão, lamentavelmente, é a realidade vigente em vários países islâmicos – sem contar o machismo que campeia em praticamente todas as nações orientais. No ocidente, é preciso dizer que os direitos femininos são igualmente desrespeitados por uma minoria conservadora. Para estes indivíduos, as mulheres devem ser submissas e deixar as decisões para os homens.

Esta posição é reforçada por algumas religiões pentecostais, que seguem à risca o que a Bíblia diz, principalmente no Velho Testamento, apontando o homem como o chefe de família e recomendando a subserviência feminina. A ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse no início de seu mandato: “Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro da minha igreja, dentro da minha fé”. A ministra, no entanto, ponderou isso não significaria uma submissão total e que as mulheres não deveriam “abaixar a cabeça para o patrão, para o agressor e para os homens que estão aí”.

Ou seja, pela declaração de Damares, é possível perceber que as manifestações de machismo estão sendo diluídas aos poucos – mesmo entre os chamados evangélicos.

Apesar de ser uma involução maligna para as afegãs, o domínio talibanês sobre o Afeganistão pode gerar uma onda de conscientização mundial sobre a importância de se oferecer mesmos direitos e mesmas condições para homens e mulheres. Pode haver uma onda de solidariedade neste sentido – embora até ontem esse movimento ainda não tenha sido observado.

É bem verdade que os representantes dos gêneros masculino e feminino não são iguais. Há competências que surgem mais em um grupo que no outro, mas isso não é necessariamente uma regra. Um consenso que corre por aí, por exemplo, é sobre a maior aptidão dos homens nas chamadas ciências exatas, em especial no domínio da matemática e da física. Mas, como se pôde ver no filme “Estrelas Além de Seu Tempo”, não fosse a matemática Katherine G. Johnson, a Nasa dificilmente conseguiria finalizar os cálculos para a reentrada da cápsula espacial na atmosfera terrestre durante a primeira fase do programa americano de exploração do cosmos, no início dos anos 1960.

Ao diminuir as mulheres, os talibaneses acabam prisioneiros de seu primarismo e de sua crueldade. Se não aceitarem os sinais dos tempos modernos, viverão eternamente em uma era medieval particular, destilando preconceitos tacanhos e assistindo o desenvolvimento do resto do planeta – apesar de seus esforços terroristas em contrário.

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