Sobre o caixa dois de Onyx e as contas de Flávio
Fantasiemos, agora, que os episódio tivessem acontecido com um filho de Lula. Ou de Dilma. Ou de Temer. Qual seria a reação das hostes direitistas radicais?
felipegiacomelli
Publicado em 6 de agosto de 2020 às 08h13.
Vamos imaginar que o ano é de 2018 e estamos em meio à corrida eleitoral. Neste cenário de ficção, um dos ministros de Michel Temer diz que usou caixa dois em campanhas passadas. Ou melhor, vamos retroceder mais alguns anos e fantasiar que algum membro de primeiro escalão de Dilma Rousseff ou de Luiz Inácio Lula da Silva tenha admitido a mesma coisa. Qual seria a reação da claque bolsonarista? Virulenta e estrondosa.
Voltemos a 2020. O ministro Onyx Lorenzoni admite que recebeu por fora R$ 300 000 da JBS nas campanhas de 2012 e 2014 e fecha um acordo com a Procuradoria-Geral da República para que não seja condenado, em troca de uma multa de R$ 189 000. Qual a reação das hostes governistas? Silêncio absoluto.
Já que estamos falando sobre os fatos atuais, precisamos também citar entrevista do senador Flávio Bolsonaro ao jornal O Globo, publicada ontem. Questionado sobre o fato de que o ex-assessor Fabricio Queiroz pagava suas contas, Flávio pergunta: “Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”. Ele continua: “Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim”. Diante dessas declarações, é o caso de se fazer algumas perguntas ao senador:
- Não era mais fácil preencher um cheque entregá-lo ao assessor para pagar suas contas?
- Se resolveu sacar o dinheiro e entregá-lo a Queiroz, por que já não pagou as contas no ato?
- Por que tinha dinheiro vivo em casa? Como é que essa quantia foi parar em sua residência?
Fantasiemos, agora, que a mesmíssima coisa tivesse acontecido com um filho de Lula. Ou com a filha de Dilma. Ou de Temer. Qual seria a reação das hostes direitistas radicais? Provavelmente, um escândalo retumbante. O comportamento que se vê, contudo, é uma mistura de indiferença com a tentativa de produzir explicações sem muita convicção, na base do “deixa pra lá”.
Isso tudo ocorre ao mesmo tempo em que há impressão de que se criou um clima de abafamento em cima da Operação Lava-Jato, justamente um dos pilares do discurso de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral – algo que se observa desde a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.
Os casos de Onyx e Flávio mostram que existem dois pesos e duas medidas para julgar suspeitas de irregularidades por parte dos bolsonaristas. No caso dos outros, as suspeitas são interpretadas como certezas. Quando atingem pessoas ligadas ao governo, no entanto, as desconfianças são consideradas injustiças.
Dentro deste contexto, é preciso entender a perspectiva sob a qual Onyx e Flávio, em tese, atuaram.
Praticamente todos os candidatos a cargos eletivos no Brasil, em um momento ou em outro, utilizaram o expediente do caixa dois em suas campanhas (o acordo de Onyx, diga-se, foi firmado dentro dos parâmetros da lei, mas pode ser considerado questionável do ponto de vista moral). E é evidente que, ao receber esses recursos, esses políticos mostraram boa vontade em encaminhar assuntos que interessavam aos doadores em suas atividades parlamentares ou executivas. Isso é óbvio. Ou algum candidato iria dizer “doe seu dinheiro por fora, mas não conte comigo”?
Flávio Bolsonaro é acusado de manter um esquema de “rachadinhas” quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, cuja administração seria de Fabricio Queiroz. Todos concordam que tal prática é ilícita e deve ser combatida. Mas Flávio e Queiroz foram os únicos que se utilizaram de tal expediente na cena política carioca? É claro que não. Essa prática não é apenas comum na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro como também em outras casas parlamentares espalhadas Brasil afora.
Uma frase atribuída a Santo Agostinho diz o seguinte: “O errado é errado, mesmo que todos estejam fazendo. O certo é certo, mesmo que ninguém o faça”. Ou seja, caixa dois e “rachadinha” – mesmo que disseminados – são procedimentos que precisam ser varridos da cena política. E, infelizmente, malfeitos só deixarão de existir com punições severas. Alguém aposta que isso vai acontecer justamente com um ministro irmão-camarada e o filho do presidente?
(pausa)
Pois é. Eu também não.
Vamos imaginar que o ano é de 2018 e estamos em meio à corrida eleitoral. Neste cenário de ficção, um dos ministros de Michel Temer diz que usou caixa dois em campanhas passadas. Ou melhor, vamos retroceder mais alguns anos e fantasiar que algum membro de primeiro escalão de Dilma Rousseff ou de Luiz Inácio Lula da Silva tenha admitido a mesma coisa. Qual seria a reação da claque bolsonarista? Virulenta e estrondosa.
Voltemos a 2020. O ministro Onyx Lorenzoni admite que recebeu por fora R$ 300 000 da JBS nas campanhas de 2012 e 2014 e fecha um acordo com a Procuradoria-Geral da República para que não seja condenado, em troca de uma multa de R$ 189 000. Qual a reação das hostes governistas? Silêncio absoluto.
Já que estamos falando sobre os fatos atuais, precisamos também citar entrevista do senador Flávio Bolsonaro ao jornal O Globo, publicada ontem. Questionado sobre o fato de que o ex-assessor Fabricio Queiroz pagava suas contas, Flávio pergunta: “Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”. Ele continua: “Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim”. Diante dessas declarações, é o caso de se fazer algumas perguntas ao senador:
- Não era mais fácil preencher um cheque entregá-lo ao assessor para pagar suas contas?
- Se resolveu sacar o dinheiro e entregá-lo a Queiroz, por que já não pagou as contas no ato?
- Por que tinha dinheiro vivo em casa? Como é que essa quantia foi parar em sua residência?
Fantasiemos, agora, que a mesmíssima coisa tivesse acontecido com um filho de Lula. Ou com a filha de Dilma. Ou de Temer. Qual seria a reação das hostes direitistas radicais? Provavelmente, um escândalo retumbante. O comportamento que se vê, contudo, é uma mistura de indiferença com a tentativa de produzir explicações sem muita convicção, na base do “deixa pra lá”.
Isso tudo ocorre ao mesmo tempo em que há impressão de que se criou um clima de abafamento em cima da Operação Lava-Jato, justamente um dos pilares do discurso de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral – algo que se observa desde a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.
Os casos de Onyx e Flávio mostram que existem dois pesos e duas medidas para julgar suspeitas de irregularidades por parte dos bolsonaristas. No caso dos outros, as suspeitas são interpretadas como certezas. Quando atingem pessoas ligadas ao governo, no entanto, as desconfianças são consideradas injustiças.
Dentro deste contexto, é preciso entender a perspectiva sob a qual Onyx e Flávio, em tese, atuaram.
Praticamente todos os candidatos a cargos eletivos no Brasil, em um momento ou em outro, utilizaram o expediente do caixa dois em suas campanhas (o acordo de Onyx, diga-se, foi firmado dentro dos parâmetros da lei, mas pode ser considerado questionável do ponto de vista moral). E é evidente que, ao receber esses recursos, esses políticos mostraram boa vontade em encaminhar assuntos que interessavam aos doadores em suas atividades parlamentares ou executivas. Isso é óbvio. Ou algum candidato iria dizer “doe seu dinheiro por fora, mas não conte comigo”?
Flávio Bolsonaro é acusado de manter um esquema de “rachadinhas” quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, cuja administração seria de Fabricio Queiroz. Todos concordam que tal prática é ilícita e deve ser combatida. Mas Flávio e Queiroz foram os únicos que se utilizaram de tal expediente na cena política carioca? É claro que não. Essa prática não é apenas comum na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro como também em outras casas parlamentares espalhadas Brasil afora.
Uma frase atribuída a Santo Agostinho diz o seguinte: “O errado é errado, mesmo que todos estejam fazendo. O certo é certo, mesmo que ninguém o faça”. Ou seja, caixa dois e “rachadinha” – mesmo que disseminados – são procedimentos que precisam ser varridos da cena política. E, infelizmente, malfeitos só deixarão de existir com punições severas. Alguém aposta que isso vai acontecer justamente com um ministro irmão-camarada e o filho do presidente?
(pausa)
Pois é. Eu também não.