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Smartphone, a babá eletrônica onipresente

Pais vêem no aparelhinho (e nos tablets) a salvação para muitos momentos

É só escolher entre um jogo, um vídeo ou um site e a calma se instala (Sally Anscombe/Getty Images)
MA

Marília Almeida

Publicado em 2 de novembro de 2020 às 16h04.

Quando era garoto, a televisão era chamada de “babá eletrônica”, pois parecia exercer um efeito hipnótico nas crianças. Meninos e meninas se reuniam em frente à telinha e deixavam, por alguns instantes, o frenesi típico da infância e agitação física de quem está em fase de crescimento. Os pais agradeciam esses momentos de folga e alguns até estimulavam seus filhos a ficar diante da TV por algumas horas.

Trata-se, no entanto, de um meio de comunicação totalmente unilateral, já que os telespectadores apenas acompanham uma narrativa sem ter condições de interagir com o que estão vendo. E, para piorar, naquele passado longínquo em que se apelava para a babá eletrônica, havia pouquíssimas opções na televisão aberta. Em São Paulo, por exemplo, existiam apenas seis canais à disposição do público durante a década de 1970 – e apenas uma pequena parte da programação era destinada à audiência infantil.

Após a criação do smartphone, porém, tudo mudou. Pais viram no aparelhinho (e nos tablets) a salvação para certos momentos. Estão no restaurante, os pratos estão demorando e a criança está dando trabalho? É só escolher entre um jogo, um vídeo ou um site infantil e a calma se instala na mesa. Na verdade, estamos vivendo uma dependência tão grande dos smartphones que nem esperamos a agitação dos pequenos. Nos adiantamos e colocamos um celular na mão deles.

Conforme essas crianças se aproximam da adolescência, no entanto, o smartphone passa a ser um importante componente desse universo. Alguns anos atrás, as famílias de classe média esperavam seus filhos crescerem um pouco antes de presenteá-los com celulares. Essa idade mínima, no entanto, está diminuindo. Na escola da minha filha, por exemplo, quase todos alunos de dez anos já tinham seus respectivos celulares.

Uma pesquisa do ano passado da Panorama Mobile Box, conduzida com cerca de 1 600 pais e mães, mostrou que 50 % das crianças entre 7 e 9 anos já têm seu próprio smartphone. Ele pode ser novo, de segunda mão, herdado do irmão mais velho, com ou sem linha telefônica – não importa exatamente como o aparelho foi parar na mão do infante. O fato é que, através de qualquer rede de wi-fi, esses usuários mirins estarão conectados à rede, assistindo vídeos, jogando ou interagindo com pessoas.
Ao prover entretenimento quase que infinito e interatividade, o smartphone cria um ambiente virtual no qual crianças e pré-adolescentes podem ficar horas a fio. Diante de tanta opção de conteúdo – daqueles que interessam de fato essa faixa etária – o estado que esses pequenos usuários experimentam é próximo ao da hipnose.

Aqui está o problema.

É bastante cômodo terceirizar o lazer dos filhos para o smartphone. É barato, prático e, em certos momentos, até educativo. Minha filha, por exemplo, adorava dois anos atrás um joguinho chamado “Perguntados”. Enquanto ela brincava, aprendia sobre vários assuntos. Hoje, no entanto, ela passa mais tempo no TikTok – uma rede que, convenhamos, não tem nada de educativa.

Ao deixar as crianças soltas neste playground eletrônico, estamos criando barreiras que serão difíceis de derrubar mais tarde. Especialmente porque várias redes sociais – TikTok incluso – são terreno fértil para o bullying cibernético.

Quando lembramos que nossos filhos estão passando pelo menos cinco horas diárias em frente ao computador por causa do chamado “homeschooling”, isso quer dizer que essas crianças passam de dez a doze horas (ou mais) no ambiente cibernético. A pandemia piora este quadro, pois reduz violentamente a possibilidade de contato físico com os amigos e joga essa geração ainda mais no mundo digital.

Lembro de conversar com um amigo psicólogo, anos atrás, sobre a dificuldade de tirar do meu filho mais velho qualquer tipo de informação sobre o dia dele. Este amigo me perguntou, então, se eu tinha contado ao garoto como havia sido o meu dia. Respondi que não. Ele me sugeriu a fazer isso. Tomar a iniciativa e falar um pouco da minha rotina ajudou. De fato, o diálogo passou a fluir melhor.

Uso a mesma tática com minha filha e isso ajuda. Mas ela já é de uma geração que se entedia rapidamente e precisa de uma conversa que a mantenha sintonizada. Encontramos alguns assuntos e ampliamos o leque de conversas, especialmente depois do horário do jantar. Mas, e durante a tarde inteira, quando não estamos em casa? O que fazer?

A saída talvez seja estimular a leitura de livros ou indicar certos filmes. Mas, de qualquer forma, o efeito não será nem próximo do desejado. Trata-se de um problema que iremos enfrentar mais tarde, quando os efeitos desse isolamento surgirem no futuro. Nesse momento, vamos precisar de muita paciência e tato. Impor a nossa vontade, na marra, não vai resolver nada. E, principalmente, não podemos enxergar a tecnologia como nossa inimiga – e sim encontrar uma fórmula para que ela se transforme em nossa aliada.

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Quando era garoto, a televisão era chamada de “babá eletrônica”, pois parecia exercer um efeito hipnótico nas crianças. Meninos e meninas se reuniam em frente à telinha e deixavam, por alguns instantes, o frenesi típico da infância e agitação física de quem está em fase de crescimento. Os pais agradeciam esses momentos de folga e alguns até estimulavam seus filhos a ficar diante da TV por algumas horas.

Trata-se, no entanto, de um meio de comunicação totalmente unilateral, já que os telespectadores apenas acompanham uma narrativa sem ter condições de interagir com o que estão vendo. E, para piorar, naquele passado longínquo em que se apelava para a babá eletrônica, havia pouquíssimas opções na televisão aberta. Em São Paulo, por exemplo, existiam apenas seis canais à disposição do público durante a década de 1970 – e apenas uma pequena parte da programação era destinada à audiência infantil.

Após a criação do smartphone, porém, tudo mudou. Pais viram no aparelhinho (e nos tablets) a salvação para certos momentos. Estão no restaurante, os pratos estão demorando e a criança está dando trabalho? É só escolher entre um jogo, um vídeo ou um site infantil e a calma se instala na mesa. Na verdade, estamos vivendo uma dependência tão grande dos smartphones que nem esperamos a agitação dos pequenos. Nos adiantamos e colocamos um celular na mão deles.

Conforme essas crianças se aproximam da adolescência, no entanto, o smartphone passa a ser um importante componente desse universo. Alguns anos atrás, as famílias de classe média esperavam seus filhos crescerem um pouco antes de presenteá-los com celulares. Essa idade mínima, no entanto, está diminuindo. Na escola da minha filha, por exemplo, quase todos alunos de dez anos já tinham seus respectivos celulares.

Uma pesquisa do ano passado da Panorama Mobile Box, conduzida com cerca de 1 600 pais e mães, mostrou que 50 % das crianças entre 7 e 9 anos já têm seu próprio smartphone. Ele pode ser novo, de segunda mão, herdado do irmão mais velho, com ou sem linha telefônica – não importa exatamente como o aparelho foi parar na mão do infante. O fato é que, através de qualquer rede de wi-fi, esses usuários mirins estarão conectados à rede, assistindo vídeos, jogando ou interagindo com pessoas.
Ao prover entretenimento quase que infinito e interatividade, o smartphone cria um ambiente virtual no qual crianças e pré-adolescentes podem ficar horas a fio. Diante de tanta opção de conteúdo – daqueles que interessam de fato essa faixa etária – o estado que esses pequenos usuários experimentam é próximo ao da hipnose.

Aqui está o problema.

É bastante cômodo terceirizar o lazer dos filhos para o smartphone. É barato, prático e, em certos momentos, até educativo. Minha filha, por exemplo, adorava dois anos atrás um joguinho chamado “Perguntados”. Enquanto ela brincava, aprendia sobre vários assuntos. Hoje, no entanto, ela passa mais tempo no TikTok – uma rede que, convenhamos, não tem nada de educativa.

Ao deixar as crianças soltas neste playground eletrônico, estamos criando barreiras que serão difíceis de derrubar mais tarde. Especialmente porque várias redes sociais – TikTok incluso – são terreno fértil para o bullying cibernético.

Quando lembramos que nossos filhos estão passando pelo menos cinco horas diárias em frente ao computador por causa do chamado “homeschooling”, isso quer dizer que essas crianças passam de dez a doze horas (ou mais) no ambiente cibernético. A pandemia piora este quadro, pois reduz violentamente a possibilidade de contato físico com os amigos e joga essa geração ainda mais no mundo digital.

Lembro de conversar com um amigo psicólogo, anos atrás, sobre a dificuldade de tirar do meu filho mais velho qualquer tipo de informação sobre o dia dele. Este amigo me perguntou, então, se eu tinha contado ao garoto como havia sido o meu dia. Respondi que não. Ele me sugeriu a fazer isso. Tomar a iniciativa e falar um pouco da minha rotina ajudou. De fato, o diálogo passou a fluir melhor.

Uso a mesma tática com minha filha e isso ajuda. Mas ela já é de uma geração que se entedia rapidamente e precisa de uma conversa que a mantenha sintonizada. Encontramos alguns assuntos e ampliamos o leque de conversas, especialmente depois do horário do jantar. Mas, e durante a tarde inteira, quando não estamos em casa? O que fazer?

A saída talvez seja estimular a leitura de livros ou indicar certos filmes. Mas, de qualquer forma, o efeito não será nem próximo do desejado. Trata-se de um problema que iremos enfrentar mais tarde, quando os efeitos desse isolamento surgirem no futuro. Nesse momento, vamos precisar de muita paciência e tato. Impor a nossa vontade, na marra, não vai resolver nada. E, principalmente, não podemos enxergar a tecnologia como nossa inimiga – e sim encontrar uma fórmula para que ela se transforme em nossa aliada.

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