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Retomada do comércio em São Paulo: nem lá, nem cá

O comércio foi autorizado a abrir. Mas só pode fazê-lo durante quatro horas diárias e fora do horário de pico. O resultado foi shopping centers às moscas

São Paulo: cidade reabriu comércio de rua e shopping centes (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)
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felipegiacomelli

Publicado em 16 de junho de 2020 às 08h33.

Pergunte a qualquer um: qual metáfora é a melhor para definir um político do PSDB ? A comparação que virá imediatamente à cabeça será a de alguém que está permanentemente em cima do muro. Não é à toa que inventaram a gíria “tucanar” – trata-se de um verbo utilizado para definir o ato de falar sobre algo usando subterfúgios linguísticos, enrolando o interlocutor e não dizer coisa com coisa. Um exemplo clássico disso é a descrição de um político do partido para a prática do caixa dois em eleição do passado: "houve um aporte de recursos numa ação paralela de fortalecimento de campanha".

As normas de retomada do comércio no estado de São Paulo mostram que o prefeito Bruno Covas segue a tradição tucana. Os estabelecimentos foram autorizados a abrir. Mas só podem fazê-lo durante quatro horas diárias e fora do horário de pico. O resultado disso foi shopping centers às moscas e lojas vazias, um cenário bem diferente do que se observou, por exemplo, no Rio de Janeiro.

Não se trata, aqui, de defender a abertura irrestrita do comércio – e sim de pensar por que estamos à mercê de decisões que sempre ficam no meio do caminho. Em abril ou no início de maio, não tomamos uma decisão coerente e corajosa – o lockdown – quando os resultados da pandemia estavam longe de ser astronômicos.

Em vez disso, a prefeitura preferiu o muro e criou soluções bizarras. Quando os índices de isolamento social – especialmente na capital paulista – se mostraram frouxos, Covas teve três ideias infelizes em sequência. A primeira foi criar bloqueios em algumas avenidas da cidade para desestimular os habitantes a não sair de suas casas. O resultado foi um congestionamento brutal, que atrapalhou até a movimentação dos ônibus.

Logo após isso, talvez inconformado com a continuação do desrespeito ao isolamento, o prefeito inventou o rodízio expandido de automóveis. Dias pares, carros cuja placa tinha final par podiam circular. Dias ímpares, placas ímpares (ninguém explicou o que ocorreria quando o dia 31 fosse seguido do primeiro do mês seguinte, ambos ímpares, mas vamos deixar isso para lá). Vários analistas alertaram para a possibilidade de aumento no uso do transporte público e de aglomeração. O prefeito preferiu não ouvir. No fundo, outro efeito colateral expôs o ridículo da situação: as pessoas passaram a circular ainda mais nos dias em que tinham permissão, reduzindo a adesão à quarentena.

Finalmente, houve a determinação para que feriados municipais (e vá lá, os estaduais também) fossem antecipados. Mais uma vez, o efeito foi marginal e ainda se criou um problema no último dia 11, quando o mercado financeiro parou (já que não pôde fechar durante a antecipação, dado o curto espaço de tempo para viabilizar a mudança de datas) e todas as empresas estavam trabalhando.

Todas estas medidas mostram que, em São Paulo, tentou-se ao máximo driblar as medidas mais drásticas. E, na prática, tivemos todos o ônus de uma quarentena radical, um brusco freio na economia, sem o seu bônus, um forte achatamento na curva de contágio e um período de platô mais curto. Talvez não fosse melhor ter optado por um lockdown puro e simples, com fortes restrições à circulação de pessoas?

As cidades que, no mundo, passaram por uma proibição mais rígida de circulação conseguiram retomada mais rápida no comércio e observaram uma queda fortíssima nas estatísticas de contágio. Por isso, repete-se a pergunta: não seria o caso de ter enfrentado uma eventual pressão da sociedade e receitar um remédio amargo logo no início do processo?

Hoje, vivemos o outro lado desta situação na reabertura do comércio. É o típico cenário perde-perde, pois ninguém está contente. Os consumidores não estão comprando e os comerciantes estão insatisfeitos. O meio-termo, no fundo, não traz soluções eficazes. É por esta razão que muitos lojistas preferiram manter suas portas cerradas, o que também motivou uma comissão de varejistas a pleitear a volta integral das atividades – o que vai seguramente causar reação negativa por parte da sociedade, que deve usar o exemplo do Rio Grande do Sul. Lá, frise-se, o grande comércio reabriu e foi novamente fechado por decisão das autoridades.

A retomada das lojas, ainda, mostrou que a cidade de São Paulo está rachada ao meio.

O comércio estava fechado e um grupo razoável de pessoas, que flutuou entre 48 % e 54 % do total, ficou em casa e respeitou o isolamento. Desde que as atividades varejistas foram retomadas, esperava-se que as ruas ficassem mais cheias. Só que a população continuou a respeitar o distanciamento na mesmíssima proporção.

Ou seja, as pessoas continuam em casa e não estão reativando a economia. Assim, provavelmente tivesse sido melhor deixar tudo como estava. Mais uma vez, temos o pior dos mundos e fomos levados a esse cenário em função de decisões sem coragem, que procuram ficar no meio do caminho, na base do “não me comprometa”.

Tal comportamento se parece muito com a reposta do ex-presidente americano Bill Clinton quando foi inquirido se fumara maconha na faculdade. Clinton – não à toa um grande amigo do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso – respondeu que sim. Mas ressalvou: “Fumei, mas não traguei”.

A pandemia é o maior problema já enfrentado pela atual geração de brasileiros. E precisa de decisões corajosas. Os cidadãos elegeram líderes que possam resolver desafios como esse. Não para ficar batendo boca com os adversários ou, dependendo do lado, ficar minimizando ou maximizando a crise. O problema é sério.

Temos mais de 40 000 mortos, a segunda maior marca mundial. Não importa muito se estamos bem naquele ranking de vítimas por milhão de habitantes (e a posição, de fato, mostra que proporcionalmente, há menos mortos no Brasil que em várias nações). Temos hoje uma combinação perversa: recorde de fatalidades e economia parada. Para encontrar saídas, o Brasil precisa de coerência e até utilizar medidas amargas em nome da ciência. Mas não podemos brandir a bandeira científica, de um lado, e, de outro, ficarmos no meio do caminho para fazer política. Quem quer agradar a muitos acaba desagradando a todos. E essa conta será cobrada nas próximas eleições.

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Pergunte a qualquer um: qual metáfora é a melhor para definir um político do PSDB ? A comparação que virá imediatamente à cabeça será a de alguém que está permanentemente em cima do muro. Não é à toa que inventaram a gíria “tucanar” – trata-se de um verbo utilizado para definir o ato de falar sobre algo usando subterfúgios linguísticos, enrolando o interlocutor e não dizer coisa com coisa. Um exemplo clássico disso é a descrição de um político do partido para a prática do caixa dois em eleição do passado: "houve um aporte de recursos numa ação paralela de fortalecimento de campanha".

As normas de retomada do comércio no estado de São Paulo mostram que o prefeito Bruno Covas segue a tradição tucana. Os estabelecimentos foram autorizados a abrir. Mas só podem fazê-lo durante quatro horas diárias e fora do horário de pico. O resultado disso foi shopping centers às moscas e lojas vazias, um cenário bem diferente do que se observou, por exemplo, no Rio de Janeiro.

Não se trata, aqui, de defender a abertura irrestrita do comércio – e sim de pensar por que estamos à mercê de decisões que sempre ficam no meio do caminho. Em abril ou no início de maio, não tomamos uma decisão coerente e corajosa – o lockdown – quando os resultados da pandemia estavam longe de ser astronômicos.

Em vez disso, a prefeitura preferiu o muro e criou soluções bizarras. Quando os índices de isolamento social – especialmente na capital paulista – se mostraram frouxos, Covas teve três ideias infelizes em sequência. A primeira foi criar bloqueios em algumas avenidas da cidade para desestimular os habitantes a não sair de suas casas. O resultado foi um congestionamento brutal, que atrapalhou até a movimentação dos ônibus.

Logo após isso, talvez inconformado com a continuação do desrespeito ao isolamento, o prefeito inventou o rodízio expandido de automóveis. Dias pares, carros cuja placa tinha final par podiam circular. Dias ímpares, placas ímpares (ninguém explicou o que ocorreria quando o dia 31 fosse seguido do primeiro do mês seguinte, ambos ímpares, mas vamos deixar isso para lá). Vários analistas alertaram para a possibilidade de aumento no uso do transporte público e de aglomeração. O prefeito preferiu não ouvir. No fundo, outro efeito colateral expôs o ridículo da situação: as pessoas passaram a circular ainda mais nos dias em que tinham permissão, reduzindo a adesão à quarentena.

Finalmente, houve a determinação para que feriados municipais (e vá lá, os estaduais também) fossem antecipados. Mais uma vez, o efeito foi marginal e ainda se criou um problema no último dia 11, quando o mercado financeiro parou (já que não pôde fechar durante a antecipação, dado o curto espaço de tempo para viabilizar a mudança de datas) e todas as empresas estavam trabalhando.

Todas estas medidas mostram que, em São Paulo, tentou-se ao máximo driblar as medidas mais drásticas. E, na prática, tivemos todos o ônus de uma quarentena radical, um brusco freio na economia, sem o seu bônus, um forte achatamento na curva de contágio e um período de platô mais curto. Talvez não fosse melhor ter optado por um lockdown puro e simples, com fortes restrições à circulação de pessoas?

As cidades que, no mundo, passaram por uma proibição mais rígida de circulação conseguiram retomada mais rápida no comércio e observaram uma queda fortíssima nas estatísticas de contágio. Por isso, repete-se a pergunta: não seria o caso de ter enfrentado uma eventual pressão da sociedade e receitar um remédio amargo logo no início do processo?

Hoje, vivemos o outro lado desta situação na reabertura do comércio. É o típico cenário perde-perde, pois ninguém está contente. Os consumidores não estão comprando e os comerciantes estão insatisfeitos. O meio-termo, no fundo, não traz soluções eficazes. É por esta razão que muitos lojistas preferiram manter suas portas cerradas, o que também motivou uma comissão de varejistas a pleitear a volta integral das atividades – o que vai seguramente causar reação negativa por parte da sociedade, que deve usar o exemplo do Rio Grande do Sul. Lá, frise-se, o grande comércio reabriu e foi novamente fechado por decisão das autoridades.

A retomada das lojas, ainda, mostrou que a cidade de São Paulo está rachada ao meio.

O comércio estava fechado e um grupo razoável de pessoas, que flutuou entre 48 % e 54 % do total, ficou em casa e respeitou o isolamento. Desde que as atividades varejistas foram retomadas, esperava-se que as ruas ficassem mais cheias. Só que a população continuou a respeitar o distanciamento na mesmíssima proporção.

Ou seja, as pessoas continuam em casa e não estão reativando a economia. Assim, provavelmente tivesse sido melhor deixar tudo como estava. Mais uma vez, temos o pior dos mundos e fomos levados a esse cenário em função de decisões sem coragem, que procuram ficar no meio do caminho, na base do “não me comprometa”.

Tal comportamento se parece muito com a reposta do ex-presidente americano Bill Clinton quando foi inquirido se fumara maconha na faculdade. Clinton – não à toa um grande amigo do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso – respondeu que sim. Mas ressalvou: “Fumei, mas não traguei”.

A pandemia é o maior problema já enfrentado pela atual geração de brasileiros. E precisa de decisões corajosas. Os cidadãos elegeram líderes que possam resolver desafios como esse. Não para ficar batendo boca com os adversários ou, dependendo do lado, ficar minimizando ou maximizando a crise. O problema é sério.

Temos mais de 40 000 mortos, a segunda maior marca mundial. Não importa muito se estamos bem naquele ranking de vítimas por milhão de habitantes (e a posição, de fato, mostra que proporcionalmente, há menos mortos no Brasil que em várias nações). Temos hoje uma combinação perversa: recorde de fatalidades e economia parada. Para encontrar saídas, o Brasil precisa de coerência e até utilizar medidas amargas em nome da ciência. Mas não podemos brandir a bandeira científica, de um lado, e, de outro, ficarmos no meio do caminho para fazer política. Quem quer agradar a muitos acaba desagradando a todos. E essa conta será cobrada nas próximas eleições.

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