Rei morto, rei posto?
Hoje, quase na véspera da posse dos parlamentares eleitos, vê-se que o cenário para Lula não é tão ruim como se previra
Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2023 às 11h35.
Aluizio Falcão Filho
Quando os resultados do primeiro turno da eleição de 2022 foram anunciados e pudemos ver qual seria o próximo Congresso, houve duas certezas. Se o presidente escolhido fosse Jair Bolsonaro, o governo contaria com uma sólida maioria conservadora na Câmara Federal e teria obtido avanços consideráveis no número de suas cadeiras do Senado. Caso o vencedor fosse Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, a nova administração iria lidar com uma ferrenha oposição entre os deputados federais – a começar pelo presidente da Casa, Arthur Lira, que já naquele momento despontava como favorito à reeleição.
Hoje, quase na véspera da posse dos parlamentares eleitos, vê-se que o cenário para Lula não é tão ruim como se previra. Embora a esquerda controle apenas um quarto das 513 cadeiras da Câmara, percebe-se um número cada vez maior de políticos ligados ao Centrão que se aproxima do governo e está disposto a conversar (leia-se: negociar cargos e verbas).
Este panorama começou a ser desenhado ainda no dia em que se fechou o Segundo Turno do pleito presidencial. Arthur Lira rapidamente reconheceu a vitória do PT e estabeleceu um canal de comunicação direto com Lula. E colaborou explicitamente com o novo governo ao ajudar na votação da PEC orçamentária.
Mas, nos últimos dias, Arthur Lira parece não estar tão sintonizado com o novo governo como antes. Ele está agindo discretamente, pois quer construir uma maioria acachapante de votos em sua recondução à presidência da Câmara. O objetivo é ambicioso: ultrapassar a marca de 500 votos em um universo de 513.
Seu discurso de posse será um divisor de águas e mostrará de fato qual será seu comportamento em relação ao novo governo daqui para a frente – se sua postura será contra (de forma agressiva ou moderada) ou a favor da nova administração.
Os petistas acompanham as oscilações de humor de Lira com atenção. Afinal, a queda de Dilma Rousseff foi uma lição amarga para a esquerda e mostrou claramente o que pode acontecer quando o Planalto fica em antagonismo escancarado com a presidência da Câmara. Recordando: Dilma tentou bombardear, desde o início, a candidatura de Eduardo Cunha ao posto mais alto da mesa diretora dos deputados. Quando Cunha venceu, os desentendimentos continuaram e até se acirraram. O resultado deste confronto foi o encaminhamento do pedido de impeachment da presidente ao plenário.
Se Dilma tivesse se desentendido apenas com Cunha, haveria uma chance de o PT continuar no poder. Mas o governo havia provocado um cenário ruim na economia, com estagflação, e descumprido vários acordos com sua base aliada. A consequência foi trágica para os petistas: Dilma não conseguiu nem 172 votos para barrar o rito do impedimento, o equivalente a um terço das cadeiras da Câmara (houve apenas 137 votos contra o processo).
A lembrança de Eduardo Cunha está viva na memória do núcleo duro do governo. Por isso, Lula, desde o ano passado, quer uma aproximação com Arthur Lira e tenta consolidar uma relação que parecia improvável durante a campanha eleitoral.
A maioria esmagadora dos políticos é capaz de sobrepor o pragmatismo à ideologia – e esquecer o passado rapidamente (o vice-presidente Geraldo Alckmin é um exemplo disso) em função de um novo projeto de poder. Sabe-se que os deputados dependem da boa vontade federal para liberar projetos que beneficiam suas bases eleitorais, especialmente aqueles filiados ao Centrão. Não é à toa, assim, que Lula esteja costurando silenciosamente o apoio dos centristas desde antes da posse (apesar de ter escorregado ao chamar o ex-presidente Michel Temer de “golpista” e se indispor com parte do MDB – que, diga-se, está em seu grupo de apoio).
Esse movimento do Centrão em direção de Lula pode ser resumido em um só clichê: “Rei morto, rei posto”. Embora muitos políticos tenham sido eleitos com base em sua aproximação com Bolsonaro, quem decide a liberação de cargos e de determinadas verbas, agora, é Lula. Dessa forma, o pragmatismo acaba falando mais alto.
Esse é o nome do jogo há muito tempo. A política ideológica vai, assim, perdendo espaço para o fisiologismo. Talvez, no futuro, cheguemos a uma condição melhor, na qual os ideais políticos possam interferir, de alguma forma, no tabuleiro das negociações parlamentares. “O idealismo sem pragmatismo é impotente; pragmatismo sem idealismo é inútil. A chave para a liderança efetiva é o idealismo pragmático”, disse nos anos 1970 o ex-presidente americano Richard Nixon.
A frase é boa, mas o autor não chegou a empregá-la nos anos finais de sua carreira – Nixon sofreu um processo de impeachment pelo Congresso americano em função do escândalo Watergate e acabou renunciando à presidência em 1974.
Aluizio Falcão Filho
Quando os resultados do primeiro turno da eleição de 2022 foram anunciados e pudemos ver qual seria o próximo Congresso, houve duas certezas. Se o presidente escolhido fosse Jair Bolsonaro, o governo contaria com uma sólida maioria conservadora na Câmara Federal e teria obtido avanços consideráveis no número de suas cadeiras do Senado. Caso o vencedor fosse Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, a nova administração iria lidar com uma ferrenha oposição entre os deputados federais – a começar pelo presidente da Casa, Arthur Lira, que já naquele momento despontava como favorito à reeleição.
Hoje, quase na véspera da posse dos parlamentares eleitos, vê-se que o cenário para Lula não é tão ruim como se previra. Embora a esquerda controle apenas um quarto das 513 cadeiras da Câmara, percebe-se um número cada vez maior de políticos ligados ao Centrão que se aproxima do governo e está disposto a conversar (leia-se: negociar cargos e verbas).
Este panorama começou a ser desenhado ainda no dia em que se fechou o Segundo Turno do pleito presidencial. Arthur Lira rapidamente reconheceu a vitória do PT e estabeleceu um canal de comunicação direto com Lula. E colaborou explicitamente com o novo governo ao ajudar na votação da PEC orçamentária.
Mas, nos últimos dias, Arthur Lira parece não estar tão sintonizado com o novo governo como antes. Ele está agindo discretamente, pois quer construir uma maioria acachapante de votos em sua recondução à presidência da Câmara. O objetivo é ambicioso: ultrapassar a marca de 500 votos em um universo de 513.
Seu discurso de posse será um divisor de águas e mostrará de fato qual será seu comportamento em relação ao novo governo daqui para a frente – se sua postura será contra (de forma agressiva ou moderada) ou a favor da nova administração.
Os petistas acompanham as oscilações de humor de Lira com atenção. Afinal, a queda de Dilma Rousseff foi uma lição amarga para a esquerda e mostrou claramente o que pode acontecer quando o Planalto fica em antagonismo escancarado com a presidência da Câmara. Recordando: Dilma tentou bombardear, desde o início, a candidatura de Eduardo Cunha ao posto mais alto da mesa diretora dos deputados. Quando Cunha venceu, os desentendimentos continuaram e até se acirraram. O resultado deste confronto foi o encaminhamento do pedido de impeachment da presidente ao plenário.
Se Dilma tivesse se desentendido apenas com Cunha, haveria uma chance de o PT continuar no poder. Mas o governo havia provocado um cenário ruim na economia, com estagflação, e descumprido vários acordos com sua base aliada. A consequência foi trágica para os petistas: Dilma não conseguiu nem 172 votos para barrar o rito do impedimento, o equivalente a um terço das cadeiras da Câmara (houve apenas 137 votos contra o processo).
A lembrança de Eduardo Cunha está viva na memória do núcleo duro do governo. Por isso, Lula, desde o ano passado, quer uma aproximação com Arthur Lira e tenta consolidar uma relação que parecia improvável durante a campanha eleitoral.
A maioria esmagadora dos políticos é capaz de sobrepor o pragmatismo à ideologia – e esquecer o passado rapidamente (o vice-presidente Geraldo Alckmin é um exemplo disso) em função de um novo projeto de poder. Sabe-se que os deputados dependem da boa vontade federal para liberar projetos que beneficiam suas bases eleitorais, especialmente aqueles filiados ao Centrão. Não é à toa, assim, que Lula esteja costurando silenciosamente o apoio dos centristas desde antes da posse (apesar de ter escorregado ao chamar o ex-presidente Michel Temer de “golpista” e se indispor com parte do MDB – que, diga-se, está em seu grupo de apoio).
Esse movimento do Centrão em direção de Lula pode ser resumido em um só clichê: “Rei morto, rei posto”. Embora muitos políticos tenham sido eleitos com base em sua aproximação com Bolsonaro, quem decide a liberação de cargos e de determinadas verbas, agora, é Lula. Dessa forma, o pragmatismo acaba falando mais alto.
Esse é o nome do jogo há muito tempo. A política ideológica vai, assim, perdendo espaço para o fisiologismo. Talvez, no futuro, cheguemos a uma condição melhor, na qual os ideais políticos possam interferir, de alguma forma, no tabuleiro das negociações parlamentares. “O idealismo sem pragmatismo é impotente; pragmatismo sem idealismo é inútil. A chave para a liderança efetiva é o idealismo pragmático”, disse nos anos 1970 o ex-presidente americano Richard Nixon.
A frase é boa, mas o autor não chegou a empregá-la nos anos finais de sua carreira – Nixon sofreu um processo de impeachment pelo Congresso americano em função do escândalo Watergate e acabou renunciando à presidência em 1974.