Realidades paralelas: quando a versão é mais importante que o fato
É como se estivéssemos em um episódio do seriado “The Twilight Zone” e fôssemos cruzar outra dimensão para visitar uma realidade alternativa
Da Redação
Publicado em 26 de agosto de 2021 às 16h02.
Por Aluizio Falcão Filho
Navegar pelas redes sociais é uma tarefa difícil, especialmente para quem tem conhecidos em todas as matizes ideológicas, como eu. Tirando alguns rompantes de impaciência (ninguém é perfeito), costumo ouvir mais do que me manifestar e tentar o contraponto com respeito. A essa altura da vida – especialmente depois da pandemia –, tenho algumas convicções e muitas dúvidas. Escolho as minhas brigas e não entro em qualquer discussão. Isso me torna uma pessoa ouvida pelos amigos. Eles podem até não concordar comigo, o que é frequente, mas há pelo menos certa disposição para escutar minhas opiniões.
No universo digital, procuro observar e entender o que se passa dentro dos corações e mentes de quem interage comigo neste balaio tecnológico. E, mais do que nunca, estamos chegando a um ponto no qual é possível se distinguir dois grupos muito específicos que atuam na rede. São pessoas tão sintonizadas entre si que se parecem se comunicar em uníssono.
Na verdade, parece que estamos orbitando entre duas realidades paralelas. É como se estivéssemos em um episódio do seriado “The Twilight Zone” (“Além da Imaginação”) e fôssemos cruzar outra dimensão para visitar uma realidade alternativa.
Num desses planetas, por exemplo, Roberto Jefferson é um paladino da Justiça, Sérgio Reis é um gênio da música e Abraham Weintraub é um técnico injustiçado que vai ganhar a eleição para o Palácio dos Bandeirantes. No mesmo quadrante, um golpe de Estado é inevitável. Mas será perpetrado através de um ato institucional previsto pela Constituição e ocorrerá para o bem do país, uma vez que o Congresso e o Judiciário estão levando o Brasil para o buraco.
Em outro mundo, o PT nunca roubou dinheiro público, todos apoiadores do governo são terraplanistas e Jair Bolsonaro está a dois passos de um impeachment. Para os habitantes desta dimensão, um golpe é também inevitável, dada a natureza antidemocrática do presidente. Dessa forma, o único jeito de desarmá-lo é através do impedimento.
Trata-se de um fenômeno interessante. Muitos daqueles que reclamaram que Dilma Rousseff foi derrubada por um motivo torpe (as chamadas pedaladas fiscais) hoje torcem para qualquer justificativa que tire Bolsonaro do poder. Ou seja, a bronca, mesmo, não era por causa do tal motivo torpe – e sim havia uma torcida para que Dilma ficasse no Planalto.
Essa discussão ainda apresenta dois pontos paradoxais: de um lado, os extremistas que defendem o governo querem, à sua maneira, salvar a democracia através do golpe. Já os oposicionistas querem defender a democracia através do impeachment.
Isso me lembra uma faixa que vi em Washington, durante manifestação contra uma das guerras que os Estados Unidos se meteram no Oriente Médio. Ela dizia: “bombing for peace is like fucking for virginity” (melhor não traduzir).
Em relação à pandemia, este mundo também está dividido. Temos os chamados negacionistas que evocam argumentos racionais para justificar suas posições: vacinas foram aprovadas em caráter provisório e o número de mortes pela Covid-19 é inflado pela Esquerda. Os que se dizem adeptos da ciência, porém, são contra a abertura do comércio e preferem deixar a economia sofrendo em segundo plano.
Se nem os cientistas se entendem e ainda não conseguiram compreender que leva à morte pessoas saudáveis e indivíduos com comorbidades são poupados, o que esperar dos leigos que duelam até cansar nas redes sociais?
Existe, porém, um ponto de intersecção. Aquela região na qual há uma convergência, embora com motivos diferentes – trata-se do papel da imprensa. O presidente Bolsonaro diz que os veículos de comunicação falam mal dele porque a Secretaria de Comunicação não dá mais dinheiro a jornais, editoras e emissoras sob a forma de anúncios. E Luiz Inácio Lula da Silva, o que acha? Alguns dias atrás, afirmou que o governo deveria regulamentar os meios de comunicação. Na lista de desejos destas duas realidades paralelas, há um denominador em comum: o incômodo com as críticas e a vontade de se calar os jornalistas.
Essas duas ilhas que vivem realidades concorrentes, no entanto, não abrigam a maioria das pessoas. A maior parte dos indivíduos vive bombardeado pelos dois lados e, em muitos casos, nem presta atenção aos extremos, pois a vida real demanda atenção e cuidados. O problema é que os atores mais extremados dessa ópera-bufa acreditam ter o direito divino de espalhar fake news e distorcer a realidade, infernizando quem não aguenta mais ter de retrucar falsos argumentos. É preciso dar um basta a tudo isso. Chega de realidades paralelas. Chega de fake news. Chega de extremos.
Por Aluizio Falcão Filho
Navegar pelas redes sociais é uma tarefa difícil, especialmente para quem tem conhecidos em todas as matizes ideológicas, como eu. Tirando alguns rompantes de impaciência (ninguém é perfeito), costumo ouvir mais do que me manifestar e tentar o contraponto com respeito. A essa altura da vida – especialmente depois da pandemia –, tenho algumas convicções e muitas dúvidas. Escolho as minhas brigas e não entro em qualquer discussão. Isso me torna uma pessoa ouvida pelos amigos. Eles podem até não concordar comigo, o que é frequente, mas há pelo menos certa disposição para escutar minhas opiniões.
No universo digital, procuro observar e entender o que se passa dentro dos corações e mentes de quem interage comigo neste balaio tecnológico. E, mais do que nunca, estamos chegando a um ponto no qual é possível se distinguir dois grupos muito específicos que atuam na rede. São pessoas tão sintonizadas entre si que se parecem se comunicar em uníssono.
Na verdade, parece que estamos orbitando entre duas realidades paralelas. É como se estivéssemos em um episódio do seriado “The Twilight Zone” (“Além da Imaginação”) e fôssemos cruzar outra dimensão para visitar uma realidade alternativa.
Num desses planetas, por exemplo, Roberto Jefferson é um paladino da Justiça, Sérgio Reis é um gênio da música e Abraham Weintraub é um técnico injustiçado que vai ganhar a eleição para o Palácio dos Bandeirantes. No mesmo quadrante, um golpe de Estado é inevitável. Mas será perpetrado através de um ato institucional previsto pela Constituição e ocorrerá para o bem do país, uma vez que o Congresso e o Judiciário estão levando o Brasil para o buraco.
Em outro mundo, o PT nunca roubou dinheiro público, todos apoiadores do governo são terraplanistas e Jair Bolsonaro está a dois passos de um impeachment. Para os habitantes desta dimensão, um golpe é também inevitável, dada a natureza antidemocrática do presidente. Dessa forma, o único jeito de desarmá-lo é através do impedimento.
Trata-se de um fenômeno interessante. Muitos daqueles que reclamaram que Dilma Rousseff foi derrubada por um motivo torpe (as chamadas pedaladas fiscais) hoje torcem para qualquer justificativa que tire Bolsonaro do poder. Ou seja, a bronca, mesmo, não era por causa do tal motivo torpe – e sim havia uma torcida para que Dilma ficasse no Planalto.
Essa discussão ainda apresenta dois pontos paradoxais: de um lado, os extremistas que defendem o governo querem, à sua maneira, salvar a democracia através do golpe. Já os oposicionistas querem defender a democracia através do impeachment.
Isso me lembra uma faixa que vi em Washington, durante manifestação contra uma das guerras que os Estados Unidos se meteram no Oriente Médio. Ela dizia: “bombing for peace is like fucking for virginity” (melhor não traduzir).
Em relação à pandemia, este mundo também está dividido. Temos os chamados negacionistas que evocam argumentos racionais para justificar suas posições: vacinas foram aprovadas em caráter provisório e o número de mortes pela Covid-19 é inflado pela Esquerda. Os que se dizem adeptos da ciência, porém, são contra a abertura do comércio e preferem deixar a economia sofrendo em segundo plano.
Se nem os cientistas se entendem e ainda não conseguiram compreender que leva à morte pessoas saudáveis e indivíduos com comorbidades são poupados, o que esperar dos leigos que duelam até cansar nas redes sociais?
Existe, porém, um ponto de intersecção. Aquela região na qual há uma convergência, embora com motivos diferentes – trata-se do papel da imprensa. O presidente Bolsonaro diz que os veículos de comunicação falam mal dele porque a Secretaria de Comunicação não dá mais dinheiro a jornais, editoras e emissoras sob a forma de anúncios. E Luiz Inácio Lula da Silva, o que acha? Alguns dias atrás, afirmou que o governo deveria regulamentar os meios de comunicação. Na lista de desejos destas duas realidades paralelas, há um denominador em comum: o incômodo com as críticas e a vontade de se calar os jornalistas.
Essas duas ilhas que vivem realidades concorrentes, no entanto, não abrigam a maioria das pessoas. A maior parte dos indivíduos vive bombardeado pelos dois lados e, em muitos casos, nem presta atenção aos extremos, pois a vida real demanda atenção e cuidados. O problema é que os atores mais extremados dessa ópera-bufa acreditam ter o direito divino de espalhar fake news e distorcer a realidade, infernizando quem não aguenta mais ter de retrucar falsos argumentos. É preciso dar um basta a tudo isso. Chega de realidades paralelas. Chega de fake news. Chega de extremos.