Quanto maior o Estado maiores serão a roubalheira e os privilégios
A figura do Estado paterno, que cuidará da sociedade, tem grande apelo junto a sociedade brasileira
André Martins
Publicado em 5 de fevereiro de 2021 às 10h23.
A figura do Estado paterno, que cuidará da sociedade, tem grande apelo junto a sociedade brasileira. Este apetite por grandes estruturas públicas tem raízes históricas e se popularizou de vez durante a ditadura de Getúlio Vargas, período no qual estatais de porte foram criadas e se iniciou um processo de interferência sem fim do governo na vida das empresas privadas. Um pouco mais à frente, tivermos o Estado investidor, nos anos Juscelino Kubistchek, e uma febre regulatória sem fim nos mandatos militares de Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. Com a redemocratização, o Estado forte continuou a dar as cartas e foi endeusado na Constituição de 1988.
De lá para cá, essa mentalidade antimercado foi contestada poucas vezes. Fernando Collor, o presidente que sofreu impeachment e volta e meia enfrenta acusações de corrupção como senador, atacou o nó estatal de regulamentações quando permitiu importações, contrariando uma diretriz imposta por Geisel, e ao cancelar a Lei de Reserva de Mercado de Informática (para os mais novos: durante vários anos o Brasil não pôde importar computadores e softwares do exterior, seguindo regras surgidas na década de 1970 e oficializadas por Figueiredo em 1984).
Durante o comando de Fernando Henrique Cardoso, houve outro arroubo: o programa de privatizações, o mais ambicioso do Brasil e curiosamente realizado na gestão de um sociólogo cujo pensamento tinha raízes na esquerda europeia. Por fim, no início do governo Jair Bolsonaro, tivemos uma grande movimentação para se estabelecer uma agenda liberal no país. Hoje, no entanto, vê-se que esses planos ficaram apenas no campo das ideias e até hoje, mais de dois anos após a posse do presidente, nenhuma estatal foi privatizada.
Esse atraso na agenda de privatizações não pode ser creditada a quem, em tese, era o responsável pela agenda anti-estatizante, o ex-secretário Salim Mattar. Ele conseguiu emagrecer o Estado ao vender ações de empresas e propriedades imobiliárias. Mas enfrentou enormes resistências dentro da burocracia brasiliense para vender empresas públicas. Diante disso, Mattar resolveu deixar o governo e trabalhar por suas propostas liberais de maneiras mais produtivas.
Há inúmeros benefícios em termos um Estado enxuto.
Com um custo menor, os impostos podem ser reduzidos. Assim, teremos mais capital para investir no setor produtivo, para o consumo e para elevar a poupança interna. Com menor pressão para rolar a dívida interna, os juros podem se estabilizar em um patamar baixo por muito tempo, facilitando o crédito. Tudo isso faz girar melhor a roda da economia, gerando empregos e aumentando a renda média do brasileiro. Com um estado mais magro, sobram até mais recursos para programas sociais, como o Bolsa Família, que se tornou uma espécie de vaca sagrada da política brasileira, pois não sofre questionamentos de ninguém, nem mesmo dos economistas de direita que hoje fazem parte da equipe econômica.
Somente isso já seria um fator inquestionável para emagrecermos o paquiderme estatal e desafrouxarmos os nós das regras que oprimem os empresários nacionais – lembrando que essa mesma barafunda de regras também afeta as micro e pequenas empresas, que respondem por 52 % dos empregos com carteira assinada no setor privado.
Mas há outros dois fatores importantíssimos para bater nessa tecla.
O primeiro é coibir a roubalheira. Quanto maior o Estado, maior será a verba pública manipulada por poucas pessoas. Nessas estruturas como a brasileira, uma canetada pode gerar lucros astronômicos a quem tem os melhores contatos. Pode-se argumentar que as autoridades contam com mecanismos de governança para reprimir atos de corrupção. Isso é até verdade. Mas a engenhosidade dos larápios se sobrepõe facilmente à lei e boa parte dos crimes contra o Tesouro foram cometidos a partir de licitações perfeitamente legais e de acordo com todas as regras de compliance. Um dos maiores escândalos do Brasil, o do Petrolão, existiria se a Petrobras tivesse sido privatizada? Dificilmente. O mesmo vale para inúmeros outros casos de gatunagem, motivados simplesmente pela ganância que brota em quem pode influenciar a assinatura de um contrato generoso.
O Estado grande, em algumas situações, pode não gerar necessariamente atos seguidos de corrupção. Mas tem condição de conceder privilégios. Isso pôde ser observado ao longo das grandes obras estatais no país, quando muitos favores foram pagos com subcontratos e terceirizações.
Além de um Estado adequado às necessidades da Nação, é preciso ter regras que evitem o furto do Erário e leis que punam severamente os prevaricadores. Sem isso, qualquer esforço em mitigar a corrupção é inócuo. Infelizmente, ainda temos entre alguns de nós uma mentalidade voltada para o dinheiro fácil e a malandragem. Isso já foi muito pior, é claro, mas ainda lidamos com este desafio – o de formar uma sociedade consciente com lisura, transparência e respeito ao patrimônio público.
A figura do Estado paterno, que cuidará da sociedade, tem grande apelo junto a sociedade brasileira. Este apetite por grandes estruturas públicas tem raízes históricas e se popularizou de vez durante a ditadura de Getúlio Vargas, período no qual estatais de porte foram criadas e se iniciou um processo de interferência sem fim do governo na vida das empresas privadas. Um pouco mais à frente, tivermos o Estado investidor, nos anos Juscelino Kubistchek, e uma febre regulatória sem fim nos mandatos militares de Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. Com a redemocratização, o Estado forte continuou a dar as cartas e foi endeusado na Constituição de 1988.
De lá para cá, essa mentalidade antimercado foi contestada poucas vezes. Fernando Collor, o presidente que sofreu impeachment e volta e meia enfrenta acusações de corrupção como senador, atacou o nó estatal de regulamentações quando permitiu importações, contrariando uma diretriz imposta por Geisel, e ao cancelar a Lei de Reserva de Mercado de Informática (para os mais novos: durante vários anos o Brasil não pôde importar computadores e softwares do exterior, seguindo regras surgidas na década de 1970 e oficializadas por Figueiredo em 1984).
Durante o comando de Fernando Henrique Cardoso, houve outro arroubo: o programa de privatizações, o mais ambicioso do Brasil e curiosamente realizado na gestão de um sociólogo cujo pensamento tinha raízes na esquerda europeia. Por fim, no início do governo Jair Bolsonaro, tivemos uma grande movimentação para se estabelecer uma agenda liberal no país. Hoje, no entanto, vê-se que esses planos ficaram apenas no campo das ideias e até hoje, mais de dois anos após a posse do presidente, nenhuma estatal foi privatizada.
Esse atraso na agenda de privatizações não pode ser creditada a quem, em tese, era o responsável pela agenda anti-estatizante, o ex-secretário Salim Mattar. Ele conseguiu emagrecer o Estado ao vender ações de empresas e propriedades imobiliárias. Mas enfrentou enormes resistências dentro da burocracia brasiliense para vender empresas públicas. Diante disso, Mattar resolveu deixar o governo e trabalhar por suas propostas liberais de maneiras mais produtivas.
Há inúmeros benefícios em termos um Estado enxuto.
Com um custo menor, os impostos podem ser reduzidos. Assim, teremos mais capital para investir no setor produtivo, para o consumo e para elevar a poupança interna. Com menor pressão para rolar a dívida interna, os juros podem se estabilizar em um patamar baixo por muito tempo, facilitando o crédito. Tudo isso faz girar melhor a roda da economia, gerando empregos e aumentando a renda média do brasileiro. Com um estado mais magro, sobram até mais recursos para programas sociais, como o Bolsa Família, que se tornou uma espécie de vaca sagrada da política brasileira, pois não sofre questionamentos de ninguém, nem mesmo dos economistas de direita que hoje fazem parte da equipe econômica.
Somente isso já seria um fator inquestionável para emagrecermos o paquiderme estatal e desafrouxarmos os nós das regras que oprimem os empresários nacionais – lembrando que essa mesma barafunda de regras também afeta as micro e pequenas empresas, que respondem por 52 % dos empregos com carteira assinada no setor privado.
Mas há outros dois fatores importantíssimos para bater nessa tecla.
O primeiro é coibir a roubalheira. Quanto maior o Estado, maior será a verba pública manipulada por poucas pessoas. Nessas estruturas como a brasileira, uma canetada pode gerar lucros astronômicos a quem tem os melhores contatos. Pode-se argumentar que as autoridades contam com mecanismos de governança para reprimir atos de corrupção. Isso é até verdade. Mas a engenhosidade dos larápios se sobrepõe facilmente à lei e boa parte dos crimes contra o Tesouro foram cometidos a partir de licitações perfeitamente legais e de acordo com todas as regras de compliance. Um dos maiores escândalos do Brasil, o do Petrolão, existiria se a Petrobras tivesse sido privatizada? Dificilmente. O mesmo vale para inúmeros outros casos de gatunagem, motivados simplesmente pela ganância que brota em quem pode influenciar a assinatura de um contrato generoso.
O Estado grande, em algumas situações, pode não gerar necessariamente atos seguidos de corrupção. Mas tem condição de conceder privilégios. Isso pôde ser observado ao longo das grandes obras estatais no país, quando muitos favores foram pagos com subcontratos e terceirizações.
Além de um Estado adequado às necessidades da Nação, é preciso ter regras que evitem o furto do Erário e leis que punam severamente os prevaricadores. Sem isso, qualquer esforço em mitigar a corrupção é inócuo. Infelizmente, ainda temos entre alguns de nós uma mentalidade voltada para o dinheiro fácil e a malandragem. Isso já foi muito pior, é claro, mas ainda lidamos com este desafio – o de formar uma sociedade consciente com lisura, transparência e respeito ao patrimônio público.