Quando os ricos criticam o capitalismo é porque estão de olho na política
Essa mosca azul da política morde alguns membros da elite de tempos em tempos
Publicado em 27 de maio de 2021 às, 09h50.
Aluizio Falcão Filho
Meu amigo Helio Beltrão ontem escreveu sua coluna na Folha de S. Paulo a respeito do paradoxo vivido por um certo youtuber. Este indivíduo, após ter aproveitado as chances que a plataforma digital oferece a todos e enriquecido, começa a fazer críticas ao capitalismo. Helio aponta que essa sumidade das redes sociais afirmou ter lido alguma coisa de Noam Chomsky e Eduardo Galeano. O resultado dessa leitura seria o surgimento de um inconformismo com a falta de justiça social e que ele estaria preocupado com o “exagerado acúmulo de capital e com o neoliberalismo”.
O youtuber em questão não é o primeiro sujeito rico a fazer críticas ao capitalismo e clamar por igualdade social. Mas, quando isso acontece, é tiro e queda: o ricaço quer entrar na política. Veja o caso de Luciano Huck. Sua carreira na televisão foi construída em cima de programas de auditório e, em determinado momento, começou a fazer ações de cunho social, como reformar a casa de pessoas pobres. Esse quadro reforçou a fama de bom moço do apresentador e, em determinado momento, ele foi cogitado como candidato à presidência da República.
Hoje, correm boatos de que Huck não mais será candidato e que vai substituir Fausto Silva nas tardes de domingo na Globo. Isso explicaria o seu súbito low profile na cena política, depois de frequentar o noticiário há mais de um ano. Mas, logo que seu nome passou a ser considerado seriamente pelos analistas políticos, ele começou a dar opiniões sobre o quadro econômico do Brasil. Em um artigo, por exemplo, afirmou ser a favor de aumentar o imposto sobre grandes fortunas como solução para resolver a desigualdade social que reina no país.
Vamos deixar de lado se esse é o melhor caminho ou não para solucionar a pobreza brasileira. O que temos aqui é, como no caso do youtuber, alguém que parece ter se encantado com a política e viu na crítica ao capitalismo uma boa forma de se projetar junto aos partidos e aos eleitores.
Temos também casos de empresários na vida pública, angariando votos e passando mensagens difíceis de interpretar. Um deles, alto dirigente de sindicato patronal, chegou a ser candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro. Como um presidente de entidade empresarial pode ser candidato por um partido que prega o socialismo? Para que não fiquem dúvidas, está escrito o seguinte no programa do PSB: “a socialização realizar-se-á gradativamente até a transferência ao domínio social de todos os bens passíveis de criar riquezas, mantida a propriedade privada, nos limites da possibilidade de sua utilização pessoal”. Ou seja, as empresas devem ser estatizadas. Propriedade privada? Imóveis e veículos – e olhe lá.
Essa mosca azul da política morde alguns membros da elite de tempos em tempos – e alguns estão defendendo o liberalismo na vida pública. Mas não são todos que defendem o sistema que os transformou em pessoas endinheiradas e gera riquezas para o país (sem dúvida, não é um sistema perfeito e gera desigualdades; mas o socialismo, como se viu com o naufrágio da Cortina de Ferro, não é totalmente igualitário e tem problemas estruturais para se viabilizar economicamente).
A busca pelo protagonismo político provavelmente pode ser explicada por uma frase do seriado House of Cards, dita por seu protagonista, Frank Underwood, um político inescrupuloso. Sobre seu ex-assessor, que virou lobista, ele diz: “Que perda de tempo, ele escolheu dinheiro em vez de poder. Nessa cidade, é um engano que todos cometem. Dinheiro é uma mansão suburbana que começa a se deteriorar em dez anos. Poder é uma prédio de pedras antigas que se mantém intacto por séculos”.
Esse rapaz que ganha a vida sendo engraçado no YouTube e critica, agora, o capitalismo (ou o neoliberalismo) gosta de postar fotos exibindo sinais exteriores de riqueza, como carros importados e estadias em hotéis de luxo. Ou seja, está desfrutando do que chama “exagerado acúmulo de capital”. Poderia aproveitar o embalo da crítica e expandir suas ações sociais (fez algumas, como a compra de livros e ajudar um atleta a disputar um torneio internacional).
Aqui vai uma dica: estudar o trabalho espetacular do empresário William Ling, que se dedica a ajudar na educação de jovens e a promover a cultura no Rio Grande do Sul, onde mora. Todas essas ações foram financiadas com o dinheiro acumulado por Ling em suas atividades capitalistas. Ou se mirar no exemplo de Elie Horn, que decidiu doar quase que a maioria de sua fortuna a causas sociais, como o Instituto Liberta, voltado ao combate à exploração sexual de menores. Esses, sim, são exemplos de quem coloca seu dinheiro em favor dos desafortunados – e não ficam apenas no papo-furado raso que domina as redes sociais no Brasil e no mundo.
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