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Quando os malandros são amadores

Qual seria o sentido de realizar o pagamento da "rachadinha" num período em que a Lava Jato estava no auge? E logo no posto bancário da Alerj?

Fabrício Queiroz: ex-assessor aparece em vídeo pagando boletos bancários de Flávio Bolsonaro em dinheiro vivo (Nelson Almeida/AFP)
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felipegiacomelli

Publicado em 22 de junho de 2020 às 08h51.

O cantor e compositor Jorge Ben Jor é um conhecido cronista musical dos costumes brasileiros. Em sua canção “Galileu da Galileia” há um verso impagável: “Se o malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem”. Num país como o nosso, essa deveria ser uma lição para aqueles que resolvem burlar a lei contando com uma suposta esperteza, que nem sempre existe. É o caso do ex-assessor parlamentar Fabricio Queiroz , que até 2018 trabalhava com o então deputado estadual Flavio Bolsonaro na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro.

Ontem (21), vieram a público imagens de vídeo que mostram Queiroz num posto bancário da Alerj pagando boletos de Flávio Bolsonaro. São dois títulos cujo valor total beira os R$ 8 000, liquidados em dinheiro vivo. Os procuradores que investigam o caso disseram os extratos bancários do então deputado estadual e de sua mulher mostram que não foram feitos saques compatíveis com o pagamento – ou seja, o dinheiro necessariamente veio de outra fonte.

É o caso de se perguntar: o que esses caras têm na cabeça?

Num mundo ideal, não haveria rachadinha de salários em gabinetes parlamentares. Mas vamos imaginar que essa seja uma prática comum por parte de congressistas. Neste caso, qual seria o sentido de, em primeiro lugar, realizar esse tipo de coisa num período em que a Operação Lava-Jato estava em seu auge? E logo no posto bancário da Assembleia?

É muito amadorismo, talvez combinado com uma dose excessiva da certeza da impunidade.

Vamos relembrar a data em que está registrada a gravação de Queiroz: 29 de setembro de 2018. Em primeiro lugar, trata-se de um sábado – portanto, ou a data está errada ou o posto bancário da Assembleia abre fora do expediente normal. Mas vamos supor que o registro esteja correto.

Seria uma data peculiar por duas razões. No país que era agitado na época pela Lava-Jato, que investigava assaltos aos cofres da Petrobras, esse é considerado o dia nacional do Petróleo. Mas o que chama mesmo a atenção é que nesta data, o candidato Jair Bolsonaro recebia alta do hospital Albert Einstein após ser operado por conta da facada recebida em Juiz de Fora.

Ou seja, enquanto Bolsonaro se preparava para sair do hospital, Queiroz estava utilizando teoricamente um dinheiro indevido para pagar as contas de Flávio (é sempre bom ressaltar que esse é um problema do senador e não do presidente, embora o caso respingue, em termos de imagem, no Planalto).

As quantias movimentadas por Queiroz são café pequeno perto dos bilhões de reais que foram desviados da Petrobras, sob a mentoria do PT, PMDB e outras agremiações menores. Mas isso faz da rachadinha um crime menor? Aos olhos dos bolsonaristas, este seria um pecado diminuto perto do que já se roubou no Brasil. Pode até ser verdade – mas não alivia o fato de que é um desvio de recursos públicos. Os vencimentos dos parlamentares estão estabelecidos por lei. A rachadinha é uma forma de burlar esse limite e aumentar o rendimento mensal dos deputados que endossam essa prática. No fundo, é tirar dinheiro do Erário e colocá-lo no bolso de quem deveria zelar pelos cofres públicos.

O episódio traz em si também o vírus da sensação da impunidade, pois Queiroz não tentou nem disfarçar, escolhendo outra agência bancária para efetuar os pagamentos ou enviar outra pessoa para realizar essas operações. Talvez ele se sentisse intocável pelo favoritismo que o pai de seu chefe desfrutava naquele momento da eleição (muitos analistas afirmam que a facada consolidou de vez aos intenções de voto no então candidato do PSL).

A malandragem amadora parece perseguir Queiroz. Ele, que mergulhou no anonimato há cerca de um ano, foi encontrado pelas autoridades em um sítio localizado na cidade de Atibaia, de propriedade de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro. Wassef, no final de semana, deu entrevistas e tentou explicar o inexplicável, dizendo ser vítima de “armação”. O advogado ainda afirmou que não estava abrigando o ex-assessor e que não falara com ele. Se é assim, como Queiroz encontrou o sítio e lá se aboletou? Por telepatia?

Operações do Ministério Público em cima de compras superfaturadas durante a pandemia do coronavírus mostram que, apesar de tantas punições aplicadas durante o Petrolão, a sensação de ser intocável continua a permear aqueles que estão conduzindo processos de corrupção ou desvio de dinheiro do governo. Voltando ao terreno da música brasileira, há outra canção que resume bem o caso Queiroz desde a rachadinha até o esconderijo inusitado em que foi apanhado. É uma composição de Bezerra da Silva, imortalizada nas vozes de Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Arlindo Cruz, que começa assim: “Malandro é malandro e mané é mané”.

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O cantor e compositor Jorge Ben Jor é um conhecido cronista musical dos costumes brasileiros. Em sua canção “Galileu da Galileia” há um verso impagável: “Se o malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem”. Num país como o nosso, essa deveria ser uma lição para aqueles que resolvem burlar a lei contando com uma suposta esperteza, que nem sempre existe. É o caso do ex-assessor parlamentar Fabricio Queiroz , que até 2018 trabalhava com o então deputado estadual Flavio Bolsonaro na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro.

Ontem (21), vieram a público imagens de vídeo que mostram Queiroz num posto bancário da Alerj pagando boletos de Flávio Bolsonaro. São dois títulos cujo valor total beira os R$ 8 000, liquidados em dinheiro vivo. Os procuradores que investigam o caso disseram os extratos bancários do então deputado estadual e de sua mulher mostram que não foram feitos saques compatíveis com o pagamento – ou seja, o dinheiro necessariamente veio de outra fonte.

É o caso de se perguntar: o que esses caras têm na cabeça?

Num mundo ideal, não haveria rachadinha de salários em gabinetes parlamentares. Mas vamos imaginar que essa seja uma prática comum por parte de congressistas. Neste caso, qual seria o sentido de, em primeiro lugar, realizar esse tipo de coisa num período em que a Operação Lava-Jato estava em seu auge? E logo no posto bancário da Assembleia?

É muito amadorismo, talvez combinado com uma dose excessiva da certeza da impunidade.

Vamos relembrar a data em que está registrada a gravação de Queiroz: 29 de setembro de 2018. Em primeiro lugar, trata-se de um sábado – portanto, ou a data está errada ou o posto bancário da Assembleia abre fora do expediente normal. Mas vamos supor que o registro esteja correto.

Seria uma data peculiar por duas razões. No país que era agitado na época pela Lava-Jato, que investigava assaltos aos cofres da Petrobras, esse é considerado o dia nacional do Petróleo. Mas o que chama mesmo a atenção é que nesta data, o candidato Jair Bolsonaro recebia alta do hospital Albert Einstein após ser operado por conta da facada recebida em Juiz de Fora.

Ou seja, enquanto Bolsonaro se preparava para sair do hospital, Queiroz estava utilizando teoricamente um dinheiro indevido para pagar as contas de Flávio (é sempre bom ressaltar que esse é um problema do senador e não do presidente, embora o caso respingue, em termos de imagem, no Planalto).

As quantias movimentadas por Queiroz são café pequeno perto dos bilhões de reais que foram desviados da Petrobras, sob a mentoria do PT, PMDB e outras agremiações menores. Mas isso faz da rachadinha um crime menor? Aos olhos dos bolsonaristas, este seria um pecado diminuto perto do que já se roubou no Brasil. Pode até ser verdade – mas não alivia o fato de que é um desvio de recursos públicos. Os vencimentos dos parlamentares estão estabelecidos por lei. A rachadinha é uma forma de burlar esse limite e aumentar o rendimento mensal dos deputados que endossam essa prática. No fundo, é tirar dinheiro do Erário e colocá-lo no bolso de quem deveria zelar pelos cofres públicos.

O episódio traz em si também o vírus da sensação da impunidade, pois Queiroz não tentou nem disfarçar, escolhendo outra agência bancária para efetuar os pagamentos ou enviar outra pessoa para realizar essas operações. Talvez ele se sentisse intocável pelo favoritismo que o pai de seu chefe desfrutava naquele momento da eleição (muitos analistas afirmam que a facada consolidou de vez aos intenções de voto no então candidato do PSL).

A malandragem amadora parece perseguir Queiroz. Ele, que mergulhou no anonimato há cerca de um ano, foi encontrado pelas autoridades em um sítio localizado na cidade de Atibaia, de propriedade de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro. Wassef, no final de semana, deu entrevistas e tentou explicar o inexplicável, dizendo ser vítima de “armação”. O advogado ainda afirmou que não estava abrigando o ex-assessor e que não falara com ele. Se é assim, como Queiroz encontrou o sítio e lá se aboletou? Por telepatia?

Operações do Ministério Público em cima de compras superfaturadas durante a pandemia do coronavírus mostram que, apesar de tantas punições aplicadas durante o Petrolão, a sensação de ser intocável continua a permear aqueles que estão conduzindo processos de corrupção ou desvio de dinheiro do governo. Voltando ao terreno da música brasileira, há outra canção que resume bem o caso Queiroz desde a rachadinha até o esconderijo inusitado em que foi apanhado. É uma composição de Bezerra da Silva, imortalizada nas vozes de Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Arlindo Cruz, que começa assim: “Malandro é malandro e mané é mané”.

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