Quando as empresas perdem tempo e dinheiro discutindo bobagens
O problema pode estar simplesmente em um detalhe que deixa alguns executivos desconfortáveis, ou em uma questão relativa à comunicação interna, que pode ser resolvida facilmente
Bibiana Guaraldi
Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 10h44.
Pouca gente se lembra, mas passei três anos de minha vida como publicitário. Fui vice-presidente da Grey, na época presidida por Silvio Matos, um dos grandes talentos criativos de sua geração. Ele assumiu a liderança da companhia e resolveu colocar em prática algumas ideias marcadas pelo ineditismo. Uma delas foi a de me contratar como vice-presidente para a área de Branded Content. Isso parece ser algo corriqueiro nos dias de hoje, mas estamos falando do ano de 2006, quando produzir conteúdo em ações publicitárias era algo raríssimo.
Como queria ver uma empresa se movimentando em ritmo frenético e funcionando de uma forma diferente da concorrência, Silvio imaginou uma estrutura que criasse produtividade e sinergias. Assim, dividiu a agência em duas áreas: pensamento, que englobaria Criação, Conteúdo e Planejamento; e movimento, que agregaria atendimento, mídia, produção e tráfego. Fazia sentido: o pensamento viria das áreas que trabalhavam com insights criativos; já a outra área faria movimentar os conceitos produzidos, transformando-os em algo concreto.
No entanto, essa decisão criou uma celeuma enorme dentro da empresa e inúmeras horas foram gastas para discutir o modelo. Detalhe: não era exatamente um paradigma a ser discutido. Era para ser seguido e pronto. Mas as áreas que ficaram embaixo do guarda-chuva “Movimento” foram em frente e quiseram estabelecer um DR sem fim, pois desejavam estar no quadrante “Pensamento”.
Lembro especificamente de uma reunião em que houve uma conversa de duas horas sobre o assunto. No fundo, tínhamos um problema relativo à vaidade. O nome “Pensamento” dava um certo caráter superior às áreas que estavam categorizadas dessa forma. Já as embaixo de “Movimento” pareciam ser apenas executoras sem nenhuma atividade intelectual (não era o que acontecia, mas o que os nomes dos departamentos sugeriam).
Lembro os ânimos foram subindo até que fiz uma proposta inusitada: trocar o nome “pensamento” por “inércia”. Assim, estaríamos em áreas nas quais as ideias estavam paradas em estado bruto e que seriam movimentadas pelas demais áreas. De uma hora para outra, o nome “Movimento” ganhou um certo charme – e as pessoas se tocaram que o problema era de ordem semântica e não conceitual.
Quantas empresas não perdem tempo com esse tipo de discussão inútil? Inúmeras. É o que os americanos chamam de “bullshit” – uma palavra que pode ser traduzida como “mentira”, mas comumente é utilizada para uma conversa fiada que não leva a nada.
Como naquela agência em que trabalhei, o problema pode estar simplesmente em um detalhe que deixa alguns executivos desconfortáveis – ou em uma questão relativa à comunicação interna, que pode ser resolvida facilmente.
Lembro de uma outra situação. No final dos anos 1990, fui diretor-adjunto de comunicação e marketing para o HSBC. Como todos sabem, o logotipo do banco usa as cores branca e vermelha e é reconhecido facilmente em vários cantos do planeta. Uma marca global, definida anos atrás em Londres, onde fica a matriz da instituição.
Apesar disso, um diretor da filial brasileira usava tempo precioso das equipes de marketing para se queixar do uso do vermelho no logo. Chegou a convocar dez pessoas para discutir a mudança da marca. Essa reunião começou com o tal executivo dizendo que todos sabiam que a cor vermelha era péssima para a comunicação de um serviço ou produto. Houve um silêncio até que eu lembrei que marcas icônicas, como Coca-Cola e McDonald’s usam exatamente essa tonalidade para se destacar. Ele retrucou que, no mundo bancário, isso era diferente. “Bem, precisamos avisar o Bradesco disso”, disparei ironicamente. O que se seguiu foi um desperdício de tempo e dinheiro corporativo – uma hora perdida para nada. Até que o vice-presidente mundial de marketing mandou um manual de marca com acertos de tipologia – mas deixando bem claro que a cor vermelha permaneceria enquanto o banco existisse.
Fico imaginando quanto tempo perdemos com discussões inúteis em nosso dia-a-dia. Talvez não isso não ocorra tão frequentemente no momento atual, com a pandemia – mas talvez seja mais corriqueiro do que deveria ser. Não existe nada mais exasperante do que perceber a inutilidade de uma reunião e ver tempo precioso escorrendo pelas nossas mãos. Especialmente agora, quando testemunhamos a fragilidade da vida humana diante de um vírus que colocou milhares nos hospitais e tirou outros tantos de nosso convívio. Até em respeito a esse sofrimento, está mais que na hora de riscarmos a palavra “bullshit” de nosso dia a dia.
Pouca gente se lembra, mas passei três anos de minha vida como publicitário. Fui vice-presidente da Grey, na época presidida por Silvio Matos, um dos grandes talentos criativos de sua geração. Ele assumiu a liderança da companhia e resolveu colocar em prática algumas ideias marcadas pelo ineditismo. Uma delas foi a de me contratar como vice-presidente para a área de Branded Content. Isso parece ser algo corriqueiro nos dias de hoje, mas estamos falando do ano de 2006, quando produzir conteúdo em ações publicitárias era algo raríssimo.
Como queria ver uma empresa se movimentando em ritmo frenético e funcionando de uma forma diferente da concorrência, Silvio imaginou uma estrutura que criasse produtividade e sinergias. Assim, dividiu a agência em duas áreas: pensamento, que englobaria Criação, Conteúdo e Planejamento; e movimento, que agregaria atendimento, mídia, produção e tráfego. Fazia sentido: o pensamento viria das áreas que trabalhavam com insights criativos; já a outra área faria movimentar os conceitos produzidos, transformando-os em algo concreto.
No entanto, essa decisão criou uma celeuma enorme dentro da empresa e inúmeras horas foram gastas para discutir o modelo. Detalhe: não era exatamente um paradigma a ser discutido. Era para ser seguido e pronto. Mas as áreas que ficaram embaixo do guarda-chuva “Movimento” foram em frente e quiseram estabelecer um DR sem fim, pois desejavam estar no quadrante “Pensamento”.
Lembro especificamente de uma reunião em que houve uma conversa de duas horas sobre o assunto. No fundo, tínhamos um problema relativo à vaidade. O nome “Pensamento” dava um certo caráter superior às áreas que estavam categorizadas dessa forma. Já as embaixo de “Movimento” pareciam ser apenas executoras sem nenhuma atividade intelectual (não era o que acontecia, mas o que os nomes dos departamentos sugeriam).
Lembro os ânimos foram subindo até que fiz uma proposta inusitada: trocar o nome “pensamento” por “inércia”. Assim, estaríamos em áreas nas quais as ideias estavam paradas em estado bruto e que seriam movimentadas pelas demais áreas. De uma hora para outra, o nome “Movimento” ganhou um certo charme – e as pessoas se tocaram que o problema era de ordem semântica e não conceitual.
Quantas empresas não perdem tempo com esse tipo de discussão inútil? Inúmeras. É o que os americanos chamam de “bullshit” – uma palavra que pode ser traduzida como “mentira”, mas comumente é utilizada para uma conversa fiada que não leva a nada.
Como naquela agência em que trabalhei, o problema pode estar simplesmente em um detalhe que deixa alguns executivos desconfortáveis – ou em uma questão relativa à comunicação interna, que pode ser resolvida facilmente.
Lembro de uma outra situação. No final dos anos 1990, fui diretor-adjunto de comunicação e marketing para o HSBC. Como todos sabem, o logotipo do banco usa as cores branca e vermelha e é reconhecido facilmente em vários cantos do planeta. Uma marca global, definida anos atrás em Londres, onde fica a matriz da instituição.
Apesar disso, um diretor da filial brasileira usava tempo precioso das equipes de marketing para se queixar do uso do vermelho no logo. Chegou a convocar dez pessoas para discutir a mudança da marca. Essa reunião começou com o tal executivo dizendo que todos sabiam que a cor vermelha era péssima para a comunicação de um serviço ou produto. Houve um silêncio até que eu lembrei que marcas icônicas, como Coca-Cola e McDonald’s usam exatamente essa tonalidade para se destacar. Ele retrucou que, no mundo bancário, isso era diferente. “Bem, precisamos avisar o Bradesco disso”, disparei ironicamente. O que se seguiu foi um desperdício de tempo e dinheiro corporativo – uma hora perdida para nada. Até que o vice-presidente mundial de marketing mandou um manual de marca com acertos de tipologia – mas deixando bem claro que a cor vermelha permaneceria enquanto o banco existisse.
Fico imaginando quanto tempo perdemos com discussões inúteis em nosso dia-a-dia. Talvez não isso não ocorra tão frequentemente no momento atual, com a pandemia – mas talvez seja mais corriqueiro do que deveria ser. Não existe nada mais exasperante do que perceber a inutilidade de uma reunião e ver tempo precioso escorrendo pelas nossas mãos. Especialmente agora, quando testemunhamos a fragilidade da vida humana diante de um vírus que colocou milhares nos hospitais e tirou outros tantos de nosso convívio. Até em respeito a esse sofrimento, está mais que na hora de riscarmos a palavra “bullshit” de nosso dia a dia.