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Quando a raiva vem de quem deveria pregar a paz

É preciso respeitar a fé das pessoas e os homens que pregam a religião. Mas é necessário condenar alguém que, em nome de Deus, incite a violência

O pastor André Valadão (Reprodução/Reprodução)
O pastor André Valadão (Reprodução/Reprodução)

O pastor André Valadão, em um culto recente, abriu fogo contra a comunidade gay. Ele falou a uma plateia de fiéis em Orlando, nos Estados Unidos, condenando o casamento entre pessoas homossexuais e dizendo o seguinte: “Aí Deus fala: ‘não posso mais, já meti esse arco-íris aí, se eu pudesse eu matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi pra mim mesmo que não posso, então agora tá com vocês'”. E completou: “Você não pegou o que eu disse; eu disse ‘está com você’. Vou falar de novo: ‘tá com você’. Sacode uns quatro do seu lado e fala: ‘vamos pra cima’. Eu e minha casa serviremos ao Senhor”.

Valadão não disse explicitamente que seus devotos deveriam matar homossexuais. Mas o contexto mostra que ele insinuou que houvesse uma aliança entre os seguidores de sua igreja para, no mínimo, perseguir os gays.

A Bíblia, de fato, condena o homossexualismo. Mas Deus disse, nas escrituras sagradas, que, se pudesse, dizimaria os gays, mas prometeu que não mais interferiria na trajetória da humanidade?

Em Gênesis, a narrativa mostra que o Todo-Poderoso afirmou que não mais faria um dilúvio para acabar com a vida na Terra (quando poupou apenas Noé, seus familiares e dois exemplares de cada raça de animal), sem se referir a nenhum grupo em particular. Está escrito o seguinte: “Tudo o que existe não será mais destruído pelas águas do dilúvio; não haverá mais dilúvio para devastar a Terra”. Mais tarde, o narrador, muito provavelmente o profeta Moisés, escreve que Deus afirmou: “Eis o sinal da aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco, para todas as gerações futuras: porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra”.

Portanto, o contexto em que se fala em não interferência junto à humanidade e da simbologia do Arco-Íris nada tem a ver com a presença de homossexuais em nosso planeta. Mas, em outro livro, Levítico, a condenação aos homossexuais é direta: “Não deitarás com um homem como se deita com mulher; isto seria uma abominação”.

E no Novo Testamento, Jesus condena os gays? O filho de Deus nada diz sobre o assunto nos evangelhos. Mas na Carta a Coríntios, seu autor, Paulo, é bem direto ao condenar relações entre pessoas do mesmo sexo. O profeta diz que os “injustos não herdarão o Reino de Deus”. E quem seriam esses injustos? Os “efeminados” e “pederastas”, além de ladrões, adúlteros e devassos em geral.

É preciso respeitar a fé das pessoas e os homens que pregam a religião. Mas é igualmente necessário condenar alguém que, em nome de Deus, incite algum tipo de violência.

Mal-entendido?

O pastor Valadão pode dizer que foi um mal-entendido. Mas, mesmo que tenha ocorrido isso, estamos em uma época em que palavras podem ser compreendidas de qualquer jeito e a possibilidade de uma interpretação errada viralizar é enorme. Percebe-se, no entanto, que o religioso estava querendo ver sangue nos olhos quando repete que o assunto em questão (repressão aos gays) estava nas mãos dos fiéis.

É triste ver um homem de fé pregando algum tipo de perseguição, mesmo que seja através de insinuações. Mas esse tipo de comportamento é um sinal dos tempos polarizados e agressivos. Homossexuais assumidos estão nas ruas ou ocupando posições importantes na sociedade. Aqueles que são contrários ao homossexualismo se sentem atingidos com a simples existência dessas minorias. E, conforme os gays ocupam maiores espaços, os mais conservadores reagem com uma hostilidade cada vez virulenta, como parece ser o caso do pastor Valadão.

Relembrando o que Jesus Cristo disse e foi registrado no evangelho de São Mateus: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”. Jesus nunca pregou a perseguição ou a violência. Pelo contrário, sempre levantou a bandeira da paz e desprezou a hipocrisia. “Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra”, disse o filho de Maria diante de uma multidão enfurecida, que desejava matar uma adúltera a pedradas.

Não precisamos de mais violência ou rancor em nossa vida. Ou de ouvir religiosos que desejam uma guerra santa, propagando ainda mais a brutalidade entre nós.