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Presidente Bolsonaro, um apelo: chega de pugilato verbal

Presidente parece agir como criança diante de uma piscina com água gelada: colocando o dedão para testar a temperatura e decidir se pode mergulhar de cabeça

O presidente Jair Bolsonaro. (Amanda Perobelli/Reuters)
O presidente Jair Bolsonaro. (Amanda Perobelli/Reuters)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 9 de julho de 2021 às, 11h15.

Aluizio Falcão Filho

“’Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse ontem o presidente da República. O que Jair Bolsonaro quis dizer com essa frase? À primeira vista, parece ser um ultimato: ou aprovamos voto impresso (sua interpretação de lisura eleitoral) ou não haverá pleito em 2022. O presidente, em diversas ocasiões, parece agir como uma criança diante de uma piscina com água gelada. Está sempre colocando o dedão para testar a temperatura e decidir se pode ou não mergulhar de cabeça.

As declarações dessa semana estão nessa linha. O mandatário está soltando seus balões de ensaio para ver que reações provocam na sociedade. Os seguidores mais fiéis exultam. Para alguns deles, inclusive, eleição direta é um privilégio que não deveríamos ter (lembremos que 9 % da população preferiria viver sob uma ditadura, segundo pesquisa do Datafolha de alguns anos atrás).

O alvo dessas manifestações verbais, no entanto, é o Exército – e alguns comandantes de polícias militares. O presidente quer medir a temperatura dos fardados em relação às eleições de 2022. Primeiro, disse que foi roubado em 2018, pois deveria ter vencido Fernando Haddad no primeiro turno. Depois, afirmou que houve fraude em 2014, pois Aécio Neves derrotou Dilma Rousseff e não levou. Nos dois casos, não apresentou uma prova sequer. Nenhum dos movimentos provocou reações no meio militar.

Ontem, porém, ele foi além e insinuou que o Brasil poderia passar a borracha na democracia. Trata-se de mais uma bravata do presidente, que vai aumentando o tom radical a cada dia que passa. O Exército, por enquanto, não vem caindo nesse discurso. Mas será sempre assim?

Voltemos a 1964.

O Exército derrubou João Goulart por algumas razões. O então presidente, sem apoio político, flertava descaradamente com a esquerda. A economia estava em frangalhos e a sensação de que os pilares do poder estavam frágeis era visível. Para piorar, Goulart teve a infeliz ideia de se reunir com um grupo de sargentos, passando a mensagem de que pretendia quebrar a hierarquia do exército e, assim, evitar um golpe.

Vivíamos sob a Guerra Fria e o comunismo era um inimigo das classes altas e do Exército em especial. A União Soviética e Cuba tinham interesse em patrocinar um governo de esquerda no Brasil, algo que os Estados Unidos não iriam tolerar. Por isso, o governo americano sinalizou que apoiaria a deposição de Jango.

Temendo uma resistência armada ao novo regime, especialmente vinda do governador gaúcho Leonel Brizola, os EUA mandaram uma esquadra, liderada pelo porta-aviões Forrestal, para ficar no Caribe e aportar em território brasileiro caso os militares precisassem de ajuda. O conjunto bélico era composto de seis destroieres, um encouraçado, um navio de transporte de tropas, 50 helicópteros e 25 aviões C-135 para transporte de armamentos. O presidente americano, Lyndon Johnson, ao ver que a ameaça comunista era inexistente, mandou seus marinheiros e soldados darem meia-volta.

Essas razões existem hoje? Não. Embora muitos radicais repisem insistentemente que estamos à beira de um golpe comunista, o fato é que a extrema esquerda está minguando no Brasil. Comunista raiz, daquele que cita Karl Marx de cor, é peça de museu de tão raro. Tomemos o número de filiados do Partido Comunista do Brasil: pouco mais de 400 000 membros, diante de uma população de 215 milhões de pessoas. São dois maracanãs antigos. Pouquíssima gente.

As demais razões que estimularam os militares a detonar os princípios democráticos em 1964 também inexistem hoje. Com um bônus (ou ônus, dependendo do ponto de vista): o atual governo é liderado por um ex-militar e conta com vários generais e coronéis em sua estrutura.

Imaginem o que se passaria pela cabeça de Joe Biden diante de um eventual golpe de estado no Brasil. Em nome do anticomunismo e do voto impresso, ele iria apoiar uma aventura dessas? Dificilmente.

O Brasil está cansado destes balões de ensaio.

Bolsonaro precisa entender que o país tem necessidades sérias e está perdendo competitividade. Em vez de trabalhar para melhorar nossos pilares econômicos e institucionais, o presidente cria factoides polêmicos e absolutamente inúteis. Isso desgasta sua popularidade e diminui sua taxa de aprovação.

Uma pesquisa da XP, publicada ontem, mostra que 63 % não aprovam a maneira pela qual Bolsonaro administra o país – e 52 % acreditam que o governo é ruim ou péssimo. Não se pode dizer que a XP seja uma entidade comandada por comunistas. Muito pelo contrário.

É de se esperar que a retomada econômica, a vacinação em massa e a distribuição de recursos assistencialistas vão melhorar a popularidade do governo no ano que vem. Mas a queda de aprovação em 2021 está acima da expectativa dos mais ácidos críticos de Planalto. O culpado dessa situação? O próprio Bolsonaro, que continua falando mais do que deveria e brigando até contra a sua sombra.

Chega, presidente. Cuide dos verdadeiros problemas do país. Ninguém aguenta mais esse pugilato verbal.

P.S.: tirarei alguns dias de férias e volto a escrever em 21 de julho. Até lá!

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