Certos temas precisam ser revisitados de tempos em tempos para evitar as verdades absolutas e incontestáveis. Unanimidades são indesejáveis à medida que provocam preguiça cerebral e nos colocam em na situação mais perigosa do mundo: o conforto com as próprias opiniões e certezas. Essa zona de comodidade afeta nossa capacidade julgamento e evolução. Se nossas ideias não forem desafiadas (por nós mesmos ou por terceiros), corremos o risco da estagnação e da mediocridade.
Há um tema que começa a ser debatido com grande insistência por quem apoia a diversidade dentro das empresas e desafia algo que foi uma vaca sagrada durante décadas no mundo corporativo – a meritocracia . Ontem, ao virar as páginas de stories do Instagram, topei com aquelas frases que as pessoas adoram postar. Como havia sido colocada lá por uma conhecida da faculdade, resolvi ler aquele texto com atenção. Dizia algo mais ou menos assim: alguém que nasce em família rica e com mais escolaridade terá uma vantagem competitiva para o resto da vida, mas ainda há muita gente achando que o esforço individual é a força determinante do sucesso.
Fiquei refletindo sobre isso e aproveitei para dar uma lida em “A Tirania do Mérito”, de Michael J. Sandel, um livro indicado pelo amigo Eduardo Marson durante uma conversa na semana passada, e desafiar um pouco as minhas convicções.
Sobre a riqueza como fator determinante de sucesso: nasci em uma família de classe média e cercado de livros. Estudei com amigos que tinham um background como o meu, enquanto outros vinham de famílias ricas, algumas riquíssimas. Anos depois, observando esses amigos que conviveram comigo do primário ao colegial (como se falava antigamente), não consigo encontrar um padrão. Ninguém empobreceu, é verdade – mas alguns estão ricos e muitos vivem remediados.
Crescer em uma casa em boas condições financeiras pode trazer benefícios em uma competição por uma vaga de estágio, no início de uma carreira. Mas isso será totalmente determinante para o êxito de alguém?
O sucesso não depende apenas de formação e inteligência. Tomemos o caso dos matemáticos e antropólogos. Todos lidam com assuntos complexos e de difícil compreensão. Todos são bem-sucedidos do ponto de vista monetário? Não necessariamente. Aquilo que faz alguém se destacar em uma carreira ou construir uma empresa que prospera tem mais a ver com capacidade de gestão, observação e análise de mercado, resiliência, inteligência emocional – enfim, uma combinação de fatores que não necessariamente são ensinados em uma família endinheirada.
Sobre matemáticos, lembro de um amigo que tem essa formação e é bastante rico. Ele considerava um colega de classe o mais inteligente da turma e tinha curiosidade de saber o que teria ocorrido com este sujeito. Quando foi convidado para uma reunião de vinte anos de sua formatura, fez questão de comparecer e conversar com o gênio da turma. Descobriu, então, que aquele colega tinha se transformado em funcionário público. Ele, decepcionado, achou que o rapaz iria ser o descobridor de algum algoritmo importante e estaria rico com sua habilidade.
Foi então que o amigo contou a ele quanto ganhava: era uma nota preta. Como um funcionário público poderia ganhar tanto dinheiro? Simples. O colega havia lido toda a legislação que rege os vencimentos de sua categoria e encontrou todas as brechas para acumular ganhos salariais e romper, dentro da lei, todos os limites possíveis para ganhar bastante. Ou seja, ele acabou utilizando sua inteligência para ganhar dinheiro.
Mas, apesar disso, é inevitável concordar que o dinheiro traz vantagens que separam os ricos dos pobres nas carreiras profissionais ou nas atividades empreendedoras – embora essas regalias não sejam algo totalmente definitivo em favor de um ou de outro.
No livro “A Tirania do Mérito”, há um dado devastador: dois terços dos estudantes das chamadas faculdades da Ivy League (a elite universitária americana) vêm de famílias que estão localizadas entre as 20 % que ganham mais no país. Esse impulso é bastante forte para esses estudantes – que podem ou não aproveitar a chance que têm diante de si.
Mas o autor Michael J. Sandel levanta um ponto de discussão bem interessante. Ele diz: “é convicção presunçosa de pessoas que chegam ao topo que elas merecem esse destino e que aqueles que estão embaixo merecem o deles também. Esse comportamento é o companheiro moral da política tecnocrata”.
Um fato recente que pode ser incluído neste debate foi a decisão do Magazine Luiza de recrutar apenas negros para suas vagas de estágio, depois de verificar que havia um número muito maior de brancos nas chefias. Dar oportunidades apenas para negros seria uma forma de tentar romper o círculo vicioso. Essa atitude gerou protestos de pessoas que clamaram justamente por meritocracia.
Quando excluímos brancos do processo de seleção, estaremos sendo parciais e tirando a meritocracia pura do julgamento dos candidatos. Mas, se não tomarmos esse tipo de atitude, quando é que haverá oportunidades verdadeiramente iguais?
Isso não é uma pergunta retórica, pois não sei a resposta. Pela minha formação, não gosto da interferência externa em critérios de avaliação. Mas, ao mesmo tempo, se não houver algum tipo de tolerância, como dar a oportunidade àqueles que tiveram uma formação acadêmica pior por questões econômicas?
Você tem essas respostas? Escreva para aluizio@moneyreport.com.br.
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