Precisamos falar sobre a inflação
Inflação é o tipo de coisa com a qual nós evitamos nos preocupar, na base do “alguém vai resolver isso”
Bibiana Guaraldi
Publicado em 29 de março de 2021 às 09h08.
Eu sei, esse não é dos temas mais palpitantes para discutirmos numa segunda-feira.
Mas é um problema que começa a afetar a economia e apenas poucas pessoas têm insistido em falar sobre a alta dos preços. Coincidência ou não, a maioria desses interlocutores é de economistas ligados à causa liberal, que enxergam na moeda a força econômica de uma nação. Para quem duvida deste conceito, faço um convite à reflexão: há algum país desenvolvido, no ocidente, com o dinheiro nacional desvalorizado? Não é preciso demorar muito para perceber que uma moeda forte sempre acompanha uma economia sólida (isso não quer dizer que não exista margens para flutuações – o próprio dólar, em função de políticas monetárias frouxas, sofreu nos anos 1970).
Desde 1994, quando surgiu o Real, nos preocupamos pontualmente com a alta de preços. Isso ocorreu, por exemplo, durante os anos de Dilma Rousseff. E voltou a ocorrer agora. Desde o início de janeiro até agora, o relatório Focus, do Banco Central, que compila as expectativas do mercado financeiro, já elevou sete vezes a estimativa de inflação para este ano. Vemos uma alta em todos os índices que acompanham os preços. O que mais disparou foi o IGP-M. Este índice, que captura as oscilações do atacado, da construção civil e dos bens de consumo, teve alta de 28,94% nos últimos doze meses. Já o IPCA, usado para medir a inflação oficial, acumulou 5,20 % neste mesmo período, apenas 0,05 % abaixo do teto da meta para 2021 (5,25 %).
O que explica essa alta?
Há vários fatores, entre os quais a sazonalidade de alguns produtos de consumo e a alta do dólar, que contamina commodities e matérias primas. Mas o governo também tem feito a sua parte, com as contas públicas descontroladas. Uma parte é explicada pela pandemia. Outra parte, no entanto, é pelo interesse em se criar instrumentos que melhorem a imagem do governo.
Ontem, o economista Gustavo Franco escreveu sobre este problema em sua coluna semanal no jornal O Estado de S. Paulo. Definiu magistralmente a inflação como uma doença da moeda e botou a ferida em dois pontos fulcrais.
O primeiro é que se percebe um ressurgimento do keynesianismo na sociedade – e enxergamos alguns economistas dizendo que o conceito de inflação é algo obsoleto. Franco faz um alerta: “A inflação não está obsoleta, não há imunidade decorrente de contágio e cura no passado”.
Estamos falando de um dos pais do Real, que se transformou em um dos bastiões do liberalismo nacional. Franco acredita que, se a alta de preços é uma doença da moeda, não podemos achar que o Real está imune de seus efeitos por conta das providências tomadas no passado. O economista faz uma comparação com o alcoolismo. Neste caso, não existe cura para o mal – apenas a abstinência de suas causas é que pode prevenir a enfermidade.
O segundo ponto levantado por Gustavo Franco é que não existe inflação do bem. Ainda usando a patologia como metáfora, ele diz que “não há justificativa plausível para o uso de drogas pesadas que fazem mal à saúde”. Neste caso, turbinar a inflação é sempre o pior jeito de financiar qualquer gasto público, pois a carestia é um imposto que acaba recaindo muito mais sobre o pobre, que não possuem mecanismos de indexação financeira.
Quem tem menos de 35 anos, cerca de 85 milhões de pessoas no Brasil, era muito jovem ou não existia quando o Plano Real foi implementado em 1994. Portanto, temos um número expressivo de indivíduos que nunca conviveram com o chamado dragão inflacionário – a alta de preços desenfreada que corroía diariamente o poder aquisitivo das pessoas.
Relembrando: em março de 1989, a taxa mensal de inflação bateu a marca de 82,39 %, algo tão inimaginável nos dias de hoje quanto pensar que, no início do século 20, as mulheres não podiam votar em vários países.
Mesmo quem cresceu sob a égide inflacionária, como eu, se acostumou com a estabilidade monetária (meu primeiro registro de lembrança de inflação é aos treze anos de idade, quando pedi um aumento de mesada para meu pai, sob o argumento de que eu já não conseguia comprar a revista “Placar” e pagar um lanche ao final de semana com o mesmo dinheiro de antes). Mas é o tipo de coisa com a qual nós evitamos nos preocupar, na base do “alguém vai resolver isso”.
A sociedade brasileira deve defender a estabilidade monetária como se fosse um bem nacional. Não podemos nos dar ao luxo de deixar as contas públicas ao Deus-dará e confiar plenamente nas autoridades. Hoje, temos um ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem a preocupação com o déficit público em seu radar. Mas, e se Guedes sair? O que pode acontecer? Esse é um problema que afeta a todos – patrões e funcionários, jovens e velhos, homens e mulheres. Precisamos defender nossa moeda e não cair na armadilha do desenvolvimentismo financiado com déficits públicos. A conta vem rápido, como enxergamos sob Dilma (10,67 % em 2015, o maior índice desde 2002), cuja desorganização econômica foi combatida pela política heterodoxa de Henrique Meirelles, de 2016 a 2018, que segurou a alta de preços.
O preço que a sociedade paga quando os preços se descontrolam é enorme. Não podemos deixar que isso aconteça de novo.
Eu sei, esse não é dos temas mais palpitantes para discutirmos numa segunda-feira.
Mas é um problema que começa a afetar a economia e apenas poucas pessoas têm insistido em falar sobre a alta dos preços. Coincidência ou não, a maioria desses interlocutores é de economistas ligados à causa liberal, que enxergam na moeda a força econômica de uma nação. Para quem duvida deste conceito, faço um convite à reflexão: há algum país desenvolvido, no ocidente, com o dinheiro nacional desvalorizado? Não é preciso demorar muito para perceber que uma moeda forte sempre acompanha uma economia sólida (isso não quer dizer que não exista margens para flutuações – o próprio dólar, em função de políticas monetárias frouxas, sofreu nos anos 1970).
Desde 1994, quando surgiu o Real, nos preocupamos pontualmente com a alta de preços. Isso ocorreu, por exemplo, durante os anos de Dilma Rousseff. E voltou a ocorrer agora. Desde o início de janeiro até agora, o relatório Focus, do Banco Central, que compila as expectativas do mercado financeiro, já elevou sete vezes a estimativa de inflação para este ano. Vemos uma alta em todos os índices que acompanham os preços. O que mais disparou foi o IGP-M. Este índice, que captura as oscilações do atacado, da construção civil e dos bens de consumo, teve alta de 28,94% nos últimos doze meses. Já o IPCA, usado para medir a inflação oficial, acumulou 5,20 % neste mesmo período, apenas 0,05 % abaixo do teto da meta para 2021 (5,25 %).
O que explica essa alta?
Há vários fatores, entre os quais a sazonalidade de alguns produtos de consumo e a alta do dólar, que contamina commodities e matérias primas. Mas o governo também tem feito a sua parte, com as contas públicas descontroladas. Uma parte é explicada pela pandemia. Outra parte, no entanto, é pelo interesse em se criar instrumentos que melhorem a imagem do governo.
Ontem, o economista Gustavo Franco escreveu sobre este problema em sua coluna semanal no jornal O Estado de S. Paulo. Definiu magistralmente a inflação como uma doença da moeda e botou a ferida em dois pontos fulcrais.
O primeiro é que se percebe um ressurgimento do keynesianismo na sociedade – e enxergamos alguns economistas dizendo que o conceito de inflação é algo obsoleto. Franco faz um alerta: “A inflação não está obsoleta, não há imunidade decorrente de contágio e cura no passado”.
Estamos falando de um dos pais do Real, que se transformou em um dos bastiões do liberalismo nacional. Franco acredita que, se a alta de preços é uma doença da moeda, não podemos achar que o Real está imune de seus efeitos por conta das providências tomadas no passado. O economista faz uma comparação com o alcoolismo. Neste caso, não existe cura para o mal – apenas a abstinência de suas causas é que pode prevenir a enfermidade.
O segundo ponto levantado por Gustavo Franco é que não existe inflação do bem. Ainda usando a patologia como metáfora, ele diz que “não há justificativa plausível para o uso de drogas pesadas que fazem mal à saúde”. Neste caso, turbinar a inflação é sempre o pior jeito de financiar qualquer gasto público, pois a carestia é um imposto que acaba recaindo muito mais sobre o pobre, que não possuem mecanismos de indexação financeira.
Quem tem menos de 35 anos, cerca de 85 milhões de pessoas no Brasil, era muito jovem ou não existia quando o Plano Real foi implementado em 1994. Portanto, temos um número expressivo de indivíduos que nunca conviveram com o chamado dragão inflacionário – a alta de preços desenfreada que corroía diariamente o poder aquisitivo das pessoas.
Relembrando: em março de 1989, a taxa mensal de inflação bateu a marca de 82,39 %, algo tão inimaginável nos dias de hoje quanto pensar que, no início do século 20, as mulheres não podiam votar em vários países.
Mesmo quem cresceu sob a égide inflacionária, como eu, se acostumou com a estabilidade monetária (meu primeiro registro de lembrança de inflação é aos treze anos de idade, quando pedi um aumento de mesada para meu pai, sob o argumento de que eu já não conseguia comprar a revista “Placar” e pagar um lanche ao final de semana com o mesmo dinheiro de antes). Mas é o tipo de coisa com a qual nós evitamos nos preocupar, na base do “alguém vai resolver isso”.
A sociedade brasileira deve defender a estabilidade monetária como se fosse um bem nacional. Não podemos nos dar ao luxo de deixar as contas públicas ao Deus-dará e confiar plenamente nas autoridades. Hoje, temos um ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem a preocupação com o déficit público em seu radar. Mas, e se Guedes sair? O que pode acontecer? Esse é um problema que afeta a todos – patrões e funcionários, jovens e velhos, homens e mulheres. Precisamos defender nossa moeda e não cair na armadilha do desenvolvimentismo financiado com déficits públicos. A conta vem rápido, como enxergamos sob Dilma (10,67 % em 2015, o maior índice desde 2002), cuja desorganização econômica foi combatida pela política heterodoxa de Henrique Meirelles, de 2016 a 2018, que segurou a alta de preços.
O preço que a sociedade paga quando os preços se descontrolam é enorme. Não podemos deixar que isso aconteça de novo.