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Por que precisamos de mais mulheres nas diretorias e conselhos

Mulheres precisam contar com quem está no topo da cadeia de comando – CEOs, empresários e acionistas. Sem esse envolvimento, nada acontecerá

Mulheres: Instituto cria banco de talentos com profissionais de publicidade (Morsa Images/Getty Images)
KS

Karin Salomão

Publicado em 20 de junho de 2020 às 12h29.

Última atualização em 20 de junho de 2020 às 12h30.

O isolamento social mudou o comportamento de muitas pessoas. Ansiedade, estresse e irritação são sentimentos que pipocam, aqui e ali, e levam a sociedade a ampliar discussões que estavam antes num território neutro e inexplorado. Tensões antes escondidas ou empurradas para debaixo do tapete, neste ambiente, afloram e podem ser combustível para discussões acaloradas.

Nas redes sociais, grupos de WhastApp e ferramentas de videoconferência, pessoas começam a debater temas que não estavam na pauta habitual, gerando reações passionais e certa discórdia. Um desses temas, sem dúvida, é a participação de mulheres em posição de comando nas empresas ou em postos nos conselhos de administração .

Nos últimos dias, esse debate ganhou terreno e foi inclusive tema de debate virtual promovido por Money Report, que contou com quatro participantes que estão à frente de empresas ou participando de conselhos de administração (Ana Cristina Tena, CEO do Banco Travelex, Flávia Bittencourt, CEO do Grupo Adidas, Sandra Guerra, sócia-diretora da consultoria Better Governance, e Sônia Hess, vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil).

Mulheres são uma minoria expressiva nos cargos de chefia. Nos conselhos de administração, no entanto, a coisa é ainda pior. Segundo estimativa da especialista em governança Geovana Donella, as mulheres representam 10,5% do total de membros dos conselhos – uma das menores participações do mundo. Se excluirmos as suplentes, o percentual cai para 8,2%. Mas ao tiramos desta conta aquelas que são acionistas das empresas, o índice diminui mais um pouco, ficando abaixo de 7 %.

São inúmeras as razões que causam essa discrepância e talvez uma profunda discussão sobre estes fatores não seja o objeto de uma única coluna. Por outro lado, é possível escrever sobre como estimular uma mudança neste cenário e debater sobre como efetuar essa transformação.

Apesar dos números baixíssimos, há um tímido avanço: pela primeira vez na história, o estudo Board Index, desenvolvido pela empresa de recrutamento de executivos Spencer Stuart, mostra que mais da metade das empresas estabelecidas no Brasil (53%) apresenta pelo menos uma mulher em seu Conselho. Além disso, essa pesquisa indica que um crescimento anual participação feminina nos conselhos. Houve um avanço de 12 % na comparação entre os resultados de 2019 sobre os de 2018. Em relação aos números de 2015, o salto foi de 46 %.

Mas não há exatamente o que comemorar, já que a base inicial era baixíssima.

Um discussão que surgiu no debate de Money Report foi se as empresas deveriam utilizar cotas para defender um número mínimo de cadeiras ocupadas por mulheres. Entre nossas quatro debatedoras, duas se manifestaram contra as cotas, uma a favor e outra preferiu não manifestar opinião sobre o assunto.

Por princípio, sou contrário à interferência do Estado para definir o que uma empresa deve ou não fazer. Portanto, não vejo exatamente com simpatia a imposição de cotas num ambiente restrito à iniciativa privada, embora entenda o propósito de quem defenda este mecanismo.

É importante, porém, que todos pensemos em como pode ser prejudicial para um conselho ou mesmo para uma diretoria executiva só contar com o olhar masculino. Não se trata de dizer que uma visão é melhor ou pior que a outra – apenas diferente.

Estamos num mundo influenciado pelas redes sociais, com todas as suas vantagens e desvantagens. Muitas vezes, algo que parece despretensioso no julgamento de uma pessoa pode ser visto de forma desastrosa pela sociedade, que tem agora a opção de se manifestar pelo mundo digital. Isso leva a situações inéditas no Brasil, como por exemplo a arregimentação de boicotes, algo que nunca vingou por aqui – mas que, hoje, se enxerga amplamente difundida pela internet.

Ao termos um conjunto de diretores e conselheiros que possam contribuir com opiniões diferentes, as empresas conseguem evitar tomar direções erradas ou mesmo trilhar os caminhos da inovação com maior desenvoltura. E as mulheres desempenham um papel importantíssimo nesta renovação.

Além disso, há a famosa discussão em torno do “gender gap” – ou seja, o pagamento de salários diferentes para homens e mulheres que desempenham a mesma função. É preciso, antes de mais nada, dizer que não se pode traçar remunerações com base simplesmente no gênero dos colaboradores.

Um homem não é necessariamente mais competente que uma mulher e vice-e-versa. O segundo ponto é que muitas vezes há pessoas que merecem ganhar mais que seus colegas por questões que vão da capacidade profissional à atitude proativa. Isso é relativamente comum dentro das empresas – a o sexo ao qual essa pessoa pertence não deveria ser nunca o fator preponderante desta equação.

Há vozes conservadoras que dizem ser as mulheres donas de temperamento mais difícil que os homens. Pode até ser verdade. Mas tive colegas masculinos com personalidades complicadíssimas e gênio complexo. Portanto, a generalização é algo que temos o dever de deixar de lado.

Anos atrás, o “gender gap” ganhou certa notoriedade por conta de uma entrevista entre o psicólogo canadense Jordan Peterson e a jornalista inglesa Cathy Newman, do canal 4 da BBC britânica. Peterson, visto por muitos como uma voz do conservadorismo inteligente, foi execrado pelas feministas e idolatrado pelos tradicionalistas por conta deste episódio, ocorrido em 2018 (a entrevista pode ser vista neste link:

Cathy Newman teve vários momentos de embate com Peterson durante o colóquio, pressionando-o em relação aos pagamentos menores destinados ao sexo feminino. Para o psicólogo, há inúmeros fatores que explicam essa diferença e não apenas o prejulgamento. Ele, aliás, afirma taxativamente que “uma das razões é o preconceito e isso é errado”. Peterson também incorre em diferenças comportamentais entre homens e mulheres para explicar as razões pelas quais há menos mulheres no comando das companhias, o que pode ser encarado como uma visão machista. Mas em suas obras, o psicólogo – um anti-marxista convicto – coloca sempre o indivíduo e suas diferenças acima da massificação de conceitos. Portanto, pode-se acusá-lo de várias coisas, menos de incoerência.

Baseado em sua experiência como terapeuta, Peterson diz que as mulheres sofrem uma pressão psicológica para estabelecer uma família e encaminhar suas carreiras até a idade de 35 anos, o que é bastante estressante. Isso seria algo que faria a vida das executivas mais extenuante, uma vez que os homens, em várias ocasiões, não sentem essa mesma pressão (mas, cá entre nós, deveriam – as responsabilidades relativas à família não são apenas matriarcais). No meio da entrevista, ele diz: “Homens e mulheres não são iguais, mas isso não quer dizer que tenhamos de tratar ambos de forma injusta. Igualdade de oportunidades é desejável para todos”.

Peterson, que passa por um momento de saúde bastante frágil (está em processo de reabilitação em função do vício em benzodiazepinas, psicotrópicos cujas marcas mais conhecidas aqui no Brasil são Dormonid, Valium e Rivotril. Seu quadro psicológico foi fragilizado quando, no ano passado, sua mulher fora diagnosticada com um câncer terminal), sofreu muitas críticas por observações ácidas em relação ao feminismo.

Mas, ao mesmo tempo, também disse o seguinte em um de seus livros: “Nós merecemos algum respeito. Você merece algum respeito. Você é importante para outras pessoas, tanto quanto para si mesmo. Você tem um papel vital a desempenhar no mundo que se descortina à frente. Você é, portanto, moralmente obrigado a cuidar de si mesmo. Você deve cuidar, ajudar e ser bom consigo mesmo, da mesma maneira que cuidaria, ajudaria e seria bom com alguém que ama e valoriza. Você pode, portanto, ter que se comportar habitualmente de uma maneira que lhe permita ter respeito por seu próprio ser – e ser justo o suficiente em relação a isso”.

Parece ser um bom início para as mulheres que se sentem desvalorizadas no trabalho. Mas elas precisam contar com quem está no topo da cadeia de comando – CEOs, empresários e acionistas. Sem esse envolvimento, nada acontecerá. E precisa acontecer

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O isolamento social mudou o comportamento de muitas pessoas. Ansiedade, estresse e irritação são sentimentos que pipocam, aqui e ali, e levam a sociedade a ampliar discussões que estavam antes num território neutro e inexplorado. Tensões antes escondidas ou empurradas para debaixo do tapete, neste ambiente, afloram e podem ser combustível para discussões acaloradas.

Nas redes sociais, grupos de WhastApp e ferramentas de videoconferência, pessoas começam a debater temas que não estavam na pauta habitual, gerando reações passionais e certa discórdia. Um desses temas, sem dúvida, é a participação de mulheres em posição de comando nas empresas ou em postos nos conselhos de administração .

Nos últimos dias, esse debate ganhou terreno e foi inclusive tema de debate virtual promovido por Money Report, que contou com quatro participantes que estão à frente de empresas ou participando de conselhos de administração (Ana Cristina Tena, CEO do Banco Travelex, Flávia Bittencourt, CEO do Grupo Adidas, Sandra Guerra, sócia-diretora da consultoria Better Governance, e Sônia Hess, vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil).

Mulheres são uma minoria expressiva nos cargos de chefia. Nos conselhos de administração, no entanto, a coisa é ainda pior. Segundo estimativa da especialista em governança Geovana Donella, as mulheres representam 10,5% do total de membros dos conselhos – uma das menores participações do mundo. Se excluirmos as suplentes, o percentual cai para 8,2%. Mas ao tiramos desta conta aquelas que são acionistas das empresas, o índice diminui mais um pouco, ficando abaixo de 7 %.

São inúmeras as razões que causam essa discrepância e talvez uma profunda discussão sobre estes fatores não seja o objeto de uma única coluna. Por outro lado, é possível escrever sobre como estimular uma mudança neste cenário e debater sobre como efetuar essa transformação.

Apesar dos números baixíssimos, há um tímido avanço: pela primeira vez na história, o estudo Board Index, desenvolvido pela empresa de recrutamento de executivos Spencer Stuart, mostra que mais da metade das empresas estabelecidas no Brasil (53%) apresenta pelo menos uma mulher em seu Conselho. Além disso, essa pesquisa indica que um crescimento anual participação feminina nos conselhos. Houve um avanço de 12 % na comparação entre os resultados de 2019 sobre os de 2018. Em relação aos números de 2015, o salto foi de 46 %.

Mas não há exatamente o que comemorar, já que a base inicial era baixíssima.

Um discussão que surgiu no debate de Money Report foi se as empresas deveriam utilizar cotas para defender um número mínimo de cadeiras ocupadas por mulheres. Entre nossas quatro debatedoras, duas se manifestaram contra as cotas, uma a favor e outra preferiu não manifestar opinião sobre o assunto.

Por princípio, sou contrário à interferência do Estado para definir o que uma empresa deve ou não fazer. Portanto, não vejo exatamente com simpatia a imposição de cotas num ambiente restrito à iniciativa privada, embora entenda o propósito de quem defenda este mecanismo.

É importante, porém, que todos pensemos em como pode ser prejudicial para um conselho ou mesmo para uma diretoria executiva só contar com o olhar masculino. Não se trata de dizer que uma visão é melhor ou pior que a outra – apenas diferente.

Estamos num mundo influenciado pelas redes sociais, com todas as suas vantagens e desvantagens. Muitas vezes, algo que parece despretensioso no julgamento de uma pessoa pode ser visto de forma desastrosa pela sociedade, que tem agora a opção de se manifestar pelo mundo digital. Isso leva a situações inéditas no Brasil, como por exemplo a arregimentação de boicotes, algo que nunca vingou por aqui – mas que, hoje, se enxerga amplamente difundida pela internet.

Ao termos um conjunto de diretores e conselheiros que possam contribuir com opiniões diferentes, as empresas conseguem evitar tomar direções erradas ou mesmo trilhar os caminhos da inovação com maior desenvoltura. E as mulheres desempenham um papel importantíssimo nesta renovação.

Além disso, há a famosa discussão em torno do “gender gap” – ou seja, o pagamento de salários diferentes para homens e mulheres que desempenham a mesma função. É preciso, antes de mais nada, dizer que não se pode traçar remunerações com base simplesmente no gênero dos colaboradores.

Um homem não é necessariamente mais competente que uma mulher e vice-e-versa. O segundo ponto é que muitas vezes há pessoas que merecem ganhar mais que seus colegas por questões que vão da capacidade profissional à atitude proativa. Isso é relativamente comum dentro das empresas – a o sexo ao qual essa pessoa pertence não deveria ser nunca o fator preponderante desta equação.

Há vozes conservadoras que dizem ser as mulheres donas de temperamento mais difícil que os homens. Pode até ser verdade. Mas tive colegas masculinos com personalidades complicadíssimas e gênio complexo. Portanto, a generalização é algo que temos o dever de deixar de lado.

Anos atrás, o “gender gap” ganhou certa notoriedade por conta de uma entrevista entre o psicólogo canadense Jordan Peterson e a jornalista inglesa Cathy Newman, do canal 4 da BBC britânica. Peterson, visto por muitos como uma voz do conservadorismo inteligente, foi execrado pelas feministas e idolatrado pelos tradicionalistas por conta deste episódio, ocorrido em 2018 (a entrevista pode ser vista neste link:

Cathy Newman teve vários momentos de embate com Peterson durante o colóquio, pressionando-o em relação aos pagamentos menores destinados ao sexo feminino. Para o psicólogo, há inúmeros fatores que explicam essa diferença e não apenas o prejulgamento. Ele, aliás, afirma taxativamente que “uma das razões é o preconceito e isso é errado”. Peterson também incorre em diferenças comportamentais entre homens e mulheres para explicar as razões pelas quais há menos mulheres no comando das companhias, o que pode ser encarado como uma visão machista. Mas em suas obras, o psicólogo – um anti-marxista convicto – coloca sempre o indivíduo e suas diferenças acima da massificação de conceitos. Portanto, pode-se acusá-lo de várias coisas, menos de incoerência.

Baseado em sua experiência como terapeuta, Peterson diz que as mulheres sofrem uma pressão psicológica para estabelecer uma família e encaminhar suas carreiras até a idade de 35 anos, o que é bastante estressante. Isso seria algo que faria a vida das executivas mais extenuante, uma vez que os homens, em várias ocasiões, não sentem essa mesma pressão (mas, cá entre nós, deveriam – as responsabilidades relativas à família não são apenas matriarcais). No meio da entrevista, ele diz: “Homens e mulheres não são iguais, mas isso não quer dizer que tenhamos de tratar ambos de forma injusta. Igualdade de oportunidades é desejável para todos”.

Peterson, que passa por um momento de saúde bastante frágil (está em processo de reabilitação em função do vício em benzodiazepinas, psicotrópicos cujas marcas mais conhecidas aqui no Brasil são Dormonid, Valium e Rivotril. Seu quadro psicológico foi fragilizado quando, no ano passado, sua mulher fora diagnosticada com um câncer terminal), sofreu muitas críticas por observações ácidas em relação ao feminismo.

Mas, ao mesmo tempo, também disse o seguinte em um de seus livros: “Nós merecemos algum respeito. Você merece algum respeito. Você é importante para outras pessoas, tanto quanto para si mesmo. Você tem um papel vital a desempenhar no mundo que se descortina à frente. Você é, portanto, moralmente obrigado a cuidar de si mesmo. Você deve cuidar, ajudar e ser bom consigo mesmo, da mesma maneira que cuidaria, ajudaria e seria bom com alguém que ama e valoriza. Você pode, portanto, ter que se comportar habitualmente de uma maneira que lhe permita ter respeito por seu próprio ser – e ser justo o suficiente em relação a isso”.

Parece ser um bom início para as mulheres que se sentem desvalorizadas no trabalho. Mas elas precisam contar com quem está no topo da cadeia de comando – CEOs, empresários e acionistas. Sem esse envolvimento, nada acontecerá. E precisa acontecer

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