Exame.com
Continua após a publicidade

Por que os jovens ricos votam na esquerda?

Independente da inteligência de qualquer um, os ideais de justiça social têm grande apelo junto aos mais jovens

Urna eletrônica foi usada pela primeira vez em 1996. (Ueslei Marcelino/Reuters)
Urna eletrônica foi usada pela primeira vez em 1996. (Ueslei Marcelino/Reuters)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 3 de dezembro de 2020 às, 07h33.

Última atualização em 3 de dezembro de 2020 às, 08h41.

Há uma frase que já foi atribuída ao Rei Oscar II da Suécia, a Winston Churchill e a vários pensadores, que faz correlação entre orientação política e idade. Esta máxima varia em seu formato e na sintaxe, mas o sentido sempre é o seguinte: “se alguém é de esquerda quando jovem, isso mostra que essa pessoa tem coração; mas se ela for de esquerda quando adulto, pode-se dizer que ela não tem cérebro”. A frase desnuda a inviabilidade econômica que cerca regimes socialistas e comunistas (uma compreensão que vem com os anos de existência) e traz em seu bojo uma grande dose de crueldade em relação aos esquerdistas veteranos.

Evidentemente, aqueles que são fiéis a seus ideais de juventude muitas vezes são pessoas inteligentíssimas e discutem inúmeros assuntos com brilhantismo – mas derrapam solenemente quando o tema é economia e a viabilidade de uma nação de acordo com o tamanho de seu Estado. Para a esquerda, quanto maior for a estrutura e as ramificações estatais, melhor (alguns partidários do capitalismo, é sempre bom lembrar, comungam dessa ideia). Já para os liberais, o ideal é um estado menor e adequado às necessidades mínimas da sociedade. O restante fica por conta da iniciativa privada.

Voltando ao mote inicial: independente da inteligência de qualquer um, os ideais de justiça social têm grande apelo junto aos mais jovens.

Os mais velhos geralmente abandonam a ideologia de esquerda conforme vão entendendo como funciona a economia e percebem que um sistema comunista não tem viabilidade financeira, pois destrói a individualismo e, com isso, a centelha empreendedora que gera riquezas. Dessa forma, a única forma viável de se manter o sistema é através do totalitarismo, impondo uma repartição (mais ou menos) igualitária de recursos à sociedade. Se esse fosse o preço a pagar para que todo mundo tivesse uma vida de classe média, haveria até maior apelo para se discutir o tema. Mas o que se vê, na prática, é a pobreza disseminada e fracionada.

Além disso, os adultos estão plenamente envolvidos em seu próprio desenvolvimento profissional ou empresarial. Nessa corrida por um lugar ao sol, as pessoas investem em suas carreiras ou empreendimentos e não têm muito tempo a perder com discussões ideológicas. Isso se acentua quando estes mesmos adultos formam famílias. Nesse caso, há crianças a alimentar, vestir, proteger e educar. Isso requer dinheiro e dedicação. Sendo assim, os ideais de justiça e equanimidade sociais ficam para trás.

É curioso ver que os jovens continuam sendo seduzidos por um conceito antigo. Afinal, o socialismo surgiu como teoria no século 19, em plena época do capitalismo selvagem. Do ponto de vista prático, teve início em 1917, com a revolução russa, e basicamente acabou com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Já o capitalismo vem se reinventando desde o escambo ficou para trás – a economia digital está aí para provar essa metamorfose constante.

Mas a juventude sempre quis consertar o mundo. E continua assim até hoje. Isso pode ser observado inclusive entre os jovens de alta renda. Assim, percebeu-se na corrida eleitoral em São Paulo uma espécie de aliança entre a periferia e a mocidade bem nascida em torno da candidatura Guilherme Boulos (uma pesquisa recente mostrou que o candidato do PSOL liderava as intenções de voto entre os jovens que tinham renda superior a 5 salários-mínimos).

Em tese, os mais ricos votariam em quem quisesse preservar o status quo e manter a sociedade do jeito que está. Mas, os jovens com boas condições econômicas em São Paulo votaram em um candidato que, há pouco tempo, estava invadindo propriedades alheias.
Boulos foi esperto o suficiente para não utilizar a palavra “socialismo” em sua campanha. Focou em um discurso de mudanças e apoio integral à diversidade, bandeira carregada por quase toda a juventude. Com isso, foi ganhando terreno e chegou a uma votação expressiva, ultrapassando a marca de 40 % dos votos válidos. Essa receita atraiu e mobilizou a garotada.

No que depender dos jovens, o candidato ideal em 2022 será aquele que questionar o conservadorismo de Bolsonaro, independentemente de sua orientação político-econômica. Enquanto esse representante for Boulos, porém, a chance de vitória será mínima, pois a esquerda ainda não deve ter força suficiente em 2022. Mas esse sentimento pode ser aproveitado por outro candidato, que conjugue moderação e mudança em seu discurso. Por enquanto, o jogo ainda está aberto. Mas a campanha vai começar a esquentar mesmo em 2021. Por enquanto, o único protagonista desta trama é o presidente. Mas logo teremos vários postulantes a antagonistas surgindo ao longo do ano que vem. Preparem-se para o bate-boca. Vai ser duro de engolir.
Sobre jovens e o esquerdismo, há um livro bastante interessante sobre o tema. Trata-se de “Exit Right: The People Who Left the Left and Reshaped the American Century”, de Daniel Oppenheimer.

A obra versa sobre seis personagens que deixaram as fileiras da esquerda e se transformaram em pensadores do conservadorismo americano. O conceito de esquerdismo, aqui, é americano e bastante amplo, pois coloca no mesmo balaio ex-trotskistas como o filósofo James Burnham e um ex-membro do Partido Democrata, entusiasta do New Deal de Franklin Delano Roosevelt. Seu nome? Ronald Reagan, hoje um ícone entre os conservadores republicanos.

Oppenheimer consegue definir com precisão porque muitas pessoas começam a vida adulta na esquerda e a terminam na direita. Ele afirma: “Uma identidade política é sempre uma negociação entre o que a vida requer e aquilo que nós somos”. Com o passar do tempo, o cotidiano vai exigindo cada vez mais e nos fazendo refletir sobre o nosso papel na sociedade, na economia e no cenário político. Conforme as pessoas passam a perceber o valor de suas realizações e a importância dos indivíduos na criação de recursos que compõem a riqueza de uma nação, a escolha sobre que lado escolher parece óbvia.

Mas nossas convicções ideológicas não devem ser motivo de discussão, briga ou desentendimento entre amigos, familiares e mesmo desconhecidos. Este caldo cultural deve fomentar apenas debates intelectuais, sem golpes abaixo da linha da cintura. Precisamos ter a serenidade de perceber que o caminho do confronto aberto e frequente não leva a nada – uma lição, aliás, que deveríamos ter aprendido nas últimas eleições municipais. De maneira geral, ganhou quem manteve a cabeça fria e percebeu que seus oponentes eram apenas adversários e não inimigos mortais. Levantemos o chapéu a todos que enxergaram seus rivais com elegância e dignidade, sem apelar para acusações falsas e despropositadas. Estes devotos do respeito ao próximo, com credos ou ideologias eventualmente diferentes das nossas, são os verdadeiros exemplos através dos quais a juventude deveria se mirar.