Por que os artistas são de esquerda no Brasil?
A comparação é cruel em todos os campos artísticos: teatro, cinema, música ou literatura. Os melhores estão ao lado da esquerda
Da Redação
Publicado em 11 de outubro de 2021 às 13h04.
Última atualização em 11 de outubro de 2021 às 14h42.
Aluizio Falcão Filho
Conforme mais e mais pesquisas mostram que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro continua em queda e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter sete vidas políticas para gastar, o PT se consolida como o adversário a ser batido pelos governistas. Neste cenário, começam a pipocar novamente vídeos que atacam o Partido dos Trabalhadores e desancam a esquerda sem dó nem piedade.
Duas coisas chamam atenção nestas peças publicitárias. O primeiro é o tom de revolta utilizado na narrativa: os locutores parecem estar dando uma bronca em quem assiste o vídeo. E os roteiros buscam um didatismo exagerado, daqueles que cansariam até o personagem Forrest Gump, de Tom Hanks.
Os vídeos de direita que achincalham a esquerda têm essa característica: parecem ser feitos para agradar a quem já pensa daquela forma. Trata-se de uma fórmula prisioneira da lacração, na qual os roteiristas estão mais preocupados em cutucar os esquerdistas do que ganhar novos adeptos.
Se adotassem uma linguagem mais acolhedora e emocional, esses vídeos poderiam até atrair eleitores que estão em dúvida em relação ao caminho político que podem tomar. Mas o conceito de linguagem emocional que esses produtores têm em mente é geralmente colocar uma trilha sonora parecida com a do seriado Game of Thrones e sapecar imagens da bandeira nacional tremulando.
Temos um paradoxo de comunicação na direita. Bolsonaro, goste-se ou não dele, consegue se comunicar com as massas. Seus seguidores, no entanto, só conseguem criar peças de comunicação que pregam para os convertidos (se bem que, ultimamente, o foco do presidente tem sido exclusivamente em seu séquito mais fiel).
Esse fenômeno ocorre porque a maioria esmagadora (para não dizer a totalidade) do talento artístico está do outro lado. Pode-se criticar o esquerdismo de Chico Buarque, mas sua capacidade como compositor é inegável. É possível comparar sua obra com a de Roger Rocha Moreira, do Ultraje a Rigor?
Roger se firmou como um dos nomes irreverentes do rock brasileiro e se tornou um porta-voz do conservadorismo. É seu direto manifestar suas opiniões políticas e criticar a esquerda, como geralmente faz. Mas, se fôssemos comparar seu talento como letrista com o de Chico, o roqueiro sairia perdendo fragorosamente.
Essa comparação é cruel em todos os campos artísticos: teatro, cinema, música ou literatura. Os melhores estão ao lado da esquerda. Alguns ícones esquerdistas enfrentam até polêmicas envolvendo suas vidas pessoais, como Caetano Veloso – mas o conjunto da obra do irmão de Maria Bethânia é de uma qualidade impressionante e reconhecido por todos os críticos musicais, inclusive os que se alinham com a direita.
Qual é a explicação dos vídeos bolsonaristas para isso? Os artistas são de esquerda por causa da Lei Rouanet. Dessa forma, na época do PT, eles receberam muito dinheiro do governo. E essa é a razão pela qual todos os artistas são petistas.
Bem, vamos discutir melhor esse ponto. Artistas são, geralmente, pessoas contestadoras e que gostam de desafiar o sistema. Dentro de uma sociedade como a brasileira, a chance de que esses artistas cheguem à idade adulta já pensando como esquerdistas é enorme. Portanto, o fato de a classe artística ser de esquerda pouco tem a ver com incentivos fiscais da Rouanet. Essa posição política é construída normalmente durante a adolescência, quando ninguém está preocupado em captar verbas para shows.
Aliás, esse é outro ponto ignorado pelos vídeos dos seguidores de Bolsonaro. A Lei Rouanet permite que produtores de obras artísticas – com a aprovação do governo – captem recursos junto a empresas que seriam utilizados para pagar parte dos impostos devidos.
Ou seja, se o governo autorizar a captação de R$ 1 milhão, por exemplo, isso não quer dizer que uma produção receba automaticamente essa quantia. Os donos do projeto terão de visitar empresas que têm imposto a pagar para convencê-las a destinar parte deste dinheiro para sua obra. Não é exatamente uma tarefa fácil – e muitos produtores não conseguem nem marcar reuniões com quem de fato manda nesses recursos.
Outro ponto interessante é olhar o ranking das dez maiores captações da Lei Rouanet de 2018: há três companhias de produção e sete instituições, como museus e orquestras sinfônicas. Não há exatamente artistas faturando horrores com esse instrumento. Portanto, achar que os artistas apoiam a esquerda apenas porque estão interessados em uma boquinha é pensar pequeno. Artistas são contestadores e outsiders desde que o mundo é mundo (nem precisamos entrar da discussão de que os músicos e atores da Velha Guarda eram contra a censura imposta pelo Regime Militar e por isso preferiram atuar na oposição).
Nos Estados Unidos, no qual a esquerda é bastante reduzida, há pessoas talentosas que se alinham com a direita. Elvis Presley foi um deles. Frank Sinatra foi outro, que trocou os democratas pelos republicanos no início dos anos 1970. Prince era testemunha de Jeová e republicano. Clint Eastwood sempre foi conservador e eleitor de direita. Entre os jovens, as cantoras Taylor Swift e Britney Spears, assim como as atrizes Jennifer Love Hewitt e Melissa Joan Hart, também são republicanas. Ou seja, nos EUA, há mais artistas democratas que republicanos – mas o jogo não está tão desequilibrado como no Brasil.
Uma coisa é certa: se a direita continuar produzindo vídeos raivosos e com doses diminutas de empatia, ficará falando apenas dentro de sua panela. Não conseguirá conquistar o centro e poderá ficar falando sozinha.
Aluizio Falcão Filho
Conforme mais e mais pesquisas mostram que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro continua em queda e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter sete vidas políticas para gastar, o PT se consolida como o adversário a ser batido pelos governistas. Neste cenário, começam a pipocar novamente vídeos que atacam o Partido dos Trabalhadores e desancam a esquerda sem dó nem piedade.
Duas coisas chamam atenção nestas peças publicitárias. O primeiro é o tom de revolta utilizado na narrativa: os locutores parecem estar dando uma bronca em quem assiste o vídeo. E os roteiros buscam um didatismo exagerado, daqueles que cansariam até o personagem Forrest Gump, de Tom Hanks.
Os vídeos de direita que achincalham a esquerda têm essa característica: parecem ser feitos para agradar a quem já pensa daquela forma. Trata-se de uma fórmula prisioneira da lacração, na qual os roteiristas estão mais preocupados em cutucar os esquerdistas do que ganhar novos adeptos.
Se adotassem uma linguagem mais acolhedora e emocional, esses vídeos poderiam até atrair eleitores que estão em dúvida em relação ao caminho político que podem tomar. Mas o conceito de linguagem emocional que esses produtores têm em mente é geralmente colocar uma trilha sonora parecida com a do seriado Game of Thrones e sapecar imagens da bandeira nacional tremulando.
Temos um paradoxo de comunicação na direita. Bolsonaro, goste-se ou não dele, consegue se comunicar com as massas. Seus seguidores, no entanto, só conseguem criar peças de comunicação que pregam para os convertidos (se bem que, ultimamente, o foco do presidente tem sido exclusivamente em seu séquito mais fiel).
Esse fenômeno ocorre porque a maioria esmagadora (para não dizer a totalidade) do talento artístico está do outro lado. Pode-se criticar o esquerdismo de Chico Buarque, mas sua capacidade como compositor é inegável. É possível comparar sua obra com a de Roger Rocha Moreira, do Ultraje a Rigor?
Roger se firmou como um dos nomes irreverentes do rock brasileiro e se tornou um porta-voz do conservadorismo. É seu direto manifestar suas opiniões políticas e criticar a esquerda, como geralmente faz. Mas, se fôssemos comparar seu talento como letrista com o de Chico, o roqueiro sairia perdendo fragorosamente.
Essa comparação é cruel em todos os campos artísticos: teatro, cinema, música ou literatura. Os melhores estão ao lado da esquerda. Alguns ícones esquerdistas enfrentam até polêmicas envolvendo suas vidas pessoais, como Caetano Veloso – mas o conjunto da obra do irmão de Maria Bethânia é de uma qualidade impressionante e reconhecido por todos os críticos musicais, inclusive os que se alinham com a direita.
Qual é a explicação dos vídeos bolsonaristas para isso? Os artistas são de esquerda por causa da Lei Rouanet. Dessa forma, na época do PT, eles receberam muito dinheiro do governo. E essa é a razão pela qual todos os artistas são petistas.
Bem, vamos discutir melhor esse ponto. Artistas são, geralmente, pessoas contestadoras e que gostam de desafiar o sistema. Dentro de uma sociedade como a brasileira, a chance de que esses artistas cheguem à idade adulta já pensando como esquerdistas é enorme. Portanto, o fato de a classe artística ser de esquerda pouco tem a ver com incentivos fiscais da Rouanet. Essa posição política é construída normalmente durante a adolescência, quando ninguém está preocupado em captar verbas para shows.
Aliás, esse é outro ponto ignorado pelos vídeos dos seguidores de Bolsonaro. A Lei Rouanet permite que produtores de obras artísticas – com a aprovação do governo – captem recursos junto a empresas que seriam utilizados para pagar parte dos impostos devidos.
Ou seja, se o governo autorizar a captação de R$ 1 milhão, por exemplo, isso não quer dizer que uma produção receba automaticamente essa quantia. Os donos do projeto terão de visitar empresas que têm imposto a pagar para convencê-las a destinar parte deste dinheiro para sua obra. Não é exatamente uma tarefa fácil – e muitos produtores não conseguem nem marcar reuniões com quem de fato manda nesses recursos.
Outro ponto interessante é olhar o ranking das dez maiores captações da Lei Rouanet de 2018: há três companhias de produção e sete instituições, como museus e orquestras sinfônicas. Não há exatamente artistas faturando horrores com esse instrumento. Portanto, achar que os artistas apoiam a esquerda apenas porque estão interessados em uma boquinha é pensar pequeno. Artistas são contestadores e outsiders desde que o mundo é mundo (nem precisamos entrar da discussão de que os músicos e atores da Velha Guarda eram contra a censura imposta pelo Regime Militar e por isso preferiram atuar na oposição).
Nos Estados Unidos, no qual a esquerda é bastante reduzida, há pessoas talentosas que se alinham com a direita. Elvis Presley foi um deles. Frank Sinatra foi outro, que trocou os democratas pelos republicanos no início dos anos 1970. Prince era testemunha de Jeová e republicano. Clint Eastwood sempre foi conservador e eleitor de direita. Entre os jovens, as cantoras Taylor Swift e Britney Spears, assim como as atrizes Jennifer Love Hewitt e Melissa Joan Hart, também são republicanas. Ou seja, nos EUA, há mais artistas democratas que republicanos – mas o jogo não está tão desequilibrado como no Brasil.
Uma coisa é certa: se a direita continuar produzindo vídeos raivosos e com doses diminutas de empatia, ficará falando apenas dentro de sua panela. Não conseguirá conquistar o centro e poderá ficar falando sozinha.