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Por que a América Latina está virando à esquerda?

Estamos vivendo um movimento pendular? Talvez sim. Mas as razões que movem esses países à esquerda são particulares

Gustavo Petro e sua vice, Francia Marquez (Sebastian Barros/NurPhoto/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2022 às 11h41.

Aluizio Falcão Filho

Primeiro, foi a Argentina. Depois, o Chile. Nesta semana, a Colômbia – e Luiz Inácio Lula da Silva segue firme na liderança das pesquisas eleitorais no Brasil. Esses movimentos mostram que existe uma tendência regional? Todo o continente vai eleger presidentes de esquerda? Bem, isso já ocorreu antes, especialmente no início dos anos 2000, quando várias nações da região foram nesta direção. Depois, porém, houve a eleição de presidentes identificados com a direita, como Mauricio Macri e Jair Bolsonaro.

Estamos, assim, enfrentando um movimento pendular? Talvez sim. Mas as razões que movem esses países à esquerda são particulares – ou seja, não há uma única razão que esteja regendo a América do Sul em direção ao esquerdismo.

Comecemos pela Argentina, onde o peronismo tem raízes fortes. O governo de Macri prometeu reformas liberais, mas foi perdendo o ímpeto conforme os sindicalistas criaram empecilhos às mudanças. Sem condições políticas de implementar reformas robustas, o presidente argentino começou a adotar medidas populistas. Resultado: ficou no meio do caminho, a economia começou a ratear e Macri perdeu o pleito.

No Chile, no entanto, a eleição de Gabriel Boric tem mais a ver com o desgaste de um modelo econômico adotado ainda nos tempos do ditador Augusto Pinochet. Uma plataforma liberal que sobreviveu a governos socialistas, como o de Michele Bachelet, mas que não conseguiu criar soluções para problemas sociais que se mostraram mais fortes depois do grande terremoto pelo qual passou o país em 2010. Além disso, o presidente Sebastian Piñera foi envolvido em um escândalo (Panamá Papers), que afetou duramente as chances de seu candidato, Sebastian Sichel, que sequer passou ao segundo turno. Boric enfrentou José Antonio Kast, um candidato de direita que contava com o apoio de grupos pinochetistas. O povo chileno, apostando em uma mudança, foi de Boric.

Na Colômbia, o ex-guerrilheiro Gustavo Petro (imagem) derrotou um candidato de direita com perfil semelhante ao de Bolsonaro no Brasil. Quando olhamos para os números recentes, o país vem de um crescimento econômico significativo (mais de 10 % de alta do PIB em 2021 e 7,5 % no primeiro trimestre de 2022). Ocorre que o ano de 2020, fustigado pela pandemia, registrou queda de quase 7 %. Depois que o país foi pacificado em 2016, experimentou altas modestas, mas consistentes em seu produto interno. Petro é constantemente acusado de ligações com o narcotráfico. Mas isso não impediu sua eleição, que foi marcada pelo menor índice de abstenções da história recente da nação (46 %, já que o voto é facultativo). Não se pode dizer que existam problemas econômicos estruturais na Colômbia. Mas talvez a sociedade tenha se cansado dos candidatos tradicionalistas e resolvido partir para uma proposta diferente.

No Brasil, Lula segue na liderança das pesquisas e tem uma grande chance de ganhar o pleito de outubro. O governo vive um momento difícil, no qual a inflação está em alta e o desemprego cai em doses firmes, porém lentas.

Como se vê, embora existam diferenças estruturais, há dois pontos em comum em quase todos os países que resolvem apostar na esquerda. O primeiro é um desgaste gerado pela economia (e, neste caso, pode-se dizer que o modelo amplamente liberal jamais foi implementado de fato na Argentina e no Brasil e sim somente no Chile). Ao mesmo tempo, nações mais tradicionalistas, como Chile e Colômbia, viram a ascensão de jovens que pensam diferente como eleitores de esquerda – um fenômeno que também ocorre por aqui.

A soma destes dois fatores turbinou os candidatos de esquerda. Mas ainda há bastiões da direita no continente, como Uruguai e Paraguai. O governo paraguaio, inclusive, tem sido corajoso em adotar um sistema tributário simples e eficaz: alíquota única de 10 %.

Esse modelo parece dar certo. O PIB paraguaio nos últimos 15 anos, segundo a consultoria CEIC Data, teve uma queda média de 0,6 %. Parece ruim? Sim. Mas vamos comparar esses dados com os dos países que recentemente resolveram optar pela esquerda. A Argentina, neste mesmo período, viu seu PIB encolher 8,4 % em termos reais. O Chile? Queda de 6,9 %. Já o PIB da Colômbia involuiu 8,2 %.

O Brasil, não teve uma performance tão ruim quanto a de Argentina, Chile e Colômbia: a queda foi de 1,5 %. Esse índice, no entanto, é insuficiente para fazer frente às necessidades de um país de 220 milhões de habitantes como o Brasil e torna a geração de empregos mais lerda do que o necessário – além de colaborar para a disseminação da miséria. Precisamos urgentemente de uma política que estimule o empreendedorismo, através da diminuição de impostos, e de um plano educacional que consiga dar melhores condições à população para sonhar com uma vida melhor.

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Aluizio Falcão Filho

Primeiro, foi a Argentina. Depois, o Chile. Nesta semana, a Colômbia – e Luiz Inácio Lula da Silva segue firme na liderança das pesquisas eleitorais no Brasil. Esses movimentos mostram que existe uma tendência regional? Todo o continente vai eleger presidentes de esquerda? Bem, isso já ocorreu antes, especialmente no início dos anos 2000, quando várias nações da região foram nesta direção. Depois, porém, houve a eleição de presidentes identificados com a direita, como Mauricio Macri e Jair Bolsonaro.

Estamos, assim, enfrentando um movimento pendular? Talvez sim. Mas as razões que movem esses países à esquerda são particulares – ou seja, não há uma única razão que esteja regendo a América do Sul em direção ao esquerdismo.

Comecemos pela Argentina, onde o peronismo tem raízes fortes. O governo de Macri prometeu reformas liberais, mas foi perdendo o ímpeto conforme os sindicalistas criaram empecilhos às mudanças. Sem condições políticas de implementar reformas robustas, o presidente argentino começou a adotar medidas populistas. Resultado: ficou no meio do caminho, a economia começou a ratear e Macri perdeu o pleito.

No Chile, no entanto, a eleição de Gabriel Boric tem mais a ver com o desgaste de um modelo econômico adotado ainda nos tempos do ditador Augusto Pinochet. Uma plataforma liberal que sobreviveu a governos socialistas, como o de Michele Bachelet, mas que não conseguiu criar soluções para problemas sociais que se mostraram mais fortes depois do grande terremoto pelo qual passou o país em 2010. Além disso, o presidente Sebastian Piñera foi envolvido em um escândalo (Panamá Papers), que afetou duramente as chances de seu candidato, Sebastian Sichel, que sequer passou ao segundo turno. Boric enfrentou José Antonio Kast, um candidato de direita que contava com o apoio de grupos pinochetistas. O povo chileno, apostando em uma mudança, foi de Boric.

Na Colômbia, o ex-guerrilheiro Gustavo Petro (imagem) derrotou um candidato de direita com perfil semelhante ao de Bolsonaro no Brasil. Quando olhamos para os números recentes, o país vem de um crescimento econômico significativo (mais de 10 % de alta do PIB em 2021 e 7,5 % no primeiro trimestre de 2022). Ocorre que o ano de 2020, fustigado pela pandemia, registrou queda de quase 7 %. Depois que o país foi pacificado em 2016, experimentou altas modestas, mas consistentes em seu produto interno. Petro é constantemente acusado de ligações com o narcotráfico. Mas isso não impediu sua eleição, que foi marcada pelo menor índice de abstenções da história recente da nação (46 %, já que o voto é facultativo). Não se pode dizer que existam problemas econômicos estruturais na Colômbia. Mas talvez a sociedade tenha se cansado dos candidatos tradicionalistas e resolvido partir para uma proposta diferente.

No Brasil, Lula segue na liderança das pesquisas e tem uma grande chance de ganhar o pleito de outubro. O governo vive um momento difícil, no qual a inflação está em alta e o desemprego cai em doses firmes, porém lentas.

Como se vê, embora existam diferenças estruturais, há dois pontos em comum em quase todos os países que resolvem apostar na esquerda. O primeiro é um desgaste gerado pela economia (e, neste caso, pode-se dizer que o modelo amplamente liberal jamais foi implementado de fato na Argentina e no Brasil e sim somente no Chile). Ao mesmo tempo, nações mais tradicionalistas, como Chile e Colômbia, viram a ascensão de jovens que pensam diferente como eleitores de esquerda – um fenômeno que também ocorre por aqui.

A soma destes dois fatores turbinou os candidatos de esquerda. Mas ainda há bastiões da direita no continente, como Uruguai e Paraguai. O governo paraguaio, inclusive, tem sido corajoso em adotar um sistema tributário simples e eficaz: alíquota única de 10 %.

Esse modelo parece dar certo. O PIB paraguaio nos últimos 15 anos, segundo a consultoria CEIC Data, teve uma queda média de 0,6 %. Parece ruim? Sim. Mas vamos comparar esses dados com os dos países que recentemente resolveram optar pela esquerda. A Argentina, neste mesmo período, viu seu PIB encolher 8,4 % em termos reais. O Chile? Queda de 6,9 %. Já o PIB da Colômbia involuiu 8,2 %.

O Brasil, não teve uma performance tão ruim quanto a de Argentina, Chile e Colômbia: a queda foi de 1,5 %. Esse índice, no entanto, é insuficiente para fazer frente às necessidades de um país de 220 milhões de habitantes como o Brasil e torna a geração de empregos mais lerda do que o necessário – além de colaborar para a disseminação da miséria. Precisamos urgentemente de uma política que estimule o empreendedorismo, através da diminuição de impostos, e de um plano educacional que consiga dar melhores condições à população para sonhar com uma vida melhor.

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