A vida pública é um teste constante de autocontrole. Isso já ocorre normalmente em períodos de tranquilidade. Quando o mar político está revolto, então, os ânimos exaltados exigem de autoridades e representantes do Estado doses extras de paciência e de comedimento. Ontem, porém, tivemos dois exemplos de destemperança por parte de nomes importantes do governo que, submetidos à pressão, perderam as estribeiras.
Um deles foi o ministro da Controladoria Geral da União, Wagner do Rosário (foto), na sessão da CPI da Pandemia . Os embates entre Rosário e senadores desde o começo dos trabalhos ganharam uma oitava acima do normal. Logo no início da tarde, o senador Tasso Jereissati, incomodado com o tom do titular da CGU, pediu que o depoente “baixasse a bola” e “respeitasse a casa”.
O efeito causado pelas palavras do senador tucano, curiosamente, foi o oposto. Rosário foi se exaltando cada vez mais. Os parlamentares, percebendo sua disposição para a briga, também passaram a provocá-lo. Mas o auge se deu durante a intervenção da senadora Simonet Tebet, que mostrou minuciosamente o processo da compra de vacinas pelo governo federal e indicou todos os momentos em que a CGU poderia ter entrado para questionar certos movimentos.
Rosário, então, pediu que ela repetisse toda a apresentação, pois estaria repleta de “inverdades”. Como a senadora se recusou a repetir as telas mostradas, Rosário disse que Simone Tebet estava “descontrolada”. Uma quizumba se fez no auditório da CPI e a sessão foi interrompida e posteriormente encerrada.
Saldo das bravatas: Rosário entrou na CPI como testemunha e saiu como investigado. Valeu a pena bancar o galo de briga? Além do mais, o chefe da CGU, que poderia entrar anônimo em qualquer ambiente público, ganhou uma notoriedade indesejável e será questionado publicamente por todas as mulheres que se sentiram ofendidas pelo adjetivo endereçado à senadora Tebet (que fazia seus questionamentos de forma normal e nada descontrolada).
Algumas horas antes da confusão ocorrida na CPI, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga , também teve um momento de desequilíbrio. Quando a comitiva presidencial saía para um compromisso, enfrentou vaias e apupos de manifestantes. Já dentro da van, Queiroga, possesso, se levanta de seu assento e confronta os integrantes do protesto com um gesto obsceno (o dedo do meio em riste nas duas mãos).
Isso ocorre em um momento no qual o ministro resolveu ir contra as determinações da Anvisa e recomendar a interrupção da vacinação dos adolescentes brasileiros – atitude que foi rejeitada por um número significativo de governadores, que mantiveram o programa de imunização para a faixa etária que está entre 12 e 17 anos. Mais tarde, descobriu-se que o titular da Saúde fora diagnosticado com Covid-19. Teria sido essa explosão emocional um efeito colateral da doença?
Temos aqui dois exemplos, separados por poucas horas, que mostra pessoas importantes da administração federal em comportamentos de confronto e de agressividade. Esse tipo de atitude, aqui e acolá pipocam dentro do governo.
Precisamos citar mais uma vez a máxima do filósofo americano Ralph Waldo Emerson: “Toda instituição é a sombra projetada de um único homem. Seu caráter determina o caráter de sua organização”. Se temos um presidente da República com arroubos emocionais e temperamento com gosto para o conflito, o que podemos esperar dos escalões de seu governo? Nem todos seguirão o seu exemplo, evidentemente, mas alguns vão considerá-lo um paradigma e imitá-lo. Outros já trarão esse comportamento dentro de si e simplesmente se sentirão confortáveis de exibi-lo sem maiores pudores.
Ocorre que a política não se faz com enfrentamento contínuo. É preciso entendimento e convergência para que um governo consiga criar um ambiente frutífero de negócios e desenvolvimento econômico. Se nos entregarmos à raiva ou cedermos à provocação dos opositores, teremos uma administração que irá do nada ao lugar nenhum. Não há maior poder desorientador do que o da fúria e o do ressentimento.
Uma combinação destes dois sentimentos, portanto, é perigosíssima. E esse é o risco que corremos – o de ter líderes que se deixam levar pelas emoções em vez de manter o equilíbrio e buscar a coerência necessária para buscar a prosperidade da nossa nação.
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