Pelo jeito, teremos mais uma eleição com abstenção alta em SP
Curiosamente, esse aparente desinteresse surgiu quando mais se acirrou a discussão política entre esquerda e direita
Publicado em 26 de agosto de 2020 às, 08h39.
Última atualização em 26 de agosto de 2020 às, 09h27.
De 1996 a 2008, os índices de abstenção nas eleições municipais de São Paulo se mantiveram relativamente estáveis. No pleito em que foi ungido Gilberto Kassab, por exemplo, 15,6% dos eleitores não compareceram às urnas. De lá para cá, no entanto, o quadro só piorou. Esse índice foi de 18,5% em 20012 e de 21,8% em 2016.
Curiosamente, esse aparente desinteresse surgiu quando mais se acirrou a discussão política entre esquerda e direita. Desde 2013, uma combinação entre protestos contra a corrupção e um modelo econômico que começava a fazer água durante a administração de Dilma Rousseff colocou o PT na berlinda e incendiou o debate partidário. Por que, diante disso, não tivemos um aumento no engajamento político na maior cidade do Brasil e sim uma evasão eleitoral?
Pode-se apontar algumas razões para este fenômeno. Um deles é uma espécie de polarização entre nomes de esquerda e de direita (sendo que, em São Paulo, o PSDB é visto como uma agremiação de direita moderada por alguns, de centro por outros e de esquerda moderada para tantos), sem espaço para candidaturas novas ou desvinculadas da máquina governista.
Nas últimas três eleições, tivemos uma fragmentação de candidatos com propostas opostas e vinculados a grupos políticos do passado. As últimas disputas ficaram entre Gilberto Kassab e Marta Suplicy, Fernando Haddad e José Serra e Fernando Haddad e João Doria. Apesar de Doria ser um nome novo na política, foi turbinado pelo seu partido, o PSDB, e sua candidatura então avalizada pelo governador Geraldo Alckmin. A repetição dessas polarizações pode afastar o eleitor que anseia novos ventos na política, soprem eles para a direita ou para a esquerda.
Ao lado disso, há um evidente esgotamento do voto obrigatório, promulgado em 1950 pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra (sobre ele, contavam-se anedotas como essa: Dutra encontrou-se com o mandatário Harry Truman, dos Estados Unidos. Ele cumprimentou o brasileiro: “How do you do, Dutra?”. O presidente brasileiro retrucou: “How tru you tru, Truman?”).
A obrigatoriedade retira a qualidade do voto, pois o eleitor não está necessariamente engajado no processo e vai apenas cumprir tabela. Isso explica o alto volume de sufrágios nulos e em brancos. Na última eleição municipal em São Paulo, tivemos 1,15 milhão de votos não contabilizados na compilação final das urnas.
Aliás, quando somamos nulos, brancos e abstenções, chegamos a 34% do total de eleitores inscritos – ou 3,096 milhões de votos em potencial. Este número é ligeiramente superior ao resultado obtido por João Doria, de 3,085 milhões.
Isso não quer dizer necessariamente que nações que têm voto facultativo contem com um eleitorado mais comprometido. Em alguns casos, temos até índices de evasão maiores que os brasileiros. Tomemos o exemplo dos Estados Unidos. Lá, as abstenções chegam a um terço da base de eleitores registrados. Em Portugal, é ainda pior. Cerca de 54% do eleitorado não exercem seu direito de escolher os representantes.
Como reverter esse desinteresse? Em um mundo ideal, o voto deveria ser facultativo e a adesão muito grande. Por isso, a sociedade deveria se movimentar no sentido de mostrar a quem não vota a importância deste ato – e ressaltar as consequências de um comportamento relapso em relação às eleições.
De qualquer forma, dois fatores devem reduzir o volume de comparecimento às urnas em novembro.
O primeiro é a multa estabelecida para os eleitores que gazeteiam o voto – uma punição que custa exatos R$ 3,51. A título de comparação, o preço de uma passagem de ônibus na capital paulista é de R$ 4,40.
Além disso, temos a pandemia. O coronavírus continua entre nós e provoca desconforto em muitas pessoas, que preferem não sair de casa nem para afazeres do cotidiano. Assim, espera-se que um número razoável de pessoas desista de votar em 2020. Se a abstenção crescer ainda mais e mantida a tendência de alta para nulos e brancos, prever o resultado dos pleitos municipais – uma das tarefas mais árduas da cena política brasileira – será algo quase impossível.