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Pastores lobistas? Misturar religião com política não dá certo

Ainda não há provas de corrupção explícita, apenas de tráfico de influência. Mas acusações não faltam

Bíblia (krisanapong detraphiphat/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 24 de março de 2022 às 11h23.

Aluizio Falcão Filho

O estado é laico, mas pelo jeito a verba do ministério da Educação tem um carimbo religioso em seus despachos de liberação. O escândalo revelado pela Folha de S. Paulo nesta semana, repercutido por toda a imprensa, mostra mais uma vez que misturar política com religião é uma prática que nunca dá certo.

Os áudios revelados pelo jornal mostram o ministro Milton Ribeiro afirmando que uma de suas grandes prioridades seria liberar verbas para projetos indicados pelo pastor Gilmar Santos (no decorrer da semana, descobriu-se que o também líder religioso Arilton Moura também atuava como lobista para obter recursos junto à pasta).

Ainda não há provas de corrupção explícita, apenas de tráfico de influência. Mas acusações não faltam. Gilberto Braga, prefeito de Luís Domingues, no Maranhão, já afirmou que um deles (Moura) pediu propina para liberar dinheiro do MEC: R$ 15 000 e uma barra de ouro. O apadrinhamento de verbas – embora seja uma prática antiga no Brasil – é um hábito que precisa ser combatido por todos, especialmente pelos pastores, que deveriam ter um código moral inflexível.

O evangelho de Mateus diz o seguinte: “Peças e serás atendido; buscai e encontrareis; batei e a porta será aberta”. Os pastores devem ter levado essa passagem ao pé da letra ao promover a intermediação de recursos federais. Curiosamente, um pastor é alguém que deve liderar sua comunidade religiosa, promovendo a leitura da Bíblia e aconselhando os fiéis. Isso toma um tempo danado, mas os religiosos preferiam se dedicar a uma atividade, digamos, extracurricular.

Existe, entre agnósticos, ateus, católicos e praticantes de outras religiões, uma visão estereotipada de um pastor evangélico. Segundo essa interpretação, os pastores se preocupam mais com dinheiro (dízimos e outras doações) do que com a educação religiosa de suas ovelhas.

Para se ter uma ideia deste preconceito arraigado, circulou nas redes sociais, semana passada, um vídeo atribuído a uma dupla de pastores, Wanderson e Michele. Eles estariam vendendo uma bexiga (soprada pelo pastor) com ar profético, ao preço módico de R$ 500. Apesar do absurdo da situação, muitos acreditaram no que viam – só que esse era um quadro humorístico.

Ocorre que, na vida real, circulou um vídeo no qual um jovem pastor oferecia a mesma coisa, sem dizer, em frente às câmeras, se cobraria alguma coisa pela bexiga, que estaria preenchida por um “ar ungido e profético”, com a capacidade de expulsar as forças do mal de qualquer residência. Episódios como o dos pastores lobistas apenas reforçam essa ideia de que líderes evangélicos só pensam em dinheiro.

Um dos maiores símbolos dessa comunidade, o pastor Silas Malafaia, deu declarações a respeito do caso. “Não basta parecer honesto, é preciso provar que é honesto. O ministro tem obrigação de prestar contas para a sociedade com a máxima transparência senão coloca todos os pastores no mesmo saco de denúncias. Não queremos ter pecha de corrupção”.

Vamos deixar de lado, por um instante, o fato de que Malafaia e o ministro Ribeiro pertencem a correntes religiosas diferentes e que se cutucam publicamente há algum tempo. O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo tem razão ao criticar a nota emitida pelo Ministério da Educação sobre o caso – um dos textos mais vagos já produzidos por uma pasta federal, que tenta negar algo que está gravado em áudio ( “Minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”).

Para entornar o caldo, o ministro disse na mesma gravação que esse seria um pedido do presidente Jair Bolsonaro (“Foi um pedido especial que o presidente da República fez pra mim sobre a questão do Gilmar”). Bolsonaro, de fato, teve reunião com os pastores antes da data da gravação divulgada pela imprensa. Mas a nota emitida por Ribeiro nega que o presidente tenha pedido algum favorecimento aos projetos indicados pelos lobistas – ao contrário do que está registrado pelo arquivo de som.

Em quem acreditar? Talvez em nenhum dos envolvidos – pastores ou autoridades. Como está escrito no Salmo 118, versículo 8, “é melhor confiar no SENHOR do que confiar no homem”.

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Aluizio Falcão Filho

O estado é laico, mas pelo jeito a verba do ministério da Educação tem um carimbo religioso em seus despachos de liberação. O escândalo revelado pela Folha de S. Paulo nesta semana, repercutido por toda a imprensa, mostra mais uma vez que misturar política com religião é uma prática que nunca dá certo.

Os áudios revelados pelo jornal mostram o ministro Milton Ribeiro afirmando que uma de suas grandes prioridades seria liberar verbas para projetos indicados pelo pastor Gilmar Santos (no decorrer da semana, descobriu-se que o também líder religioso Arilton Moura também atuava como lobista para obter recursos junto à pasta).

Ainda não há provas de corrupção explícita, apenas de tráfico de influência. Mas acusações não faltam. Gilberto Braga, prefeito de Luís Domingues, no Maranhão, já afirmou que um deles (Moura) pediu propina para liberar dinheiro do MEC: R$ 15 000 e uma barra de ouro. O apadrinhamento de verbas – embora seja uma prática antiga no Brasil – é um hábito que precisa ser combatido por todos, especialmente pelos pastores, que deveriam ter um código moral inflexível.

O evangelho de Mateus diz o seguinte: “Peças e serás atendido; buscai e encontrareis; batei e a porta será aberta”. Os pastores devem ter levado essa passagem ao pé da letra ao promover a intermediação de recursos federais. Curiosamente, um pastor é alguém que deve liderar sua comunidade religiosa, promovendo a leitura da Bíblia e aconselhando os fiéis. Isso toma um tempo danado, mas os religiosos preferiam se dedicar a uma atividade, digamos, extracurricular.

Existe, entre agnósticos, ateus, católicos e praticantes de outras religiões, uma visão estereotipada de um pastor evangélico. Segundo essa interpretação, os pastores se preocupam mais com dinheiro (dízimos e outras doações) do que com a educação religiosa de suas ovelhas.

Para se ter uma ideia deste preconceito arraigado, circulou nas redes sociais, semana passada, um vídeo atribuído a uma dupla de pastores, Wanderson e Michele. Eles estariam vendendo uma bexiga (soprada pelo pastor) com ar profético, ao preço módico de R$ 500. Apesar do absurdo da situação, muitos acreditaram no que viam – só que esse era um quadro humorístico.

Ocorre que, na vida real, circulou um vídeo no qual um jovem pastor oferecia a mesma coisa, sem dizer, em frente às câmeras, se cobraria alguma coisa pela bexiga, que estaria preenchida por um “ar ungido e profético”, com a capacidade de expulsar as forças do mal de qualquer residência. Episódios como o dos pastores lobistas apenas reforçam essa ideia de que líderes evangélicos só pensam em dinheiro.

Um dos maiores símbolos dessa comunidade, o pastor Silas Malafaia, deu declarações a respeito do caso. “Não basta parecer honesto, é preciso provar que é honesto. O ministro tem obrigação de prestar contas para a sociedade com a máxima transparência senão coloca todos os pastores no mesmo saco de denúncias. Não queremos ter pecha de corrupção”.

Vamos deixar de lado, por um instante, o fato de que Malafaia e o ministro Ribeiro pertencem a correntes religiosas diferentes e que se cutucam publicamente há algum tempo. O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo tem razão ao criticar a nota emitida pelo Ministério da Educação sobre o caso – um dos textos mais vagos já produzidos por uma pasta federal, que tenta negar algo que está gravado em áudio ( “Minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”).

Para entornar o caldo, o ministro disse na mesma gravação que esse seria um pedido do presidente Jair Bolsonaro (“Foi um pedido especial que o presidente da República fez pra mim sobre a questão do Gilmar”). Bolsonaro, de fato, teve reunião com os pastores antes da data da gravação divulgada pela imprensa. Mas a nota emitida por Ribeiro nega que o presidente tenha pedido algum favorecimento aos projetos indicados pelos lobistas – ao contrário do que está registrado pelo arquivo de som.

Em quem acreditar? Talvez em nenhum dos envolvidos – pastores ou autoridades. Como está escrito no Salmo 118, versículo 8, “é melhor confiar no SENHOR do que confiar no homem”.

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