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Os pobres podem ser de direita?

Brasil tem em si uma população marcada pelo empreendedorismo. Somos uma nação com 52 milhões de empreendedores, dos quais 9 milhões são microempresários

 (Kay Fochtmann / EyeEm/Getty Images)
(Kay Fochtmann / EyeEm/Getty Images)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 15 de julho de 2020 às, 08h45.

Última atualização em 15 de julho de 2020 às, 19h33.

Um vídeo que começou a circular há pouco tempo pelos grupos de WhatsApp traz o filósofo Luiz Felipe Pondé levantando uma questão intrigante: os pobres podem ser de direita? Sua resposta: os pobres são mais de direita do que de esquerda. E qual seria essa definição ideológica? “Acreditar que alguém tem de ir atrás do prejuízo e trabalhar. Ser liberal, acreditar no trabalho, em pagar conta e que a pessoa é responsável por sua vida”, argumenta. “A maior parte dos pobres é de direita e a esquerda sempre foi um fetiche da burguesia. Não é à toa que onde você encontrará o principal discurso de esquerda é entre professores e escolas de classe média alta”.

Conceitos de direita e de esquerda vem e vão desde o século 19, quando Karl Marx e Friedrich Engels contrapuseram, em teoria, o socialismo ao capitalismo. E essa discussão ganhou impulso a partir de 1917, quando a Rússia deu lugar à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e, mais tarde, com o surgimento da Cortina de Ferro.

Hoje, principalmente depois da queda do Muro de Berlim e a falência generalizada do comunismo, pode-se usar uma definição de cunho mais econômico, que tem a ver com a presença do Estado na economia e no controle da vida das pessoas e das empresas. Se alguém achar que o governo precisa prover, ter grande estrutura e controlar a nação, então essa pessoa é de esquerda (mesmo que seja, por exemplo, um empresário); mas aqueles que acham o contrário e preferem um Estado mais magro, menos intrusivo e sem programas sociais ambiciosos podem ser considerados de direita.

Numa “live” transmitida há alguns dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou nessa polêmica. Ele disse que ser liberal é uma escolha que demora para vir para os indivíduos. Quando jovens, todos querem soluções à esquerda, pois as intenções são boas – afinal, o propósito final é ajudar os menos favorecidos. O liberalismo, no entanto, é uma forma racional de enxergar os processos econômicos e visa transformar a pobreza através da geração de riqueza, desregulamentando a economia, libertando o empresário de amarras e diminuindo os impostos após o enxugamento da máquina estatal.

O debate proposto por Pondé, que é considerado um filósofo conservador (e co-autor de um livro chamado “Por que virei à direita”), me faz lembrar uma pesquisa à qual tive acesso quando passei três anos trabalhando em uma agência de publicidade. Esta enquete mapeou o comportamento da chamada classe D e tinha como objetivo entender seus conceitos de vida e suas motivações, aproveitando estes insights para a criação de campanhas futuras.

O estudo dividia este extrato social em três camadas. Uma delas era referente a líderes de comunidades e de sindicatos, que se identificavam com a frase “dinheiro não tem importância para mim”; a seguinte congregava as pessoas que se sentiam diminuídas por sua condição e se enxergavam na sentença “eu sou pobre”. Por fim, havia um contingente de pessoas que não se percebiam em nenhum dos dois agrupamentos e viam identificação na expressão “eu estou pobre”. Claramente, as pessoas que se associavam à última epígrafe tinham uma pegada empreendedora e uma vontade explícita de subir na vida (Curiosidade: onde estava o ponto de intersecção entre todo esse público? Na frase “quero ser feliz”. Não é à toa que esse conceito pode ser visto nos slogans ou no tom dos comerciais de alguns varejistas).

A ambição se mostra muitas vezes como um fator que leva os indivíduos à procura pela realização material. Mas o que se vê entre empresários não é apenas a ganância pelo chamado vil metal. Pelo contrário. Mais e mais, empresários de todos os tamanhos estão preocupados em criar um legado para suas empresas. Isso pode ser enxergado especialmente entre aqueles que navegam pelas águas imprevisíveis das startups, em busca não apenas de dinheiro – mas também de um propósito, daqueles que geram motivação e espírito de corpo entre os colaboradores.

Ser de direita, assim, não é necessariamente viver a vida como se estivéssemos na primeira fase da Revolução Industrial, quando se cunhou o termo “capitalismo selvagem”. Obviamente, há muitos empresários que carregam esse tipo de atitude em seu DNA – mas, convenhamos, a fraqueza de caráter é algo que se encontra em todo o planeta, independente da classe social.

O fato é que o Brasil tem em si uma população marcada pelo empreendedorismo. Por gente que acredita no trabalho e em sua capacidade de criar valor a partir de uma ideia. Com aquela energia que jamais abandona a mente, numa motivação constante e duradoura. Somos uma nação com 52 milhões de empreendedores, dos quais 9 milhões são microempresários (dados do Sebrae, datados de janeiro). Este número mais que triplicou nos últimos dez anos. Isso mostra uma coisa só: há um enorme quinhão de brasileiros que não quer saber do Estado se metendo em suas vidas ou distribuindo mesadas. São cidadãos que acreditam em firmemente em três coisas, como afirmou Pondé: no trabalho, em pagar suas contas e em ser responsáveis pela própria vida.