Muitos eleitores votaram em Jair Bolsonaro nas últimas eleições porque não queriam a volta do Partido aos Trabalhadores ao poder. Esses indivíduos não tinham exatamente simpatias pelo então candidato do PSL, mas o engoliram. Alguns motivos contribuíram para essa tolerância. Um deles foi o grande montante de acusações de corrupção que mancharam a imagem do PT – e, neste caso, o discurso de Bolsonaro foi totalmente moldado para que ele se mostrasse como um paladino contra corruptos e corruptores. Mas, além, disso, esses eleitores não queriam um projeto econômico que trouxesse dois ingredientes básicos – heterodoxia e populismo.
Este eleitorado elegeu como fiador o principal conselheiro econômico do candidato, o economista Paulo Guedes. Bolsonaro assumia publicamente que nada entendia de economia e se justificava dizendo que os ex-presidentes militares também eram ignorantes sobre os processos econômicos (Ernesto Geisel e Humberto Castello Branco devem ter se remexido nos respectivos túmulos após este comentário). A confiança depositada em Guedes era tamanha que Bolsonaro o apelidou de Posto Ipiranga, garantindo que iria terceirizar as decisões sobre a economia do país ao futuro ministro.
Guedes, um liberal da gema, fazia questão de enfatizar que seu projeto era diametralmente oposto ao do PT: uma economia sem amarras, com privatizações para reduzir o custo do Estado e diminuição de impostos no futuro. Esse discurso foi música para os ouvidos destes eleitores – em especial para os empresários. Seria a primeira vez que um liberal estaria à frente da economia desde os anos 1960, quando a dupla Roberto Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões foram titulares das pastas do Planejamento e da Fazenda (no mandato militar seguinte, o liberal Helio Beltrão foi ministro do Planejamento, mas dividiu o comando da economia com Delfim Netto, que está a léguas de distância do liberalismo).
Campos e Bulhões, no entanto, tiveram uma gestão atribulada. Herdaram uma economia abalada pelas crises políticas ocorridas no final do governo João Goulart e tiveram de promover uma recessão ardida para colocar a casa em ordem. Dessa forma, não houve exatamente oportunidade para que uma receita plenamente liberal fosse experimentada no país.
Até por isso, a gestão de Guedes era esperada com ansiedade.
Mas o ministro, que passou anos criticando decisões tomadas pelos governos anteriores, não conseguiu produzir uma fórmula que colocasse a economia de vento em popa. É verdade que ele teve de enfrentar uma pandemia pela frente, algo inédito na história moderna mundial. Por outro lado, Guedes foi inteiramente responsável por traçar uma política de juros baixos que jogou o dólar para o alto e indiretamente contribuiu para o crescimento da inflação.
Nesta semana, o ministro da Economia provocou um verdadeiro tsunami no mercado financeiro, ao anunciar que precisaria de uma “licença para gastar”, pois iria necessitar de R$ 30 bilhões além do teto de despesas públicas para financiar o novo programa social do governo (que prevê novos favorecidos e um benefício reajustado em cerca de 100%). A reação foi muito ruim: a bolsa desabou, o dólar disparou e os juros no mercado futuro também mostraram alta expressiva.
Para piorar, o presidente Bolsonaro afirmou que iria encontrar alguma forma para compensar os caminhoneiros por conta dos reajustes constantes do óleo diesel. Os investidores interpretaram essa fala como uma forte possibilidade de que o governo iria também encontrar outra fórmula criativa para distribuir recursos públicos à categoria (uma espécie de “bolsa caminhoneiro”).
Esses eleitores antipetistas devem estar queimando suas pestanas nessa semana: eles votaram em Bolsonaro para protestar contra a corrupção, mas também para manter a economia longe da heterodoxia e do populismo. E justamente um governo com Paulo Guedes na Esplanada dos Ministérios promove pedaladas para custear ações eleitoreiras? Este eleitorado já tinha se decepcionado com o presidente durante o episódio em que o ex-ministro Sergio Moro deixou o poder. Na ocasião, Moro afirmou que o combate à corrupção tinha deixado de ser prioridade do governo.
Se continuar dessa forma, o governo Bolsonaro terá muitas semelhanças com a administração de Mauricio Macri na Argentina. Ambos tiveram um discurso liberal no início, mas chegaram ao final mostrando um quadro com fortes pinceladas de populismo. Terá Bolsonaro o mesmo destino de Macri? Terá o Brasil a mesma sina da Argentina, que voltou ao peronismo depois de se desencantar com uma proposta de direita que não se concretizou?
Evidentemente, o conjunto da obra de Guedes o diferencia em vários aspectos de Guido Mantega, talvez o símbolo-mor da economia petista. Mas seria pedir muito um pouco de coerência deste governo com o que defenderam as atuais autoridades no passado? Tome-se como exemplo disso o Bolsa-Família, antes execrado por Bolsonaro em seus tempos de deputado e hoje alçado à categoria de vaca sagrada do Planalto. Outro é o provável desrespeito ao teto das contas públicas – uma heresia que seria fortemente condenada pelo Paulo Guedes de quatro anos atrás.
Vê-se claramente que as propostas de campanha vão ficando para trás e muito diferentes daquilo que se prepara para a reta final deste mandato. E, já que estamos fazendo uma comparação com a gestão petista, sempre é bom lembrar as palavras proféticas de um dos líderes do PT, o ex-deputado José Dirceu, ditas em dezembro de 2018: “Vamos deixar o Bolsonaro sentar-se na cadeira. Aquela cadeira queima”.
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