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Os cinco estágios de nossa vida pandêmica

Às vésperas de terminarmos este ano, percebo que muitos não passaram por todas as etapas: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação

(NurPhoto / Colaborador/Getty Images)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 29 de dezembro de 2020 às 10h03.

Neste ano de 2020, a pandemia nos consumiu inteiramente – do ponto de vista psicológico ou físico, fomos postos à prova desde o mês de março, sentindo na pele as mudanças de humor típicas de quem fica defronte ao desconhecido. Passamos, em especial, por cinco estágios que são frequentemente atribuídos ao processo de luto. Essas etapas, observadas pela psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross, já foram discutidas em inúmeras ocasiões pelo mundo inteiro (talvez a mais hilariante tenha sido em uma cena do filme “All That Jazz”, na qual foram usadas como tema de um stand-up). Esses estágios, segundo o estudo de Kubler-Ross, são: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.

Hoje, às vésperas de terminarmos este ano, percebo que muitas pessoas não passaram por todas as etapas propostas pela médica suíça, que foram conhecidas pelo grande público a partir de um livro lançado em 1969.

Alguns de nós ainda estão na etapa da negação – são aqueles que insistem em fabricar ou passar adiante teorias da conspiração que minimizam os efeitos da pandemia ou que acreditam piamente na manipulação de números para inflar as estatísticas de mortes ou de infectados. A solução para este grupo é muito simples: é só criar um choque de realidade. Basta ouvir os parentes, vizinhos ou amigos. Todos – sim, todos – têm uma história para contar, seja de contágio com grande sofrimento ou o falecimento de alguém próximo.

Outros, em maior grupo, estão no estágio da raiva. São aqueles que não se conformam com as evidências e tentam agredir (verbal ou mesmo fisicamente) quem tenta mostrar a dura e cruel realidade. Este talvez seja o mais difícil de ultrapassar. É por isso que há membros deste círculo que até vão em frente, mas trazem a raiva a tiracolo até o final.

A fase seguinte, a da negociação, foi abraçada por muitos: irei às ruas, mas usarei álcool em gel e máscara; vou encontrar os amigos, mas só me reunirei com quem circulou pouco; só sairei de casa para cumprir tarefas essenciais (e vou me dirigir à padaria, ao supermercado, à farmácia, ao posto de gasolina, à mecânica e ao Pet Shop); marcarei almoços e jantares com as pessoas próximas, mas as cumprimentarei com soquinhos e cotoveladas, sem contato físico (depois da segunda taça de vinho, porém, as despedidas serão à base de abraços e beijos).

Antes que me acusem de hipocrisia: fiz todas atividades listadas no parágrafo anterior.

Temos ainda a depressão, pela qual passaram poucos. A maioria dos indivíduos talvez tenha ido da fase de negociação diretamente para a etapa final. Passou pela depressão somente quem levou muito a sério o isolamento social. Para os praticantes do distanciamento, o estado depressivo é uma consequência real, que, se persistente, deve ser combatida – de preferência, com ajuda profissional.

Por fim, há a aceitação.

Será que atingimos mesmo essa última fase?

O evidente salto nos números de contaminação mostra que, logo após o início da fase mais liberal (em São Paulo, chamada de verde), as pessoas simplesmente deixaram de se preocupar com a pandemia. A maioria passou a sair, frequentar restaurantes e, especialmente entre os mais jovens, ir a festas ou bares. O resultado foi um crescimento colossal nos casos de Covid-19.

Na prática, como naqueles jogos de dados, retrocedemos quatro casas e voltamos ao primeiro estágio – o da negação. Desde novembro, todos notamos que pessoas próximas a nós foram contaminadas, internadas ou até coisa pior. Mas ninguém refreou seus ímpetos socializantes.

É compreensível. Ninguém aguenta mais fica trancafiado. Ou aceitaria de bom grado voltar à fase vermelha. Mas o fato é que houve maior contato social e, com ele, mais gente infectada. Não é preciso ser um gênio para perceber a ligação entre esses dois fatores.

A continuar esse modus operandi, provavelmente a maioria de nós jamais chegará à aceitação – e será vacinada antes que isso ocorra. Mas, diante dessa possibilidade, surge uma pergunta: o que ocorrerá com os negacionistas e os raivosos? Devido a acessos de fúria ou de descrédito, essas pessoas podem desprezar a imunização (este comportamento, no entanto, também pode ser percebido em pessoas razoáveis que simplesmente têm medo de uma vacina produzida tão rapidamente, sem tempo para verificar eventuais efeitos colaterais).

Com isso, os obscurantistas vão ingressar em um mundo perigoso, no qual as teorias da conspiração vão chegar a um novo patamar de criatividade e de estultice. É o caminho ideal para criar novas versões para histórias para boi dormir, com a teoria da Terra Plana ou a dos fetos natimortos utilizados como adoçantes de refrigerantes. No fundo, porém, não adianta fugir da realidade. É como disse o escritor Aldous Huxley, autor de livros com títulos bastante apropriados para os tempos em que vivemos (“Admirável Mundo Novo”, “As Portas da Percepção” e “O Tempo Deve Parar”): “Os fatos não deixam de existir apenas porque são ignorados por algumas pessoas”.

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Neste ano de 2020, a pandemia nos consumiu inteiramente – do ponto de vista psicológico ou físico, fomos postos à prova desde o mês de março, sentindo na pele as mudanças de humor típicas de quem fica defronte ao desconhecido. Passamos, em especial, por cinco estágios que são frequentemente atribuídos ao processo de luto. Essas etapas, observadas pela psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross, já foram discutidas em inúmeras ocasiões pelo mundo inteiro (talvez a mais hilariante tenha sido em uma cena do filme “All That Jazz”, na qual foram usadas como tema de um stand-up). Esses estágios, segundo o estudo de Kubler-Ross, são: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.

Hoje, às vésperas de terminarmos este ano, percebo que muitas pessoas não passaram por todas as etapas propostas pela médica suíça, que foram conhecidas pelo grande público a partir de um livro lançado em 1969.

Alguns de nós ainda estão na etapa da negação – são aqueles que insistem em fabricar ou passar adiante teorias da conspiração que minimizam os efeitos da pandemia ou que acreditam piamente na manipulação de números para inflar as estatísticas de mortes ou de infectados. A solução para este grupo é muito simples: é só criar um choque de realidade. Basta ouvir os parentes, vizinhos ou amigos. Todos – sim, todos – têm uma história para contar, seja de contágio com grande sofrimento ou o falecimento de alguém próximo.

Outros, em maior grupo, estão no estágio da raiva. São aqueles que não se conformam com as evidências e tentam agredir (verbal ou mesmo fisicamente) quem tenta mostrar a dura e cruel realidade. Este talvez seja o mais difícil de ultrapassar. É por isso que há membros deste círculo que até vão em frente, mas trazem a raiva a tiracolo até o final.

A fase seguinte, a da negociação, foi abraçada por muitos: irei às ruas, mas usarei álcool em gel e máscara; vou encontrar os amigos, mas só me reunirei com quem circulou pouco; só sairei de casa para cumprir tarefas essenciais (e vou me dirigir à padaria, ao supermercado, à farmácia, ao posto de gasolina, à mecânica e ao Pet Shop); marcarei almoços e jantares com as pessoas próximas, mas as cumprimentarei com soquinhos e cotoveladas, sem contato físico (depois da segunda taça de vinho, porém, as despedidas serão à base de abraços e beijos).

Antes que me acusem de hipocrisia: fiz todas atividades listadas no parágrafo anterior.

Temos ainda a depressão, pela qual passaram poucos. A maioria dos indivíduos talvez tenha ido da fase de negociação diretamente para a etapa final. Passou pela depressão somente quem levou muito a sério o isolamento social. Para os praticantes do distanciamento, o estado depressivo é uma consequência real, que, se persistente, deve ser combatida – de preferência, com ajuda profissional.

Por fim, há a aceitação.

Será que atingimos mesmo essa última fase?

O evidente salto nos números de contaminação mostra que, logo após o início da fase mais liberal (em São Paulo, chamada de verde), as pessoas simplesmente deixaram de se preocupar com a pandemia. A maioria passou a sair, frequentar restaurantes e, especialmente entre os mais jovens, ir a festas ou bares. O resultado foi um crescimento colossal nos casos de Covid-19.

Na prática, como naqueles jogos de dados, retrocedemos quatro casas e voltamos ao primeiro estágio – o da negação. Desde novembro, todos notamos que pessoas próximas a nós foram contaminadas, internadas ou até coisa pior. Mas ninguém refreou seus ímpetos socializantes.

É compreensível. Ninguém aguenta mais fica trancafiado. Ou aceitaria de bom grado voltar à fase vermelha. Mas o fato é que houve maior contato social e, com ele, mais gente infectada. Não é preciso ser um gênio para perceber a ligação entre esses dois fatores.

A continuar esse modus operandi, provavelmente a maioria de nós jamais chegará à aceitação – e será vacinada antes que isso ocorra. Mas, diante dessa possibilidade, surge uma pergunta: o que ocorrerá com os negacionistas e os raivosos? Devido a acessos de fúria ou de descrédito, essas pessoas podem desprezar a imunização (este comportamento, no entanto, também pode ser percebido em pessoas razoáveis que simplesmente têm medo de uma vacina produzida tão rapidamente, sem tempo para verificar eventuais efeitos colaterais).

Com isso, os obscurantistas vão ingressar em um mundo perigoso, no qual as teorias da conspiração vão chegar a um novo patamar de criatividade e de estultice. É o caminho ideal para criar novas versões para histórias para boi dormir, com a teoria da Terra Plana ou a dos fetos natimortos utilizados como adoçantes de refrigerantes. No fundo, porém, não adianta fugir da realidade. É como disse o escritor Aldous Huxley, autor de livros com títulos bastante apropriados para os tempos em que vivemos (“Admirável Mundo Novo”, “As Portas da Percepção” e “O Tempo Deve Parar”): “Os fatos não deixam de existir apenas porque são ignorados por algumas pessoas”.

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