O tabagismo persiste, apesar de muitas previsões contrárias
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em 1989, por exemplo, cerca de 34 % dos brasileiros acima de 18 anos fumavam. Hoje, este índice é de 12,6 %
Da Redação
Publicado em 7 de julho de 2021 às 12h01.
Por Aluizio Falcão Filho
Nos anos 1990, empresas como Philip Morris e British American Tobacco fizeram previsões desastrosas sobre o futuro de seu negócio e imaginaram que na primeira década do século 21 o cigarro seria uma mercadoria artesanal. Com as restrições que as autoridades começavam a criar na época, essas multinacionais acreditaram que seu mercado estava condenado à extinção e que teria talvez vinte anos de vida.
Trinta anos depois, percebe-se uma queda óbvia nas vendas de cigarros. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em 1989, por exemplo, cerca de 34 % dos brasileiros acima de 18 anos fumavam. Hoje, este índice é de 12,6 %. Ou seja, o mercado atual é percentualmente menor – mas a população cresceu e envelheceu neste período. Na prática, portanto, o total de consumidores diminuiu radicalmente em termos proporcionais, mas numericamente sofreu uma redução modesta.
O filme Blade Runner, uma produção de 1982, mostrava o que seria o futuro em 2019. Nesta película, podemos observar uma realidade bem diferente da atual: carros voadores, seres geneticamente produzidos e colônias espaciais são algumas características mostradas no script que não se confirmaram. Mas o roteiro acerta em um ponto: o tabagismo continuaria no futuro.
Um dos personagens, a replicante Rachael, vivida por Sean Young, fuma adoidado. O diretor de fotografia, inclusive, capricha nas tomadas para captar o efeito dramático da fumaça saída através das tragadas – uma linguagem visual que remete ao cinema noir, que glamurizava o cigarro como elemento dramático.
A quantidade de fumaça que é registrada nas cenas de Blade Runner pode ser considerada anormal para um cigarro comum. Mas é totalmente consistente com os vaporizadores de hoje, que produzem tragadas épicas e inodoras. Os bares da atualidade, em todos os cantos do mundo, convivem com esses cigarros eletrônicos. E muitos aproveitam a falta do odor típico do tabaco para utilizá-los em espaços públicos.
Autoridades sanitárias já alertaram para o perigo que ronda o uso dessas geringonças fumacentas. No caso do cigarro tradicional, a composição de elementos químicos inalada pode levar ao câncer – e, em relação aos produtos fabricados com material inferior, os filtros soltam micropartículas que causam o enfisema pulmonar. Em relação aos “vapes”, o problema está no consumo de outras substâncias químicas e na temperatura produzida pelo aparelhinho, bem maior que a de um cigarro comum.
A pergunta que fica é: se existe um consenso sobre os malefícios do cigarro, por que as pessoas continuam fumando?
É evidente que existe um prazer associado ao ato de fumar. Caso contrário, milhões de pessoas não se entregariam a esse hábito. Até os anos 1970, no entanto, não havia farto material sobre os efeitos do tabagismo e sua associação com o câncer de pulmão. Assim, seria natural que os consumidores se entregassem ao vício (sim, há substâncias presentes naquele bastonete que viciam) sem se preocupar com a saúde. Hoje, no entanto, todos sabem que o consumo diário de cigarros pode ser fatal. Mais que isso: a fumaça inalada indiretamente por algumas pessoas também pode matar.
O cigarro tem um apelo à imagem que combina duas características aparentemente contraditórias. Até os anos 1960, foi fartamente explorado pelo cinema como um elemento de glamurização dos personagens – e essa mensagem foi bastante explorada pela indústria do tabaco. Por outro lado, o mesmo cigarro é percebido como um símbolo de rebeldia, algo que os jovens estão sempre ansiosos para demonstrar.
Se o consumo continua crescendo entre quem tem entre 18 e 24 anos, como apontam pesquisas recentes, é sinal de que a rebeldia continua em alta. Mas estamos falando de um hábito que custa caro. Quem fuma dois maços diários pode gastar em torno de R$ 700 mensais. Os refis de “vapes” podem custar o dobro ou o triplo disso.
Estamos, assim, falando de um ato que – aos olhos do usuário – traz impacto visual e oferece um certo prazer. O efeito colateral, o câncer, não é levado em consideração e parece ser visto como algo improvável. De fato, a doença terminal não atinge a todos. Portanto, os consumidores estão brincando de roleta russa sob a forma de nicotina.
As imagens que vemos nos maços de cigarro são assustadoras. Se o consumo se mantem estável há anos na casa de 12 % dos adultos, contudo, é sinal de que esse tipo de abordagem não faz mais efeitos entre novos e velhos usuários. Se as autoridades querem, de fato, acabar com o consumo, precisam entender melhor o que se passa na cabeça e nos corações dos fumantes e encontrar argumentos que os levem a desistir do hábito.
Mas o governo precisa também criar uma política que faça sentido também do ponto de vista tributário. Hoje, um maço que custa R$ 12 recebe uma carga de impostos de 65,9 % de seu preço final. Já a marca com preço de R$ 5,00 tem uma alíquota embutida de 82,8 %. Na prática, os fumantes de menor poder aquisitivo pagam mais tributos que os mais ricos.
Qual é o resultado disso? Das dez marcas mais vendidas no Brasil, cinco são contrabandeadas, que cruzam a fronteiras sem pagar impostos. Estima-se que, em 2019, 57 % dos cigarros consumidos no Brasil sejam de origem ilegal, prejudicando a arrecadação.
Está faltando inteligência ao governo. Tanto para combater o consumo como para coibir a importação ilegal.
Por Aluizio Falcão Filho
Nos anos 1990, empresas como Philip Morris e British American Tobacco fizeram previsões desastrosas sobre o futuro de seu negócio e imaginaram que na primeira década do século 21 o cigarro seria uma mercadoria artesanal. Com as restrições que as autoridades começavam a criar na época, essas multinacionais acreditaram que seu mercado estava condenado à extinção e que teria talvez vinte anos de vida.
Trinta anos depois, percebe-se uma queda óbvia nas vendas de cigarros. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em 1989, por exemplo, cerca de 34 % dos brasileiros acima de 18 anos fumavam. Hoje, este índice é de 12,6 %. Ou seja, o mercado atual é percentualmente menor – mas a população cresceu e envelheceu neste período. Na prática, portanto, o total de consumidores diminuiu radicalmente em termos proporcionais, mas numericamente sofreu uma redução modesta.
O filme Blade Runner, uma produção de 1982, mostrava o que seria o futuro em 2019. Nesta película, podemos observar uma realidade bem diferente da atual: carros voadores, seres geneticamente produzidos e colônias espaciais são algumas características mostradas no script que não se confirmaram. Mas o roteiro acerta em um ponto: o tabagismo continuaria no futuro.
Um dos personagens, a replicante Rachael, vivida por Sean Young, fuma adoidado. O diretor de fotografia, inclusive, capricha nas tomadas para captar o efeito dramático da fumaça saída através das tragadas – uma linguagem visual que remete ao cinema noir, que glamurizava o cigarro como elemento dramático.
A quantidade de fumaça que é registrada nas cenas de Blade Runner pode ser considerada anormal para um cigarro comum. Mas é totalmente consistente com os vaporizadores de hoje, que produzem tragadas épicas e inodoras. Os bares da atualidade, em todos os cantos do mundo, convivem com esses cigarros eletrônicos. E muitos aproveitam a falta do odor típico do tabaco para utilizá-los em espaços públicos.
Autoridades sanitárias já alertaram para o perigo que ronda o uso dessas geringonças fumacentas. No caso do cigarro tradicional, a composição de elementos químicos inalada pode levar ao câncer – e, em relação aos produtos fabricados com material inferior, os filtros soltam micropartículas que causam o enfisema pulmonar. Em relação aos “vapes”, o problema está no consumo de outras substâncias químicas e na temperatura produzida pelo aparelhinho, bem maior que a de um cigarro comum.
A pergunta que fica é: se existe um consenso sobre os malefícios do cigarro, por que as pessoas continuam fumando?
É evidente que existe um prazer associado ao ato de fumar. Caso contrário, milhões de pessoas não se entregariam a esse hábito. Até os anos 1970, no entanto, não havia farto material sobre os efeitos do tabagismo e sua associação com o câncer de pulmão. Assim, seria natural que os consumidores se entregassem ao vício (sim, há substâncias presentes naquele bastonete que viciam) sem se preocupar com a saúde. Hoje, no entanto, todos sabem que o consumo diário de cigarros pode ser fatal. Mais que isso: a fumaça inalada indiretamente por algumas pessoas também pode matar.
O cigarro tem um apelo à imagem que combina duas características aparentemente contraditórias. Até os anos 1960, foi fartamente explorado pelo cinema como um elemento de glamurização dos personagens – e essa mensagem foi bastante explorada pela indústria do tabaco. Por outro lado, o mesmo cigarro é percebido como um símbolo de rebeldia, algo que os jovens estão sempre ansiosos para demonstrar.
Se o consumo continua crescendo entre quem tem entre 18 e 24 anos, como apontam pesquisas recentes, é sinal de que a rebeldia continua em alta. Mas estamos falando de um hábito que custa caro. Quem fuma dois maços diários pode gastar em torno de R$ 700 mensais. Os refis de “vapes” podem custar o dobro ou o triplo disso.
Estamos, assim, falando de um ato que – aos olhos do usuário – traz impacto visual e oferece um certo prazer. O efeito colateral, o câncer, não é levado em consideração e parece ser visto como algo improvável. De fato, a doença terminal não atinge a todos. Portanto, os consumidores estão brincando de roleta russa sob a forma de nicotina.
As imagens que vemos nos maços de cigarro são assustadoras. Se o consumo se mantem estável há anos na casa de 12 % dos adultos, contudo, é sinal de que esse tipo de abordagem não faz mais efeitos entre novos e velhos usuários. Se as autoridades querem, de fato, acabar com o consumo, precisam entender melhor o que se passa na cabeça e nos corações dos fumantes e encontrar argumentos que os levem a desistir do hábito.
Mas o governo precisa também criar uma política que faça sentido também do ponto de vista tributário. Hoje, um maço que custa R$ 12 recebe uma carga de impostos de 65,9 % de seu preço final. Já a marca com preço de R$ 5,00 tem uma alíquota embutida de 82,8 %. Na prática, os fumantes de menor poder aquisitivo pagam mais tributos que os mais ricos.
Qual é o resultado disso? Das dez marcas mais vendidas no Brasil, cinco são contrabandeadas, que cruzam a fronteiras sem pagar impostos. Estima-se que, em 2019, 57 % dos cigarros consumidos no Brasil sejam de origem ilegal, prejudicando a arrecadação.
Está faltando inteligência ao governo. Tanto para combater o consumo como para coibir a importação ilegal.