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O que o Brasil perde quando a ideologia ganha do pragmatismo

Neste momento de crise, ser pragmático não é um sinal de submissão, mas sim de estratégia

Tarifa de Barreira Comercial dos EUA como Protecionismo Econômico Americano e Isolamento Comercial ou Política Protecionista do governo dos EUA como impostos de importação ou tarifas sobre importações.
 (wildpixel/Getty Images)

Tarifa de Barreira Comercial dos EUA como Protecionismo Econômico Americano e Isolamento Comercial ou Política Protecionista do governo dos EUA como impostos de importação ou tarifas sobre importações. (wildpixel/Getty Images)

Publicado em 30 de julho de 2025 às 17h33.

O pensador francês Raymond Aron, falecido em 1983, era visto como um opositor comedido à escola austríaca de liberalismo, em especial às ideias de Ludwig Von Mises. Ele se considerava um liberal moderado, que distribuía críticas à direita e à esquerda, e talvez por isso seja um nome interessante para utilizarmos na discussão acalorada que se abriu com o tarifaço que o presidente americano Donald Trump deve aplicar aos produtos brasileiros a partir de agosto. A frase mais emblemática de Aron pode se encaixar muito bem no cenário atual: “A ideologia transforma adversários em inimigos; o pragmatismo transforma diferenças em negociações”.

Lembremos que as tarifas alfandegárias foram um tema que surgiu no ano passado, durante a campanha de sucessão à Casa Branca. Naquele contexto, o então candidato Trump dizia que esses tributos eram uma ferramenta necessária para fazer os EUA reafirmarem o seu papel de maior potência mundial. As tarifas, assim, iriam funcionar como uma espécie de colchão protetor para a indústria americana, que iria ressurgir das cinzas e criar milhares de empregos.

Os economistas já mostraram que, na atual estrutura econômica, o efeito do tarifaço sobre a criação de empregos, se houver, será daqui a pelos menos dois ou três anos. E que alguns mercados não deverão ser explorados novamente pelos capitalistas americanos. Ou seja, apesar das tarifas, alguns produtos continuarão a ser importados pelos Estados Unidos.

Conforme o discurso de criação de empregos foi-se diluindo, outra explicação surgiu para justificar a onda de tarifas – a guerra ideológica que Trump está travando contra o regime comunista da China. É aqui que cabe a frase de Raymond Aron. Vamos repeti-la: “A ideologia transforma adversários em inimigos; o pragmatismo transforma diferenças em negociações”.

Neste caldeirão, o Brasil acabou se transformando em uma espécie de coadjuvante de luxo nesse briga ideológica. Por conta do que seria uma perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, que reduziriam as liberdades individuais e prejudicariam empresas americanas, além de um alinhamento comercial com os chineses, o Brasil recebeu um pacote adicional de impostos alfandegários.

Trump agiu ideologicamente ao empreender um ataque econômico planejado para pressionar o Brasil. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos no discurso, também reagiu da mesma forma, colocando a ideologia como força motriz de suas reações inflamadas aos movimentos dos EUA.

Voltando a Aron: ele defendia que a política externa deve ser guiada por interesses concretos e racionais, e não por paixões ideológicas ou disputas internas. Assim, seguindo essa lógica, a resposta brasileira, marcada por discursos nacionalistas e enfrentamento político, pode ser definida como contraproducente e inútil. A Confederação Nacional da Indústria, por exemplo, pediu explicitamente por pragmatismo nas negociações, destacando que o Brasil deveria focar em esclarecer mal-entendidos e evitar escaladas políticas.

Foi o que fizeram outras nações. Japão, Vietnã e os países da União Europeia negociaram acordos comerciais com os Estados Unidos, enquanto o Brasil ficou isolado, sem canais diplomáticos abertos.

O que esses países fizeram corretamente? Em primeiro lugar, separaram política de comércio: mesmo com tensões diplomáticas, mantiveram o foco em interesses econômicos. Além disso, ofereceram contrapartidas concretas, como investimentos, abertura de mercado e cooperação técnica.

Todas essas nações agiram rápido e não perderam tempo com o blábláblá ideológico, iniciando negociações antes da entrada em vigor das tarifas, evitando surpresas. O Brasil, conhecido no passado por um Itamaraty competente e técnico, ficou isolado, sem interlocução direta com Trump. Tentou negociar por vias paralelas, mas sem oferecer contrapartidas claras e misturou o debate comercial com disputas políticas, o que dificultou o diálogo técnico. Obviamente, há uma agenda oculta no discurso de Trump, que deseja obter outras vantagens do Brasil, ainda não reveladas. Por conta das diferenças entre os presidentes, ainda não tempos um interlocutor que possa fazer a ponte entre as duas nações.

Mas Trump é, antes de mais nada, um negociador. Ele colocou condições fora da agenda comercial para aliviar a barra do Brasil. Isso pode significar que espera tirar do Brasil algo que está no campo econômico e ainda não foi revelado. Terá alguma coisa a ver com os minerais de terras raras? Talvez ao longo da semana — se esse for o caso — fiquemos sabendo se existem intenções escondidas e extra-oficiais.

De qualquer forma, a crise mostra que, em comércio internacional, ideologia pode custar caro. Aron teria defendido que o Brasil deixasse de lado provocações políticas e buscasse soluções técnicas e diplomáticas, mesmo diante de um interlocutor difícil como Trump. O pragmatismo, nesse caso, não poderia ser visto como submissão — mas sim como um ato de inteligência estratégica.

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