Quando foi criado em 1988, o Partido da Social Democracia Brasileira surgia para ser uma opção ao então PMDB, uma frente partidária que abrigava muitos políticos fisiológicos e, ao mesmo tempo, tinha perdido viço ideológico. A ideia era fazer do PSDB uma releitura das agremiações europeias francesas e alemãs que pregavam um regime com justiça social, mas sem grandes rupturas com o sistema capitalista.
Hoje, percebe-se que os tucanos enfrentam uma realidade muito parecida com aquela que provocou a criação da sigla – há um número considerável de parlamentares que estão mais de olho em verbas e cargos do que em seguir o programa do partido. Além disso, o PSDB também se transformou em uma frente partidária. Há de tudo: defensores do socialismo europeu, liberais alinhados com o capitalismo, oposicionistas ferrenhos e governistas de ocasião. Atualmente, ninguém pode dizer com certeza se os peessedebistas são de esquerda, centro ou de direita – talvez porque sejam as três coisas ao mesmo tempo.
Quem manda no partido?
Tasso Jereissati? João Doria (na foto, à direita)? Aécio Neves? Fernando Henrique Cardoso? Bruno Araújo? Eduardo Leite (na foto, à esquerda)? Percebe-se claramente que a liderança do partido está fragmentada e que cada um, à sua maneira, reina em seus feudos. Mas não há um líder que se destaca sobre os demais – nem mesmo o ex-presidente Fernando Henrique.
Um exemplo disso é o que ocorreu recentemente quando as prévias do partido foram regulamentadas. A direção da sigla, demonstrando uma má vontade explícita contra o governador de São Paulo, resolveu que os votos totais de filiados valeriam apenas 25 % nas prévias que decidirão o candidato a presidente. Dirigentes partidários e políticos com mandato, por sua vez, representarão 75 % do poder de decisão.
João Doria, então, começou um trabalho de filiação de prefeitos e vice-prefeitos ao PSDB, para obter a maioria dos votos que interessam. Hoje, são poucos os que duvidam de seu favoritismo – e essa percepção também é compartilhada por seus inimigos políticos. Mas, para variar, o partido deve ir para as eleições rachado.
Outro exemplo de divisão dentro da agremiação foi a recente votação da PEC do voto impresso: 14 dos 31 deputados do partido votaram a favor da proposta, apesar da orientação contrária da diretoria tucana. Esse é um ponto que se vê com frequência – parlamentares peessedebistas votando ao lado do governo e colaborando de forma próxima com determinados ministros.
Não seria a primeira vez que tucanos teriam interesse em aderir a um governo ao qual, oficialmente, se contrapõem. Na gestão Collor, o então senador José Richa defendeu que os tucanos se aliassem ao presidente. Este caso, inclusive, rendeu uma discussão entre mim e o senador José Serra ao vivo no programa Roda Viva. Eu o questionei sobre a possibilidade de o PSDB apoiar Collor, pois Richa havia dado uma entrevista à Folha de S. Paulo defendendo essa posição. Serra ficou bravo e atirou: “Você está mentindo”. Eu devolvi: “Pelo jeito, o senhor não leu a Folha de S. Paulo hoje, certo?”. Serra levantou as sobrancelhas e um colega de bancada falou sobre a tal entrevista na Folha. Depois disso, encontrei Serra em várias ocasiões, como governador, prefeito ou parlamentar. Estou esperando suas desculpas até hoje.
Voltando aos tucanos. É esperada uma revoada no ninho com a saída do ex-governador Geraldo Alckmin da agremiação. Alckmin vai certamente levar alguns nomes de sua confiança para o novo partido (fala-se em PSD, mas pode também ser o DEM) e sua campanha para o governo do estado em 2022.
Pensando bem, talvez o PSDB nunca tenha sido uma sigla unida. Sempre foi sacudido por vaidades e interesses vãos. Tirando a eleição de FHC, na qual não havia muito espaço para contestações em função do sucesso do Plano Real, uma parte dos tucanos sempre fez corpo mole nos pleitos presidenciais. Quem não se esforçou na candidatura José Serra, porém, não foi o mesmo grupo que deixou de se envolver na campanha de Geraldo Alckmin – ou na de Aécio Neves. Ou seja, não importa o candidato. Sempre haverá um grupo insatisfeito de filiados e dirigentes com o nome que disputa o Planalto. E, no ano que vem, tudo conspira para que a saga do apoio displicente se repita.
Muitas vezes definido como uma tribo com muitos caciques, o tucanato precisa deixar a vaidade de lado se quiser sobreviver – e entender que sua proposta precisa ser mais clara aos olhos dos eleitores. Enquanto a agremiação for uma frente política, dificilmente atrairá militantes ideologicamente alinhados com seu programa. O fato é que o partido se transformou em um PMDB com um pouco mais de verniz. Talvez aqueles que tenham maiores convicções programáticas precisem repetir os peemedebistas de 1988, deixando o partido para fundar uma nova dissidência. Sugiro, de antemão, um novo nome para a iniciativa: que tal PSD do B?