O otimismo pregado por Ralph Waldo Emerson faz falta nos dias de hoje
Se Emerson estivesse vivo atualmente se espantaria com o grau de pessimismo, intolerância e desprezo pela espiritualidade reinantes no mundo de hoje
Da Redação
Publicado em 10 de maio de 2021 às 13h47.
Talvez o maior dos filósofos americanos, Ralph Waldo Emerson não é muito conhecido no Brasil. Seu sobrenome, no entanto, inspirou o jornalista Wilson Fittipaldi a batizar o filho caçula, que mais tarde seria o primeiro brasileiro campeão de Fórmula-1. Emerson pregava conceitos e valores que exaltavam a imaginação, a criatividade e a intuição. Devotou seus pensamentos ao crescimento espiritual da humanidade e foi um entusiasta do otimismo. Viveu durante o século 19, quando houve uma quebra de valores centenários e uma evolução tecnológica que rompeu barreiras, criou desconfortos sociais e provocou profundas transformações comportamentais.
Foi o século da Revolução Industrial e do fim da escravatura. Esses dois fatos históricos tiveram grandes implicações na trajetória dos Estados Unidos. Foi nesse período que a Europa cogitou retomar suas colônias no continente americano – planos que foram plenamente rejeitados pelo então presidente americano, James Monroe. Ele criou o Doutrina Monroe, que pregava a “América para os americanos” e refreou as intenções expansionistas europeias. Além disso, a industrialização logo viria a transformar totalmente o país, levando-o à condição de potência econômica. Por fim, o debate sobre a escravidão colocou os EUA em uma guerra civil, vencida pelo Norte republicano, que derrotou os sulistas democratas e escravagistas (curiosamente, o Partido Democrata, hoje, é muito mais sensível às questões racionais nos Estados Unidos – mas isso é assunto para outra ocasião).
Emerson começa a escrever sua obra neste cenário – um mundo em profunda transformação, de ruptura de conceitos e sacudido por discussões agressivas. Hoje, vivemos um embate diário nas redes sociais, que reverberam a polarização política de nosso país. No século 19, porém, com as limitações tecnológicas, os debates eram feitos presencialmente – e as pessoas não tinham nenhum pudor em defender de viva voz algo hediondo como transformar um ser humano em mercadoria.
Emerson, neste caldeirão de conflitos e de grande potencial de crescimento através do empreendedorismo, passou a pregar o individualismo – mas não do jeito que entendemos esse termo nos dias de hoje, plenamente associado ao egoísmo. O filósofo acreditava na centelha do indivíduo como algo imprescindível à evolução da sociedade. Para ele, as instituições e organizações de nossa sociedade corrompem a pureza e a visão única das pessoas, que deveriam se desenvolver intelectualmente antes de pertencer a grupos que moldam pensamentos e podem extinguir ideias originais.
Hoje, vemos as redes sociais funcionando como um sistema de padronização crescente do raciocínio. Há, no Brasil, dois grupos majoritários, que vão crescendo à medida que o debate vai esquentando. Chamamos esses dois extremos de direita e esquerda, de conservadorismo e progressismo ou de outros nomes. O fato é que são associações que não respeitam o indivíduo. Agem em uníssono e buscam aniquilar os adversários.
O efeito manada do cancelamento busca sempre encontrar uma pasteurização de ideias. Fora do ideário da coletividade, assim, não existem conceitos que podem ser levados a sério. Ironicamente, vemos também isso nas pessoas que pregam conceitos de extrema-direita. Os membros desses ajuntamentos têm as mesmas ideias e agem em bloco. Só que esse modo de agir é a base do comunismo, que esses militantes tanto odeiam. Quando se estuda os métodos de engajamento de massas da antiga União Soviética, percebe-se exatamente a mesma coisa – a busca da extinção dos pensamentos individuais. Ou seja, apenas ideais do Estado devem ser defendidos em bloco e a qualquer preço. O individualismo, neste cenário, é devastado. As concepções da maioria sempre irão sufocar às do indivíduos.
Emerson era um incentivador do otimismo – em meio a um século marcado pela literatura de autores como Lord Byron e Goethe, dois escritores obcecados pela tragédia. É surpreendente ver alguém que ficou viúvo aos 28 anos de idade (a primeira mulher, Ellen, morreu de tuberculose aos 20 anos) pregar que “a melhor forma de medir nossa saúde mental é buscar o lado bom das coisas” mesmo nas situações mais adversas.
Essa busca pelo aspecto positivo da vida e disposição para estimular a autoconfiança das pessoas tinha a ver com sua obsessão pelos pioneiros americanos e seu espírito desbravador. Por isso, apesar da vasta cultura e imensidão intelectual, ele sempre estava conversando com pessoas simples. Uma viagem de trem ou de barco eram motivos perfeitos para que ele se aproximasse de agricultores ou comerciantes e começasse uma conversa sobre o trabalho destes interlocutores. A curiosidade sobre o indivíduo era uma espécie de combustível necessário não apenas para seu trabalho, mas também para sua vida.
Se Emerson estivesse vivo atualmente se espantaria com o grau de pessimismo, intolerância e desprezo pela espiritualidade reinantes no mundo de hoje. Ele próprio não era um religioso, mas acreditava que cada um de nós deveria desenvolver seu lado espiritual e se sintonizar com a divindade que poderia estar dentro de nós. Nesse momento de discórdia generalizada, ele provavelmente pregaria a busca pelo desenvolvimento individual de cada um para, a partir daí, buscarmos um entendimento maior. Como chegaríamos a esse objetivo? Seria preciso que todos nós cultivássemos nossos talentos e encontrássemos nossos verdadeiros propósitos na vida.
Hoje, no entanto, a sociedade está vivendo apenas o lado ruim do individualismo – o egoísmo desenfreado e a arrogância de quem acredita estar sempre certo. Para piorar, vivemos a era da empáfia gerada pela ignorância – pessoas que se orgulham do parco conhecimento que têm sobre os fatos que moldaram o mundo. O desprezo pela história (“Isso não é do meu tempo”, é o que se escuta quando topamos com alguém assim) e pela cultura pode criar uma radicalização que só é curada através do estudo. Mas, para Emerson, isso geralmente ocorria apenas após uma queda. “Quando alguém é atormentado e derrotado, tem a chance de reconhecer sua ignorância e aprender, ser tratado da insanidade gerada pela presunção”, afirmava ele. “Somente com o conhecimento é que chegamos à moderação e descobrimos nossas verdadeiras habilidades”.
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Talvez o maior dos filósofos americanos, Ralph Waldo Emerson não é muito conhecido no Brasil. Seu sobrenome, no entanto, inspirou o jornalista Wilson Fittipaldi a batizar o filho caçula, que mais tarde seria o primeiro brasileiro campeão de Fórmula-1. Emerson pregava conceitos e valores que exaltavam a imaginação, a criatividade e a intuição. Devotou seus pensamentos ao crescimento espiritual da humanidade e foi um entusiasta do otimismo. Viveu durante o século 19, quando houve uma quebra de valores centenários e uma evolução tecnológica que rompeu barreiras, criou desconfortos sociais e provocou profundas transformações comportamentais.
Foi o século da Revolução Industrial e do fim da escravatura. Esses dois fatos históricos tiveram grandes implicações na trajetória dos Estados Unidos. Foi nesse período que a Europa cogitou retomar suas colônias no continente americano – planos que foram plenamente rejeitados pelo então presidente americano, James Monroe. Ele criou o Doutrina Monroe, que pregava a “América para os americanos” e refreou as intenções expansionistas europeias. Além disso, a industrialização logo viria a transformar totalmente o país, levando-o à condição de potência econômica. Por fim, o debate sobre a escravidão colocou os EUA em uma guerra civil, vencida pelo Norte republicano, que derrotou os sulistas democratas e escravagistas (curiosamente, o Partido Democrata, hoje, é muito mais sensível às questões racionais nos Estados Unidos – mas isso é assunto para outra ocasião).
Emerson começa a escrever sua obra neste cenário – um mundo em profunda transformação, de ruptura de conceitos e sacudido por discussões agressivas. Hoje, vivemos um embate diário nas redes sociais, que reverberam a polarização política de nosso país. No século 19, porém, com as limitações tecnológicas, os debates eram feitos presencialmente – e as pessoas não tinham nenhum pudor em defender de viva voz algo hediondo como transformar um ser humano em mercadoria.
Emerson, neste caldeirão de conflitos e de grande potencial de crescimento através do empreendedorismo, passou a pregar o individualismo – mas não do jeito que entendemos esse termo nos dias de hoje, plenamente associado ao egoísmo. O filósofo acreditava na centelha do indivíduo como algo imprescindível à evolução da sociedade. Para ele, as instituições e organizações de nossa sociedade corrompem a pureza e a visão única das pessoas, que deveriam se desenvolver intelectualmente antes de pertencer a grupos que moldam pensamentos e podem extinguir ideias originais.
Hoje, vemos as redes sociais funcionando como um sistema de padronização crescente do raciocínio. Há, no Brasil, dois grupos majoritários, que vão crescendo à medida que o debate vai esquentando. Chamamos esses dois extremos de direita e esquerda, de conservadorismo e progressismo ou de outros nomes. O fato é que são associações que não respeitam o indivíduo. Agem em uníssono e buscam aniquilar os adversários.
O efeito manada do cancelamento busca sempre encontrar uma pasteurização de ideias. Fora do ideário da coletividade, assim, não existem conceitos que podem ser levados a sério. Ironicamente, vemos também isso nas pessoas que pregam conceitos de extrema-direita. Os membros desses ajuntamentos têm as mesmas ideias e agem em bloco. Só que esse modo de agir é a base do comunismo, que esses militantes tanto odeiam. Quando se estuda os métodos de engajamento de massas da antiga União Soviética, percebe-se exatamente a mesma coisa – a busca da extinção dos pensamentos individuais. Ou seja, apenas ideais do Estado devem ser defendidos em bloco e a qualquer preço. O individualismo, neste cenário, é devastado. As concepções da maioria sempre irão sufocar às do indivíduos.
Emerson era um incentivador do otimismo – em meio a um século marcado pela literatura de autores como Lord Byron e Goethe, dois escritores obcecados pela tragédia. É surpreendente ver alguém que ficou viúvo aos 28 anos de idade (a primeira mulher, Ellen, morreu de tuberculose aos 20 anos) pregar que “a melhor forma de medir nossa saúde mental é buscar o lado bom das coisas” mesmo nas situações mais adversas.
Essa busca pelo aspecto positivo da vida e disposição para estimular a autoconfiança das pessoas tinha a ver com sua obsessão pelos pioneiros americanos e seu espírito desbravador. Por isso, apesar da vasta cultura e imensidão intelectual, ele sempre estava conversando com pessoas simples. Uma viagem de trem ou de barco eram motivos perfeitos para que ele se aproximasse de agricultores ou comerciantes e começasse uma conversa sobre o trabalho destes interlocutores. A curiosidade sobre o indivíduo era uma espécie de combustível necessário não apenas para seu trabalho, mas também para sua vida.
Se Emerson estivesse vivo atualmente se espantaria com o grau de pessimismo, intolerância e desprezo pela espiritualidade reinantes no mundo de hoje. Ele próprio não era um religioso, mas acreditava que cada um de nós deveria desenvolver seu lado espiritual e se sintonizar com a divindade que poderia estar dentro de nós. Nesse momento de discórdia generalizada, ele provavelmente pregaria a busca pelo desenvolvimento individual de cada um para, a partir daí, buscarmos um entendimento maior. Como chegaríamos a esse objetivo? Seria preciso que todos nós cultivássemos nossos talentos e encontrássemos nossos verdadeiros propósitos na vida.
Hoje, no entanto, a sociedade está vivendo apenas o lado ruim do individualismo – o egoísmo desenfreado e a arrogância de quem acredita estar sempre certo. Para piorar, vivemos a era da empáfia gerada pela ignorância – pessoas que se orgulham do parco conhecimento que têm sobre os fatos que moldaram o mundo. O desprezo pela história (“Isso não é do meu tempo”, é o que se escuta quando topamos com alguém assim) e pela cultura pode criar uma radicalização que só é curada através do estudo. Mas, para Emerson, isso geralmente ocorria apenas após uma queda. “Quando alguém é atormentado e derrotado, tem a chance de reconhecer sua ignorância e aprender, ser tratado da insanidade gerada pela presunção”, afirmava ele. “Somente com o conhecimento é que chegamos à moderação e descobrimos nossas verdadeiras habilidades”.
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