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O governo e seu esporte favorito: baixar preços por decreto

Essa vocação pelo intervencionismo, aliás, não depende da ideologia de quem está alojado no Palácio do Planalto

Presidente Lula (Ricardo Stuckert / PR/Reprodução)
Presidente Lula (Ricardo Stuckert / PR/Reprodução)

É impressionante como os governantes preferem ignorar leis básicas da economia ou lições impostas por experiências heterodoxas do passado. A tentação de baixar os preços por decreto, pelo jeito, sempre vai estar presente na cabeça de quem toca o Poder Executivo. Essa vocação pelo intervencionismo, aliás, não depende da ideologia de quem está alojado no Palácio do Planalto. A tentação é grande: além de favorecer os eleitores, preços e tarifas menores têm um impacto positivo nos índices de inflação e, por conseguinte, no bolso de quem escolhe os políticos.

Desta vez, o governo decidiu autorizar as empresas de distribuição de energia a antecipar recebíveis da ordem de R$ 26 bilhões e utilizar esses recursos para baratear as contas de luz. Espera-se que, com a medida, a tarifa de energia elétrica fique menor entre 3,5% e 5%.

Será que vale a pena?

O. K., para as classes menos favorecidas, qualquer economia é bem-vinda. Mas façamos as contas. Se alguém paga uma conta de, digamos, R$ 150, se houver uma queda de 5% na cobrança mensal, isso significa uma economia de R$ 7,50. Em São Paulo, onde uma passagem de ônibus custa R$ 4,40, isso não é suficiente para pagar a ida e a volta a bordo do transporte coletivo.

Os especialistas estimam que essa economia poderá gerar um aumento posterior nas mesmas contas de luz – a previsão é de que, com essa antecipação, as tarifas sofrerão um aumento de 7% em 2029. Mas como cinco anos no Brasil são uma eternidade, ninguém no Planalto está de fato preocupado com essa possibilidade.

A última vez que um governo petista resolveu mexer no sistema elétrico, no entanto, foi um desastre. Em 6 de setembro de 2012, no intervalo da novela “Avenida Brasil”, a presidente Dilma Rousseff (imagem) entrou no ar para anunciar a queda no preço cobrado pela energia elétrica, fruto de uma desoneração de impostos combinada com a antecipação da renovação de concessões.

De fato, no ano seguinte, a conta diminuiu em média 16%. Mas, de 2014 a 2017, houve um aumento de 58%. Além disso, o setor sofreu uma desorganização significativa em função da intervenção estatal – e muitas empresas deixaram de investir. Para piorar o cenário, houve uma seca generalizada no país, reduzindo a produção das hidrelétricas e colocando em funcionamento mais termoelétricas, cujo custo é mais alto. Os analistas avisaram o governo dos riscos que tomava ao interferir neste mercado. A reação de Dilma Rousseff? Desdenhar as críticas. “Aqueles que são do contra estão ficando para trás”, declarou a ex-presidente na época.

Obviamente, a Medida Provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um refresco quando comparada às medidas tomadas por Dilma. Mas teme-se que esse seja apenas um balão de ensaio, que – dependendo dos resultados – estimule o governo a promover novas interferências para baixar preços de forma artificial.

O governo Lula parece trabalhar de uma maneira que foi descrita pelo ex-presidente americano, Ronald Reagan, no início dos anos 1980. “A visão do governo sobre economia pode ser resumida em frases curtas: se a coisa se move, taxe-a; se continuar em movimento, regule-a; se ela parar de se mover, subsidie-a”, disse ele. Infelizmente, é exatamente o que acontece no Brasil de 2024.