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O fim da civilidade

Que tipo de sociedade teremos se as pessoas buscarem a violência, mesmo que verbal, para resolverem seus problemas?

A sociedade está perdendo um elemento vital: a civilidade (Gonzalo Azumendi/Getty Images)
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isabelarovaroto

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 10h06.

Neste final de semana, circularam dois vídeos nos qual há registros de barracos monumentais. Em uma gravação, uma moça de biquíni em um carro conversível, parte para a agredir uma mulher que supostamente jogou uma garrafa de água nela. Na sequência, um amigo da agredida arranca o top da garota vestida com roupas de banho. Outro vídeo refere-se a uma briga em um restaurante. Aparentemente, alguém quis ser atendido fora do horário e criou um escândalo tamanho família.

Os dois episódios mostram aspectos de torpeza moral em seus personagens. Ninguém tem exatamente razão nos dois escândalos e todos mostram um descontrole abissal. Fiquei pensando: esse tipo de comportamento era comum anos atrás? Não me lembro de uma profusão tão grande de barracos no passado. Ou simplesmente não tínhamos como gravar essas situações, como hoje podemos?

Talvez uma parte da população sempre teve nas veias esse tipo de comportamento, mas a sociedade como um todo refreava a agressividade dessa meia-dúzia. A turma do deixa-disso sempre entrava em campo e evitava que o pior ocorresse. Hoje, ao contrário, a impressão é a de que as pessoas têm uma espécie de curiosidade mórbida para que um desentendimento vire uma farta distribuição de sopapos. No caso do vídeo da moça de biquíni, por exemplo, ninguém tentou se interpor entre as duas mulheres que trocaram tapas. O rapaz que estava na mesa, por sinal, sai correndo com um único propósito: agredir. No caso do restaurante, apenas nas gravações feitas na calçadas enxerga-se a ação de quem quer abafar o caso (pelo diálogo, essa ação parece ser de profissionais da casa).

Que tipo de sociedade teremos se as pessoas buscarem a violência, mesmo que verbal, para resolverem seus problemas? A impressão que temos é que não existe mais espaço para uma discussão saudável. Existem apenas dois lados que se sentem com razão. E essa razão é uma espécie de salvo-conduto para qualquer tipo de comportamento.

No caso do vídeo do carro conversível, a mulher que estava na mesa se incomodou com o exibicionismo da banhista. Poderia ter ficado quieta, mas jogou não uma, mas duas garrafas de plástico (quase sem força, diga-se). A outra poderia ter deixado barato? Poderia. Mas resolveu partir para as vias de fato. E ninguém – ninguém – se prontificou a evitar o barraco.

Um vídeo divulgado ontem com a moça de biquíni mostra que ela acha estar com a razão, por ter sido provocada. Isso até pode ser uma justificativa. Mas é uma atitude correta sucumbir a provocações e distribuir socos? Um lado diz ter a razão por ter sido provocado. Outro acha que está certo porque a moça estava de trajes sumários e com um comportamento questionável. Na prática, no entanto, a violência tirou a razão de todos.

A sociedade está perdendo um elemento vital: a civilidade. O que diz o dicionário sobre esse termo? Civilidade é o “conjunto de formalidades, de palavras e atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração; boas maneiras, cortesia, polidez”. Percebemos que, cada vez mais, esse conceito está desaparecendo diante de nossos olhos.

Corremos o risco de entrar numa era em que apenas a nossa vontade importa nem que, para isso, tenhamos que recorrer à violência. É esse o mundo que teremos para nossos filhos? John Kennedy disse certa vez que a “civilidade não é um sinal de fraqueza”. Ele, que morreu em novembro de 1963, buscou encontrar soluções pacíficas mesmo diante do maior apuro que o planeta viveu, quando a antiga União Soviética, no meio da crise dos mísseis em Cuba, quis peitar os Estados Unidos. Kennedy usou de diplomacia e firmeza para contornar o problema, que poderia ter jogado o mundo em uma guerra nuclear sem precedentes.

E se ele tivesse agido com o fígado e respondesse à provocação dos soviéticos? Provavelmente não estaríamos aqui para discutir assuntos bem mais amenos como o fim das boas maneiras em pleno século 21.

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Neste final de semana, circularam dois vídeos nos qual há registros de barracos monumentais. Em uma gravação, uma moça de biquíni em um carro conversível, parte para a agredir uma mulher que supostamente jogou uma garrafa de água nela. Na sequência, um amigo da agredida arranca o top da garota vestida com roupas de banho. Outro vídeo refere-se a uma briga em um restaurante. Aparentemente, alguém quis ser atendido fora do horário e criou um escândalo tamanho família.

Os dois episódios mostram aspectos de torpeza moral em seus personagens. Ninguém tem exatamente razão nos dois escândalos e todos mostram um descontrole abissal. Fiquei pensando: esse tipo de comportamento era comum anos atrás? Não me lembro de uma profusão tão grande de barracos no passado. Ou simplesmente não tínhamos como gravar essas situações, como hoje podemos?

Talvez uma parte da população sempre teve nas veias esse tipo de comportamento, mas a sociedade como um todo refreava a agressividade dessa meia-dúzia. A turma do deixa-disso sempre entrava em campo e evitava que o pior ocorresse. Hoje, ao contrário, a impressão é a de que as pessoas têm uma espécie de curiosidade mórbida para que um desentendimento vire uma farta distribuição de sopapos. No caso do vídeo da moça de biquíni, por exemplo, ninguém tentou se interpor entre as duas mulheres que trocaram tapas. O rapaz que estava na mesa, por sinal, sai correndo com um único propósito: agredir. No caso do restaurante, apenas nas gravações feitas na calçadas enxerga-se a ação de quem quer abafar o caso (pelo diálogo, essa ação parece ser de profissionais da casa).

Que tipo de sociedade teremos se as pessoas buscarem a violência, mesmo que verbal, para resolverem seus problemas? A impressão que temos é que não existe mais espaço para uma discussão saudável. Existem apenas dois lados que se sentem com razão. E essa razão é uma espécie de salvo-conduto para qualquer tipo de comportamento.

No caso do vídeo do carro conversível, a mulher que estava na mesa se incomodou com o exibicionismo da banhista. Poderia ter ficado quieta, mas jogou não uma, mas duas garrafas de plástico (quase sem força, diga-se). A outra poderia ter deixado barato? Poderia. Mas resolveu partir para as vias de fato. E ninguém – ninguém – se prontificou a evitar o barraco.

Um vídeo divulgado ontem com a moça de biquíni mostra que ela acha estar com a razão, por ter sido provocada. Isso até pode ser uma justificativa. Mas é uma atitude correta sucumbir a provocações e distribuir socos? Um lado diz ter a razão por ter sido provocado. Outro acha que está certo porque a moça estava de trajes sumários e com um comportamento questionável. Na prática, no entanto, a violência tirou a razão de todos.

A sociedade está perdendo um elemento vital: a civilidade. O que diz o dicionário sobre esse termo? Civilidade é o “conjunto de formalidades, de palavras e atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração; boas maneiras, cortesia, polidez”. Percebemos que, cada vez mais, esse conceito está desaparecendo diante de nossos olhos.

Corremos o risco de entrar numa era em que apenas a nossa vontade importa nem que, para isso, tenhamos que recorrer à violência. É esse o mundo que teremos para nossos filhos? John Kennedy disse certa vez que a “civilidade não é um sinal de fraqueza”. Ele, que morreu em novembro de 1963, buscou encontrar soluções pacíficas mesmo diante do maior apuro que o planeta viveu, quando a antiga União Soviética, no meio da crise dos mísseis em Cuba, quis peitar os Estados Unidos. Kennedy usou de diplomacia e firmeza para contornar o problema, que poderia ter jogado o mundo em uma guerra nuclear sem precedentes.

E se ele tivesse agido com o fígado e respondesse à provocação dos soviéticos? Provavelmente não estaríamos aqui para discutir assuntos bem mais amenos como o fim das boas maneiras em pleno século 21.

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