O exemplo de quem agarra uma oportunidade que surge do nada
Por um lado, temos mais de 14 milhões de desempregados e a fome já é uma triste realidade. Por outro, há um gargalo gigantesco de produtos de altíssimo luxo
Da Redação
Publicado em 21 de janeiro de 2022 às 13h53.
Aluizio Falcão Filho
O economista Edmar Bacha, no anos 1970, cunhou uma expressão que sobrevive até os dias de hoje: Belíndia. Este termo definia perfeitamente o Brasil do Milagre Econômico, com cidadãos desfrutando de padrão de vida semelhante ao da Bélgica e outros com condições econômicas análogas às da Índia. Quase cinquenta anos após a criação dessa metáfora, pode-se dizer que nossa sociedade ainda convive com uma discrepância enorme do ponto de vista socioeconômico.
Por um lado, temos mais de 14 milhões de desempregados e a fome já é uma triste realidade para inúmeros brasileiros. Por outro, temos um gargalo gigantesco de produtos de altíssimo luxo. A grande afluência da nata econômica do país, turbinada por fortunas que foram construídas a partir de um mercado de capitais bastante líquido, fez com que alguns setores vivessem um “boom”. Mas não foi apenas a demanda que aumentou. Em alguns casos, a oferta diminuiu – estimulada por problemas de fabricação em alguns casos, como a falta de semicondutores, que atingiu o mercado de automóveis.
Entre os veículos importados das marcas mais celebradas do planeta, por exemplo, há filas de espera que podem superar a marca de um ano. Esse gargalo, inclusive, inflou o mercado de usados. Sem condições de adquirir um zero-quilômetro, os endinheirados preferem satisfazer seus impulsos momentaneamente comprando um bólido de segunda mão.
Este fenômeno já ocorre há alguns meses. Mas um empresário da área de entretenimento, que vivia em dificuldades desde a pandemia, enxergou o que estava ocorrendo logo no início e teve uma ideia luminosa. Ele resolveu entrar na fila para comprar vários carros de luxo.
Em cada montadora ou importadora, colocou um pequeno sinal para ficar na lista de espera – um montante médio de R$ 50 000. Ao todo, comprou 54 lugares na fila, 14 em uma só marca, que fabrica o esportivo dos sonhos do universo masculino (os responsáveis pela venda deste modelo, por sinal, o proibiram de se inscrever para comprar mais carros).
Conforme os veículos foram chegando, ele foi vendendo seus carros com ágio a quem quisesse comprar – e não ficou, até agora, nenhum automóvel encalhado. Todos foram vendidos. A fama deste rapaz no mercado cresceu tanto que, dias atrás, foi apresentado a um importador de veículos luxuosos. “Já ouvi falar de você”, disse o dono da importadora. “Hoje, você é um dos meus maiores concorrentes no mercado”.
Os dois apertaram as mãos sob gargalhadas.
Pode-se acusar o rapaz de ganhar dinheiro fácil? Talvez. Mas vejamos a coisa através do raciocínio capitalista: ele fez uma aposta, que poderia dar errado, e foi recompensado por isso. Além disso, tomou uma decisão arriscada foi beneficiado pela vaidade alheia. Há bastante gente desejando desfilar a bordo de um carrão e disposta a pagar qualquer preço por isso. No fundo, está explorando – legalmente – uma fraqueza humana. Seus clientes têm a opção de não aceitar seus preços e esperar sua vez na fila. Mas a vontade de ostentar fala mais alto.
Por conta deste caso, lembrei-me do personagem John Milton, vivido por Al Pacino no filme “O Advogado do Diabo”. “A vaidade sempre foi o meu pecado favorito”, diz ele, que personifica Lúcifer na trama. Em nome desta característica, o ser humano é capaz de fazer qualquer coisa – inclusive pagar o dobro do valor cobrado normalmente por um produto.
Aluizio Falcão Filho
O economista Edmar Bacha, no anos 1970, cunhou uma expressão que sobrevive até os dias de hoje: Belíndia. Este termo definia perfeitamente o Brasil do Milagre Econômico, com cidadãos desfrutando de padrão de vida semelhante ao da Bélgica e outros com condições econômicas análogas às da Índia. Quase cinquenta anos após a criação dessa metáfora, pode-se dizer que nossa sociedade ainda convive com uma discrepância enorme do ponto de vista socioeconômico.
Por um lado, temos mais de 14 milhões de desempregados e a fome já é uma triste realidade para inúmeros brasileiros. Por outro, temos um gargalo gigantesco de produtos de altíssimo luxo. A grande afluência da nata econômica do país, turbinada por fortunas que foram construídas a partir de um mercado de capitais bastante líquido, fez com que alguns setores vivessem um “boom”. Mas não foi apenas a demanda que aumentou. Em alguns casos, a oferta diminuiu – estimulada por problemas de fabricação em alguns casos, como a falta de semicondutores, que atingiu o mercado de automóveis.
Entre os veículos importados das marcas mais celebradas do planeta, por exemplo, há filas de espera que podem superar a marca de um ano. Esse gargalo, inclusive, inflou o mercado de usados. Sem condições de adquirir um zero-quilômetro, os endinheirados preferem satisfazer seus impulsos momentaneamente comprando um bólido de segunda mão.
Este fenômeno já ocorre há alguns meses. Mas um empresário da área de entretenimento, que vivia em dificuldades desde a pandemia, enxergou o que estava ocorrendo logo no início e teve uma ideia luminosa. Ele resolveu entrar na fila para comprar vários carros de luxo.
Em cada montadora ou importadora, colocou um pequeno sinal para ficar na lista de espera – um montante médio de R$ 50 000. Ao todo, comprou 54 lugares na fila, 14 em uma só marca, que fabrica o esportivo dos sonhos do universo masculino (os responsáveis pela venda deste modelo, por sinal, o proibiram de se inscrever para comprar mais carros).
Conforme os veículos foram chegando, ele foi vendendo seus carros com ágio a quem quisesse comprar – e não ficou, até agora, nenhum automóvel encalhado. Todos foram vendidos. A fama deste rapaz no mercado cresceu tanto que, dias atrás, foi apresentado a um importador de veículos luxuosos. “Já ouvi falar de você”, disse o dono da importadora. “Hoje, você é um dos meus maiores concorrentes no mercado”.
Os dois apertaram as mãos sob gargalhadas.
Pode-se acusar o rapaz de ganhar dinheiro fácil? Talvez. Mas vejamos a coisa através do raciocínio capitalista: ele fez uma aposta, que poderia dar errado, e foi recompensado por isso. Além disso, tomou uma decisão arriscada foi beneficiado pela vaidade alheia. Há bastante gente desejando desfilar a bordo de um carrão e disposta a pagar qualquer preço por isso. No fundo, está explorando – legalmente – uma fraqueza humana. Seus clientes têm a opção de não aceitar seus preços e esperar sua vez na fila. Mas a vontade de ostentar fala mais alto.
Por conta deste caso, lembrei-me do personagem John Milton, vivido por Al Pacino no filme “O Advogado do Diabo”. “A vaidade sempre foi o meu pecado favorito”, diz ele, que personifica Lúcifer na trama. Em nome desta característica, o ser humano é capaz de fazer qualquer coisa – inclusive pagar o dobro do valor cobrado normalmente por um produto.