“Meu Pai” é um filme que inova ao levar a empatia às últimas consequências. A narrativa é contada a partir do ponto de vista de um senhor inglês (Anthony Hopkins, cuja atuação lhe rendeu o Oscar de melhor ator) que sofre de demência – e aponta o drama familiar que se instala com sua recusa em receber a companhia de uma cuidadora, revelando em detalhes a confusão mental do personagem principal.
Ao conduzir a história do ponto de vista de quem sofre distúrbios mentais, o diretor Florian Zeller consegue nos colocar dentro de um universo do qual queremos nos livrar – os problemas vividos por nossos pais e avós, dramas que um dia também enfrentaremos. Uma frase em particular chama a atenção. É dita por Hopkins no momento que seu personagem percebe que não está mais no pleno domínio de suas faculdades mentais: “Sinto que estou perdendo as minhas folhas”. A metáfora com uma árvore que deixa de ser frondosa vem a calhar. Não é à toa que muitos chamam a velhice de o “outono da vida”.
Mas levemos essa qualidade excepcional mostrada pelo cineasta Zeller em sua estreia no mundo do celuloide, a empatia, para outros campos do comportamento – mais especificamente para os preconceitos que evitam muitas pessoas a abraçar iniciativas de inclusão social.
Tomemos o racismo como exemplo. Aqui no Brasil há racistas que pregam a supremacia branca. Mas estes fazem menos barulho que seus equivalentes americanos, cuja tradição já produziu excrecências como a Ku Klux Klan.
Em nosso país, temos um outro tipo de racismo – aquele que está entranhado no comportamento da classe média e da classe alta. O lado racional dessas pessoas está totalmente comprometido com um discurso de inclusão. Mas o comportamento é leniente em relação ao assunto e estes indivíduos raramente se comprometem a fazer ações mínimas, como pelo menos dar uma oportunidade a um profissional negro – homem ou mulher.
É neste momento que enxergar o problema pela visão de quem o vive (a exemplo do filme “Meu Pai”) pode fazer a diferença. Muitos brasileiros de origem portuguesa ou espanhola, por exemplo, conhecem os Estados Unidos como turistas, vivendo por alguns dias o lado bom da sociedade americana. Ocorre que, para o americano caucasiano médio, estes brasileiros não são brancos. São latinos – ou negros, dependendo de quão morena for a pele. Podem estar sujeitos a preconceitos severos, dependendo da região dos EUA.
Ser parte da minoria não é fácil. Coloca as pessoas à mercê de um sofrimento único. Muitos acham que isso é mimimi, coitadismo ou vitimismo. Talvez em alguns casos até seja. Mas apenas aqueles que sofrem algum tipo de preconceito conseguem entender os excluídos. Por isso é importante o exercício da empatia e tentar compreender o que se passa na cabeça dos outros.
Há, evidentemente, limites para isso. Uma moça loira, nascida e criada nas melhores escolas e vivendo em um condomínio de luxo jamais vai conseguir compreender totalmente o que um rapaz negro e favelado enfrenta em seu dia a dia. Mas é preciso que se faça um esforço. E que a cabeça se abra para que oportunidades sejam oferecidas.
O preconceito de cor é apenas um daqueles que temos entranhados em nossas almas. Há outros, que discriminam mulheres, homossexuais, estrangeiros ou até pessoas acima do peso. Ao colocar essas características acima de tudo, deixamos de enxergar a essência destes indivíduos e suas devidas competências.
Parece um discurso politicamente correto?
Sem dúvida.
Mas o mundo que está nos esperando na esquina é assim. Repleto de jovens que não compartilham os preconceitos das gerações anteriores. Os departamentos de Recursos Humanos das grandes empresas globais perceberam isso há muito tempo e trabalham contra esse tipo de comportamento.
Qual é a solução? Cotas?
Não sou um fã dessa solução. Para falar a verdade, sou contrário a qualquer regra que sirva de uma camisa de força para as empresas. Mas é possível enxergar mudanças espontâneas ocorrendo dentro das estruturas corporativas. A velocidade dessas transformações ainda não é ideal. A quantidade de mulheres, por exemplo, é pequena nas diretorias de empresas e nos conselhos e administração. Já foi ainda menor, é verdade. Mas hoje estamos percebendo que as empresas que se pautam pela diversidade e pela erradicação de preconceitos têm uma performance melhor que as das mais tradicionais.
É possível citar duas pesquisas recentes sobre o tema. Um estudo sobre retenção de talentos realizado pela Deloitte aponta que 23% das pessoas já deixaram seus empregos para trabalhar em empresas mais inclusivas. Outra, da consultoria McKinsey, mostra que organizações que investem na diversidade de gênero entre seus executivos têm 14% mais chances de superar a performance dos concorrentes. Diversidade gera convívio de visões e experiências diferentes, que resultam em um caldeirão de criatividade e inovação.
É fácil? Não. Mas o caminho para a mudança sempre é o mais difícil. Assim, fica um aviso para os conservadores: não adianta espernear. O mundo já mudou e é uma questão de tempo para que as transformações mais radicais sejam implementadas entre nós. Acompanhe essas mudanças e as antecipe. Caso contrário, a nova geração será implacável em rotulá-lo como um profissional obsoleto, incapaz e retrógrado.