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O estágio atual da vacinação mostra a falta de pragmatismo no governo

Se houvesse pragmatismo no governo, desde o final do ano passado teríamos sentado à mesa com os grandes laboratórios para conversar sobre imunizantes

Vacinação contra covid-19 no Brasil. (Alexandre Schneider/Getty Images)
Vacinação contra covid-19 no Brasil. (Alexandre Schneider/Getty Images)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 9 de abril de 2021 às, 10h10.

Uma das características dos políticos brasileiros é o pragmatismo. Uma proposta não deu certo e apareceu outra com maior apelo popular? Nove entre dez deputados esquecem o próprio projeto e entram no próximo ônibus sem olhar para trás. Apesar de ter estado no Congresso por mais de vinte anos, o presidente Jair Bolsonaro não é nem um pouco pragmático. Pelo contrário. Ele se pauta por um comportamento movido a teimosia.

Somente depois de muita argumentação é que o presidente aceitou usar máscaras em eventos públicos e abraçar a causa da vacinação. Mesmo assim, continua insistindo em um discurso que privilegia o tratamento precoce com substâncias que não são reconhecidas como eficazes pela maioria da comunidade científica.

Vamos dizer que Bolsonaro esteja certo e boa parte dos médicos errados. Mesmo assim, as pesquisas mostram que a esmagadora maioria da população brasileira quer ser vacinada. Diante disso, o que um político experiente e pragmático faria? Investiria tudo na vacinação e guardaria suas certezas para si. Mas o presidente preferiu ficar arengando contra os chineses, dizendo que os vacinados poderiam virar jacarés e vociferando contra o preço cobrado pelos laboratórios para entregar imunizantes.

Ele só mudou parcialmente o discurso quando sua popularidade começou a cair com velocidade. Mesmo assim, aqui e ali, solta algumas farpas contra os médicos e estica desnecessariamente o debate sobre a cloroquina. Em agosto de 2020, ele disse: “Tomei cloroquina e me curei”. Na quarta-feira (7), ele voltou à carga: “Tomei e deu certo”.

Há uma diferença entre teimosia e determinação. Os determinados têm a resiliência e a força de vontade para seguir em frente, mas conseguem enxergar o cenário global e recuam quando enxergam um panorama adverso. O teimoso se recusa a avaliar qualquer evidência de que está errado e mantém a mesma posição até o final. Bolsonaro parece ter sido convencido a acatar a vacinação como um mal menor. Ou seja, deixou a teimosia de lado e abraçou o pragmatismo – mas deixou um pé na canoa de antes.

Se houvesse pragmatismo sobrando no governo, desde o final do ano passado teríamos sentado à mesa com os grandes laboratórios para conversar sobre imunizantes. Em vez disso, tivemos o então ministro Eduardo Pazuello criando dificuldades para comprar vacinas e tecendo desculpas que atualmente soam completamente esfarrapadas.

Hoje, vê-se que Pazuello apenas seguia a orientação do presidente. Mas, no final das contas, o ex-ministro e general foi rifado para ser o bode expiatório no atraso da vacinação em massa. E aceitou o sacrifício ao qual foi impingido.

Muitos defensores do governo afirmam que nada adiantaria comprar vacinas naquele final de 2020, pois não haveria como entregar a substância no primeiro trimestre deste ano, dada a enorme demanda mundial (e exemplos de países desenvolvidos, como o Japão, são usados para reforçar essa tese).

Diante desse argumento, é possível dizer o seguinte: o governo, caso tomasse as rédeas deste processo, teria condições de manter seus índices de popularidade em alta e se defender das acusações de negacionismo com desenvoltura. Além disso, poderia aumentar seu suprimento de doses, nem que fosse em uma quantidade mínima. No momento atual, qualquer ampola a mais faria diferença.

O governador João Doria, por outro lado, bancou a CoronaVac. Foi por razões humanitárias? Interesses eleitorais? Ou para antagonizar com Bolsonaro? A essa altura do campeonato, não importa quais foram os motivos. O fato é que 82 % das vacinas aplicadas no Brasil são oriundas do Instituto Butantan (os 18 % restantes são da AstraZeneca/Oxford) e isso foi crucial. Curiosamente, Doria não conseguiu capitalizar este movimento político e não obteve um crescimento expressivo em popularidade.

Neste cenário, o Brasil está um pouco acima da média mundial de vacinação, quando consideramos a primeira dose: aqui, são 11,4 % da população, enquanto o planeta conta com 9,9 % de habitantes contemplados com imunizantes. Quando contabilizamos aqueles que já tomaram as duas doses, os números também são ligeiramente superiores para o nosso país: 2,55 % contra 2,05 %.

Isso mostra que não estamos tão mal assim. Mas, imaginemos (sem nenhum viés político, por favor) o seguinte: como estaríamos sem as doses de CoronaVac distribuídas pelo país? Resposta: se hoje estamos vivendo uma tragédia, a situação sem a CoronaVac seria absolutamente catastrófica.