O dilema moral das vacinas privadas
Em tempos de pandemia, deve prevalecer equidade de direitos e os privilégios serão destinados a quem está à mercê de ser contaminado com maior facilidade
Bibiana Guaraldi
Publicado em 15 de janeiro de 2021 às 10h47.
Última atualização em 15 de janeiro de 2021 às 11h46.
“A liberdade não traz uma vida fácil, pois oferece várias coisas negativas às pessoas”, dizia Margaret Thatcher. “Não traz necessariamente segurança e, ao mesmo tempo, cria dilemas morais para você. Além disso, requer autodisciplina e impõe grandes responsabilidades aos que dela desfrutam”. Essa frase me veio à cabeça quando soube que o governo havia avisado aos empresários que não irá deixar que as empresas comprem vacinas e as apliquem em seus funcionários.
Embora não tenha havido um aviso oficial, tudo indica que o governo está inclinado a proibir movimentos de empresas privadas que atuem paralelamente aos programas oficiais de imunização – pelo menos foi o que disseram o general Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, a um grupo de empresários que pertencem aos quadros da FIESP.
O que a frase de Thatcher tem a ver com essa situação?
O governo, ao analisar o problema da pandemia, tropeçou em um dilema moral: deixar ou não que algumas pessoas furassem a fila da vacinação, comprando imunizantes do setor privado? Mais do que isso: deixar integrantes do chamado grupo de risco para trás, apenas porque alguns têm condições financeiras para receber a vacina antecipadamente?
A metade do copo vazia é exatamente como o Executivo enxerga a situação. Em tempos de pandemia, deve prevalecer equidade de direitos e os privilégios serão destinados a quem está à mercê de ser contaminado com maior facilidade (idosos, obesos mórbidos, indivíduos com comorbidades etc.). Com isso, uma fila será estabelecida por critérios que não têm a ver com a situação socioeconômica dos cidadãos e todos precisam esperar pacientemente sua vez.
Essa visão, em tese, proporciona justiça social e mostra que o governo não se dobra aos interesses dos mais ricos. A regra vale para todos, não importando o tamanho da riqueza, e exceções não serão aceitas. Durante o mesmo encontro virtual entre governo e membros da FIESP, os empresários também escutaram uma excelente notícia: a de que o governo já comprou 500 milhões de doses (um suprimento suficiente para oferecer mais de uma aplicação a cada brasileiro) e que poderia iniciar o processo com rapidez.
De fato, ontem mesmo, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou a um grupo de 140 prefeitos que a vacinação começará no dia 20, desde que a Anvisa aprove no domingo os imunizantes que serão utilizados nas campanhas do governo.
Voltando ao dilema moral: há vacinas públicas para todos, mas esbarramos em uma questão de logística. É impossível entregar as ampolas de uma só vez a todos os cidadãos – por isso, temos uma fila. Assim, privilegia-se os grupos de risco e elimina-se pistolões de todas as espécies. O. K., muito justo.
Mas temos um problema de estatística. Cada indivíduo é uma central latente de contaminação. Se conseguirmos reduzir o tempo para vacinar todos os brasileiros, a nação inteira irá ganhar pois a velocidade do contágio será diminuída. Isso pode ser obtido com a entrada do setor privado no esforço de imunização, que reduziria rapidamente parte da fila, seja através de clínicas particulares ou de empresas que comprariam lotes de vacinas para seus funcionários.
Há dois tipos de pessoas que são contra a possibilidade de se privatizar parte deste processo.
Um grupo é o de pessoas retas que seguem um rígido código moral, através do qual nesses assuntos não deve haver qualquer tipo de privilégio. No entanto, há outra facção que simplesmente exulta o fato de que pessoas com mais condições financeiras não possam ter um tratamento diferenciado.
O segundo grupo, claramente, prega um revanchismo baseado no conceito de luta de classes, criado no século 19, para fustigar os mais ricos. Esse prazer fugaz leva alguém a algum lugar? Não. O vírus ataca a todos e congestiona o sistema de saúde de tal forma que nem os membros da classe A podem dizer que, caso necessitem, terão garantido um lugar na UTI de hospitais de primeira linha. O momento pede ponderação e sabedoria – e não histeria, raiva ou vingança social. Se as empresas puderem vacinar seus funcionários, uma grande parte dos trabalhadores brasileiros será beneficiada, sem ônus. Proibir essas iniciativas só retardará o processo de imunização e todos, sem exceção, vão sair prejudicados.
“A liberdade não traz uma vida fácil, pois oferece várias coisas negativas às pessoas”, dizia Margaret Thatcher. “Não traz necessariamente segurança e, ao mesmo tempo, cria dilemas morais para você. Além disso, requer autodisciplina e impõe grandes responsabilidades aos que dela desfrutam”. Essa frase me veio à cabeça quando soube que o governo havia avisado aos empresários que não irá deixar que as empresas comprem vacinas e as apliquem em seus funcionários.
Embora não tenha havido um aviso oficial, tudo indica que o governo está inclinado a proibir movimentos de empresas privadas que atuem paralelamente aos programas oficiais de imunização – pelo menos foi o que disseram o general Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, a um grupo de empresários que pertencem aos quadros da FIESP.
O que a frase de Thatcher tem a ver com essa situação?
O governo, ao analisar o problema da pandemia, tropeçou em um dilema moral: deixar ou não que algumas pessoas furassem a fila da vacinação, comprando imunizantes do setor privado? Mais do que isso: deixar integrantes do chamado grupo de risco para trás, apenas porque alguns têm condições financeiras para receber a vacina antecipadamente?
A metade do copo vazia é exatamente como o Executivo enxerga a situação. Em tempos de pandemia, deve prevalecer equidade de direitos e os privilégios serão destinados a quem está à mercê de ser contaminado com maior facilidade (idosos, obesos mórbidos, indivíduos com comorbidades etc.). Com isso, uma fila será estabelecida por critérios que não têm a ver com a situação socioeconômica dos cidadãos e todos precisam esperar pacientemente sua vez.
Essa visão, em tese, proporciona justiça social e mostra que o governo não se dobra aos interesses dos mais ricos. A regra vale para todos, não importando o tamanho da riqueza, e exceções não serão aceitas. Durante o mesmo encontro virtual entre governo e membros da FIESP, os empresários também escutaram uma excelente notícia: a de que o governo já comprou 500 milhões de doses (um suprimento suficiente para oferecer mais de uma aplicação a cada brasileiro) e que poderia iniciar o processo com rapidez.
De fato, ontem mesmo, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou a um grupo de 140 prefeitos que a vacinação começará no dia 20, desde que a Anvisa aprove no domingo os imunizantes que serão utilizados nas campanhas do governo.
Voltando ao dilema moral: há vacinas públicas para todos, mas esbarramos em uma questão de logística. É impossível entregar as ampolas de uma só vez a todos os cidadãos – por isso, temos uma fila. Assim, privilegia-se os grupos de risco e elimina-se pistolões de todas as espécies. O. K., muito justo.
Mas temos um problema de estatística. Cada indivíduo é uma central latente de contaminação. Se conseguirmos reduzir o tempo para vacinar todos os brasileiros, a nação inteira irá ganhar pois a velocidade do contágio será diminuída. Isso pode ser obtido com a entrada do setor privado no esforço de imunização, que reduziria rapidamente parte da fila, seja através de clínicas particulares ou de empresas que comprariam lotes de vacinas para seus funcionários.
Há dois tipos de pessoas que são contra a possibilidade de se privatizar parte deste processo.
Um grupo é o de pessoas retas que seguem um rígido código moral, através do qual nesses assuntos não deve haver qualquer tipo de privilégio. No entanto, há outra facção que simplesmente exulta o fato de que pessoas com mais condições financeiras não possam ter um tratamento diferenciado.
O segundo grupo, claramente, prega um revanchismo baseado no conceito de luta de classes, criado no século 19, para fustigar os mais ricos. Esse prazer fugaz leva alguém a algum lugar? Não. O vírus ataca a todos e congestiona o sistema de saúde de tal forma que nem os membros da classe A podem dizer que, caso necessitem, terão garantido um lugar na UTI de hospitais de primeira linha. O momento pede ponderação e sabedoria – e não histeria, raiva ou vingança social. Se as empresas puderem vacinar seus funcionários, uma grande parte dos trabalhadores brasileiros será beneficiada, sem ônus. Proibir essas iniciativas só retardará o processo de imunização e todos, sem exceção, vão sair prejudicados.